Confiança e desconfiança sistêmicas

AutorMisabel Abreu Machado Derzi
Ocupação do AutorProfa. Titular de Direito Tributário e Financeiro da UFMG e Faculdades Milton Campos. Doutora em Direito pela UFMG. Pres. honorária da Associação Brasileira de Direito Tributário ? ABRADT. Consultora e Advogada
Páginas1007-1032
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ΧΟΝΦΙΑΝ∩Α Ε ∆ΕΣΧΟΝΦΙΑΝ∩Α
ΣΙΣΤ⊇ΜΙΧΑΣ
Misabel Abreu Machado Derzi1
1. INTRODUÇÃO: CONFIANÇA SISTÊMICA OU SUBJETIVA?
A confiança não é, diz-se, objetiva nem subjetiva. Com
isso se pretende realçar que ela pode ser apreendida objetiva-
mente, como suporte subjacente a todo sistema social, jurídico,
econômico ou político. “Sem confiança não é possível a vida”,
ensinou-nos NIKLAS LUHMANN. E foi assim, exatamente
com essa visão ampla, que o filósofo estudou o tema.2 A des-
confiança, igualmente, subjaz dentro de todo sistema social e
cumpre papel funcional similar.
Dentro da extrema mobilidade do mundo e da alta com-
plexidade das sociedades de risco contemporâneas, LUH-
MANN não deixou de destacar a peculiaridade com que o
sistema jurídico se presta a fornecer estabilidade, se presta a
1. Profa. Titular de Direito Tributário e Financeiro da UFMG e Faculdades
Milton Campos. Doutora em Direito pela UFMG. Pres. honorária da Asso-
ciação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT. Consultora e Advogada.
2. Cf. LUHMANN. Confianza. Barcelona: Anthropos, 1996.
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TRIBUTAÇÃO: DEMOCRACIA E LIBERDADE
acolher as expectativas legitimamente criadas e, portanto, a
proteger a confiança. Enfim miscigena-se, como instrumento,
o lado subjetivo da confiança. A redução dos riscos, pela pro-
messa de simplificação, permite prever a proteção da confian-
ça, subjetivamente. Se assim não for, a ordem jurídica confun-
dir-se-á com os elementos do ambiente, sociais, econômicos,
morais... enfim, fundir-se-á com os demais sistemas e desapa-
recerá como instrumento que possibilita a vida, o convívio e a
tomada de decisões assentadas em um mínimo de confiança.
Por isso mesmo, alguns filósofos contemporâneos realçam o
fato de que, embora o sistema jurídico seja hermenêutica e
cognitivamente aberto, ele somente opera fechado, e se repro-
duz a partir de si mesmo. O conhecimento jurídico somente é
possível a partir desse fechamento e exatamente em razão dele,
como quer LUHMANN.3
Não obstante, os trabalhos que realçam tão somente o
lado subjetivo da confiança ou da desconfiança são, desde a
origem, muito mais frequentes. Poucos, como NIKLAS LUH-
MANN, estudaram a confiança sistêmica, sem ignorar a des-
confiança, ou seja, aqueles equivalentes funcionais que são
suporte de todo sistema social e que subjazem igualmente, de
forma implícita ou latente, no sistema jurídico. Recentemente,
SCOTT SHAPIRO4, em sua obra Legality, de 2011, utiliza-se
da “economia da confiança” (uma relação entre confiança e
desconfiança) para explicar o Direito, embora sem qualquer
referência ao clássico livro de LUHMANN sobre confiança ou
à farta biblioteca germânica tão rica em tais temas.
Especialmente sob o ângulo subjetivo, são fartos os estu-
dos sobre o assunto. CLAUS-WILHELM CANARIS5, embora
tendo como parâmetro somente o Direito privado alemão (não
3. Cf. LUHMANN. Confianza, op. cit.
4. Cf. Legality. Londres: The Belknap Press of Harvard University Press, 2011.
5. Cf. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 3ª
ed. Trad. Menezes Cordeiro. Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.

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