Personalidade e capacidade na legalidade constitucional

AutorGustavo Tepedino e Milena Donato Oliva
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, nos cursos de graduação, mestrado e doutorado/Professora de Direito Civil e do Consumidor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
Páginas291-314
Personalidade e capacidade na
legalidade constitucional
Gustavo Tepedino*
Milena Donato Oliva**
1. Introdução: tutela da dignidade humana e insuficiência da noção de
sujeito de direitos
A prioridade conferida à cidadania e à dignidade da pessoa humana (art.
1º, I e III, CRFB), fundamentos da República, e a adoção do princípio da
igualdade substancial (art. 3º, III, CRFB), ao lado da isonomia formal do
art. 5º, bem como a norma de expansão de direitos estipulada pelo art. 5º,
§ 2º, CRFB,1 condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando
todo o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita
pelo constituinte,2 inclusive a atividade privada.3
*
Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Es-
tado do Rio de Janeiro - UERJ, nos cursos de graduação, mestrado e doutorado. Sócio
do Escritório Gustavo Tepedino Advogados.
** Professora de Direito Civil e do Consumidor da Faculdade de Direito da Univer-
sidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Sócia do Escritório Gustavo Tepedino
Advogados.
1 Como já afirmado anteriormente, o dispositivo determina “a extensão do rol dos
direitos fundamentais por tratados ratificados pelo Brasil” (Gustavo Tepedino, A in-
corporação dos direitos fundamentais pelo ordenamento brasileiro: sua eficácia nas
relações jurídicas privadas. In Temas de Direito Civil, t. III, Rio de Janeiro: Renovar,
2009, p. 54). Ainda sobre o art. 5º, § 2º, da CRFB, cf. Celso de Albuquerque Mello, O
§ 2º do art. 5º da Constituição Federal, in Ricardo Lobo Torres (org.), Teoria dos Di-
reitos Fundamentais, Ricardo Lobo Torres (coord.), Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.
25 e Flávia Piovesan, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, São
Paulo: Max Limonad, 2004, pp. 87-88.
2 Sobre tal perspectiva metodológica, v. Pietro Perlingieri, Scuole, tendenze e metodi,
Napoli: Edizioni Scientifiche Italiane, 1989, pp. 109 e ss.
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Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamen-
to da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da po-
breza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, junta-
mente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido da não exclusão de
quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decor-
rentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram cláusula geral
de tutela e promoção da pessoa humana, esta tomada como valor máximo
pelo ordenamento.4
Nesta perspectiva, o reconhecimento da vulnerabilidade5 da pessoa hu-
mana nas suas mais variadas configurações é aspecto a ser destacado na
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3 Na lição de Vito Rizzo, a autonomia privada “non potrà più essere considerata
quale strumento attraverso cui dare piena ed integrale forza vincolate alla volontà dei
contraenti, ma diventa strumento assiologicamente valutabile che incontrerà giuridica
cogenza solo ove realizzi interessi che siano meritevoli di essere tutelati in un’ottica
costituzionale” (Disciplina del contratto, tutela del contraente debole e valori costitu-
zionali, in Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, vol. VI, 2015, p. 97). Para
Pietro Perlingieri, “a autonomia negocial se conforma às escolhas de fundo que carac-
terizam o ordenamento, segundo os dados normativos (princípios e regras) extraídos
do ordenamento na sua unidade e completude” (O Direito Civil na Legalidade Cons-
titucional, trad. Maria Cristina De Cicco, Rio de Janeiro: Renovar: 2008, p. 400). “Sig-
nifica dizer que a livre iniciativa, além dos limites fixados por lei, para reprimir atuação
ilícita, deve perseguir a justiça social, com a diminuição das desigualdades sociais e
regionais e com a promoção da dignidade humana. A autonomia privada adquire assim
conteúdo positivo, impondo deveres à autorregulamentação dos interesses individuais,
de tal modo a vincular, já em sua definição conceitual, liberdade à responsabilidade”
(Gustavo Tepedino, Esboço de uma classificação funcional dos atos jurídicos. In: Re-
vista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, vol. I, 2014, p. 124).
4 Como observa Pietro Perlingieri, “a personalidade é, portanto, não um direito,
mas um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta
de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência
de tutela (...). Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o
valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de
outras pessoas” (Perfis do Direito Civil, cit., pp. 155-156). Este o entendimento con-
solidado no Enunciado 247, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do CJF: “Os di-
reitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são ex-
pressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Cons-
tituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles,
como ne nhum pode sob relevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”.
5 A importância da tutela das vulnerabilidades na ordem constitucional brasileira é
destacada por Heloisa Helena Barboza, Proteção dos vulneráveis na Constituição de
1988: uma questão de igualdade, in Thiago Ferreira Cardoso Neves (org.), Direito e
Justiça Social: por uma sociedade mais justa, livre e solidária, São Paulo: Atlas, 2013,
pp. 103-117. Sobre a questão da tutela de vulneráveis no âmbito das relações familia-

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