O Estatuto da Pessoa com Deficiência e a capacidade testamentária ativa

AutorFlávio Tartuce
Ocupação do AutorDoutor em Direito Civil e Graduado pela USP
Páginas527-556
O Estatuto da Pessoa com Deficiência e
a capacidade testamentária ativa
Flávio Tartuce*
1. Introdução
O Estatuto da Pessoa com Deficiência — aqui denominado pela sigla
EPD — entrou em vigor no País em janeiro de 2016, trazendo numerosos
desafios para os aplicadores do Direito. Trata-se de uma lei com grande
amplitude, com consequências para vários ramos do Direito, seja público ou
privado.
Co nfor me s e ret ira do ar t. 1 º, caput, da Lei n. 13.146, de julho de 2015,
tinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando
à sua inclusão social e à sua cidadania. De imediato, constata-se que houve
uma alteração no regime de tutela de tais pessoais, substituindo-se a ideia
de dignidade-vulnerabilidade do sistema anterior pela de dignidade-igual-
dade ou de dignidade-inclusão. Adota-se, assim, a concepção kantiana de
proteção da liberdade da pessoa humana, inserindo-a na sociedade em equa-
lização de direitos.
Em complemento, nos termos do parágrafo único do mesmo diploma,
Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacio-
*
Doutor em Direito Civil e Graduado pela USP. Mestre em Direito Civil Compara-
do e Especialista em Direito Contratual pela PU-CSP. Professor Titular permanente
dos Programas de Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de Direito (FA-
DISP). Coordenador e professor dos Cursos de Pós-graduação lato sensu em Direito
Contratual da Escola Paulista de Direito (EPD, São Paulo). Professor do Curso de
Graduação em Direito da Faculdade Escola Paulista de Direito, na disciplina Direito
Contratual. Autor, entre outras obras, da coleção Direito Civil, em seis volumes, pela
Editora GEN/Método. Advogado, consultor jurídico, parecerista e árbitro.
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conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constitui-
ção da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurí-
dico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto n.
6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano
interno”. Como é cediço, o EPD tem fundamento em um tratado interna-
cional de direitos humanos do qual o País é signatário, a Convenção de Nova
York, o que lhe dá efeitos de Emenda Constitucional.
Ainda no que diz respeito à norma infraconstitucional objeto deste estu-
do, o seu art. 2º considera pessoa com deficiência aquela que tem impedi-
mento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o
qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participa-
ção plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas. Como se pode perceber da leitura da Lei n. 13.146/2015, há o
reconhecimento de desigualdades pela própria lei, mas esta acaba por alme-
jar, dentro do possível, um tratamento equânime como uma de suas premis-
sas, especialmente pelo que consta do art. 4º, sem prejuízo de outros pre-
ceitos que aqui serão estudados.1
Entre os vários comandos que representam notável avanço para a prote-
ção da dignidade da pessoa com deficiência, a nova legislação altera e revoga
alguns artigos do Código Civil (arts. 114 a 116 do EPD), consagrando gran-
des mudanças estruturais e funcionais na antiga teoria das incapacidades, o
que repercute diretamente para institutos do Direito de Família, como o
casamento, a interdição e a curatela. Também existem consequências para
o Direito das Sucessões, em especial para o testamento, como se pretende
demonstrar neste artigo.
Interessante observar que a norma também alterou alguns preceitos do
Código Civil que foram revogados expressamente pelo Novo CPC (caso do
art. 1.072 da codificação material). Nessa realidade, salvo uma nova inicia-
tiva legislativa, algumas alterações têm aplicação por curto intervalo de
tempo, entre o período da sua entrada em vigor e o início de vigência do
Código de Processo Civil, a partir de março de 2016. Isso parece não ter
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1 Nos termos do art. 4º do EPD, “Toda pessoa com deficiência tem direito à igual-
dade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de dis-
criminação. § 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de
distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito
de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações
razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. § 2º. A pessoa com deficiência
não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa”.

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