Prefácio

AutorLuiz Fux
Ocupação do AutorMinistro Vice-Presidente do STF. Professor Titular de Direito Processual Civil da UERJ
Páginas3-5
PREFÁCIO
Nos últimos meses, assistimos angustiados à chegada de uma crise sanitária sem
precedentes na história da sociedade contemporânea. Uma pandemia que, no dizer de
Luigi Ferrajoli, nos faz perceber o quanto somos, simultaneamente, frágeis e interdepen-
dentes.1 A pandemia do Sars-CoV-2 impactou, sobremaneira, a vida dos seres humanos,
provocando severos riscos à saúde da população mundial. Demais disso, o temor do vírus
invisível alterou profundamente o convívio social, que foi substituído pelo isolamento
nos lares e pelos encontros virtuais. Os mais simples hábitos do dia a dia foram abrup-
tamente interrompidos, obrigando grande parte dos habitantes do planeta a viverem,
diuturnamente, sob os limites das paredes de suas residências.
A inesperada crise epidêmica levou à necessidade da tomada de diversas medidas
legais e administrativas pelos Poderes da República e pelos variados entes da Federação,
culminando com a proibição ou restrição de circulação, o fechamento de prédios públicos
e particulares, a impossibilidade de realização de eventos públicos e de entretenimento,
além de reuniões privadas, repercutindo, assim, de modo drástico nas relações sociais
e, consequentemente, jurídicas.
Dentre essas medidas estatais, ganha destaque a recém-editada Lei nº 14.010/2020,
que instituiu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Di-
reito Privado – RJET. A referida norma jurídica tem como propósito estabelecer regras
temporárias em diversas e relevantes matérias de direito privado durante o período da
pandemia. Desde já, é preciso destacar que o novo regime temporário criado para o
Direito Privado vem em boa hora, porquanto destina-se a materializar a completude do
ordenamento jurídico a que se refere Norberto Bobbio. No dizer do f‌ilósofo, historiador
e político italiano, a completude do ordenamento signif‌ica que “um ordenamento jurí-
dico tem uma norma para regular qualquer caso”.2 A nova lei, portanto, apaga lacunas
normativas que existiriam diante do caráter inédito da magnitude desta crise sanitária.
A emergência da crise evidencia a relevância do regime extraordinário estabelecido
pelo RJET, e justif‌ica o regramento especial trazido pelo legislador, que provocou mu-
danças substanciais, mas temporárias, em diversas matérias alusivas ao Direito Civil,
ao Direito do Consumidor e ao Direito de Empresa, em particular o Direito Societário.
A necessidade de criação de uma regra de caráter temporário exsurge, assim, como um
valioso imperativo para a redução das injustiças sociais que advirão com a crise provocada
pelo COVID-19. E, consoante lição de Amartya Sem, “se alguém tem o poder de mudar
1. FERRAJOLI, Luigi. O vírus põe a globalização de joelhos. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/597204-o-vi-
rus-poe-a-globalizacao-de-joelhos-artigo-de-luigi-ferrajoli?fbclid=IwAR0WfrAJ5twl3PtpKhlmh1v387zL2PN-
ToqFCiXu4exEYucyWdyQqruA2Yzk. Acesso em 17/05/2020.
2. BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 5ª edição. Brasília: Editora UNB, 1994, p. 115.
DIREITO PRIVADO EMERGENCIAL.indb 3DIREITO PRIVADO EMERGENCIAL.indb 3 15/07/2020 15:23:5615/07/2020 15:23:56

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