Conclusão

AutorGuilherme Calmon Nogueira da Gama/Thiago Ferreira Cardoso Neves
Páginas189-191
CONCLUSÃO
“Uma lei sanitária provocada por uma epidemia é aplicável até que um acto admi-
nistrativo declare cessado no país o estado de infecção”1. A frase, datada do início da
década de 20 do século passado na Itália, parece se encaixar perfeitamente ao contexto
atual do Direito Privado emergencial brasileiro devido à pandemia do COVID-19. As
repercussões da crise sanitária no âmbito das situações jurídicas patrimoniais e existen-
ciais nas relações privadas são claras e inexoráveis e, por isso, é de se louvar a iniciativa
do parlamento brasileiro quanto à instituição de um regime jurídico emergencial e
transitório para as relações jurídicas de Direito Privado.
Ao tratar dos deveres fundamentais, a doutrina observa que, para ser admitido como
dever fundamental, o dever geral de recolhimento domiciliar em tempos do COVID-19
“precisa apresentar densidade jurídica suf‌iciente, até porque os deveres fundamentais
não são meras imposições assentadas em virtudes humanas”2. O dever de recolhimento
domiciliar consiste no conjunto de sujeições das pessoas à limitação da liberdade de
ir e vir “em espaços e vias públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias
públicas, buscando conter os efeitos do crescimento desenfreado do número de casos
de COVID-19 e inevitável sobrecarga de atendimentos nas unidades hospitalares”3.
Tais imposições decorrem da necessidade da proteção de bem jurídico maior do que a
liberdade individual que é a saúde pública e a vida das demais pessoas. Trata-se de dever
fundamental de “proteger a saúde (dever de segunda dimensão) e inerente à lógica de
solidariedade responsável do Estado social, inf‌luenciados pelos ideais de solidariedade
(dever de terceira dimensão), assumindo os indivíduos uma série de obrigações concretas
para proteger interesses transindividuais”4.
O COVID-19 aponta para o imprevisto, sendo que nas palavras de Boaventura de
Sousa Santos, “as pandemias mostram de maneira cruel como o capitalismo neoliberal
incapacitou o Estado para responder às emergências”5. Uma das constatações decor-
rentes da pandemia é a incapacidade do Estado, sua falta de previsibilidade quanto às
emergências e desastres de grandes proporções que já eram anunciadas como prováveis
e de ocorrência próxima. Quando houver o retorno à “normalidade”, muitas questões
e situações serão diferentes: “quando se reconstituirão os rendimentos anteriores?
1. FERRARA, Francesco. Interpretação e aplicação das leis. Traduzido por Manuel A. Domingues de Andrade. 4. ed.
Coimbra: Arménio Amado Editor, 1987, p. 191.
2. MARTINS, Carlos Eduardo Behrmann Rátis. Dever geral de recolhimento domiciliar em tempo de coronavírus.
In: BAHIA, Saulo José Casali (org.). Direitos e deveres fundamentais em tempos de coronavírus. São Paulo: Editora
IASP, 2020, p. 55.
3. MARTINS, Carlos Eduardo Behrmann Rátis. Dever geral de recolhimento (...), op. cit., p. 55.
4. MARTINS, Carlos Eduardo Behrmann Rátis. Dever geral de recolhimento (...), op. cit., p. 56.
5. SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020, p. 28.
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