Presunções e ficções fiscais e o princípio da capacidade contributiva

AutorGuilherme Broto Follador
Ocupação do AutorMestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná
Páginas1231-1272
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ΠΡΕΣΥΝ∩∏ΕΣ Ε ΦΙΧ∩∏ΕΣ ΦΙΣΧΑΙΣ
Ε Ο ΠΡΙΝΧ⊆ΠΙΟ ∆Α ΧΑΠΑΧΙ∆Α∆Ε
ΧΟΝΤΡΙΒΥΤΙςΑ
Guilherme Broto Follador1
1. INTRODUÇÃO
A disseminação do uso de presunções e ficções fiscais no
Direito Tributário é fenômeno há muito observado, e cada vez
mais sentido. Certamente não será leviano intuir que esse é,
dentre todos, o ramo do Direito em que o uso de tais técnicas
é mais frequente.
Essa suspeita é reforçada pela observação de que as pre-
sunções e ficções, no ensejo de facilitar a tarefa do Fisco, tanto
1. Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Es-
pecialista em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba – UNI-
CURITIBA. Professor do Curso de Especialização em Direito Tributário e
Processual Tributário do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA;
Professor do Curso de Especialização em Direito Tributário da Academia
Brasileira de Direito Constitucional – ABDCONST; Membro do Núcleo de
Pesquisa em “Direito Tributário Empresarial”, orientado pelo Professor
Doutor José Roberto Vieira, do Programa de Pós-Graduação em Direito da
UFPR. Advogado.
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TRIBUTAÇÃO: DEMOCRACIA E LIBERDADE
podem contribuir para a ampliação do espectro de fatos pas-
síveis de serem atraídos pela norma de incidência – já que
podem se relacionar com qualquer dos critérios da regra-ma-
triz, como bem demonstrou FLORENCE HARET2 – quanto
podem facilitar o desencadeamento dos efeitos atribuídos a
essas normas, dispensando a verificação efetiva da ocorrência
concreta dos fatos jurídico-tributários a ela subsumíveis.
Apenas para que se tenha uma ideia da importância do
tema, é da validade de presunções e ficções tributárias que se
está tratando, segundo usualmente defende a doutrina, quan-
do se analisa a legitimidade: (a) de pautas fiscais e plantas de
valores na definição da base de cálculo de tributos como o IPVA
e o IPTU; (b) das hipóteses em que a legislação exige a anteci-
pação do pagamento de tributos, cobrados antes mesmo da
efetiva ocorrência dos fatos que lhes dariam ensejo, aí incluídos
os casos de substituição tributária “para frente”; (c) de deter-
minados métodos previstos para o arbitramento da riqueza
tributável; (d) de hipóteses em que o valor do tributo é calcu-
lado por estimativa; (e) dos casos de tributação reflexa da
pessoa do sócio, por se considerarem a ele distribuídos os
rendimentos auferidos pela sociedade desde quando recebidos
por esta; (f) da tomada de sinais exteriores de riqueza como
indícios de omissão de rendimentos etc.
Embora variadas as espécies de presunções e ficções,
em todas elas o que se nota, segundo HUMBERTO ÁVILA, é
uma mitigação do “... dever constitucional de observância da
igualdade segundo a capacidade contributiva em função de
uma finalidade extrafiscal qualquer, normalmente econômica
ou social”.3
2. Teoria e Prática das Presunções no Direito Tributário. São Paulo: Noeses,
2010, passim.
3. Teoria da igualdade tributária. Malheiros: São Paulo, 2008, p. 83. Reco-
nheça-se que o autor fala não em simples “mitigação”, mas em verdadeiro
afastamento do dever de observância da capacidade contributiva, no caso
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TRIBUTAÇÃO: DEMOCRACIA E LIBERDADE
Isso porque a observância estrita da capacidade contri-
butiva, vista no sentido de garantia do contribuinte – que é
penas uma das perspectivas que o princípio pode assumir –
requereria que fossem gravadas, sempre, manifestações reais
de riqueza, jamais manifestações fictícias ou meramente pre-
sumidas, de modo a exigir não apenas a construção de normas
de incidência caracterizadas pela observância desse requisito,
mas também a adoção de métodos de apuração e arrecadação
fundados na riqueza tributável real, e não na meramente esti-
mada ou suposta.
O fato, porém, é que, de um lado, o princípio da capaci-
dade contributiva, sendo dotado da complexidade própria
dessa sorte de normas constitucionais – decorrente do fato de
que têm, prima facie, conteúdo menos determinado que o das
regras – não guarda apenas um viés garantista, de proteção do
indivíduo contra o Fisco; representa, também, a noção de que
todos aqueles que a detêm devem contribuir (concorrer) para
os gastos públicos.4
De outro lado, o princípio da igualdade, de que, no Direi-
to Tributário, a capacidade contributiva é, por excelência, o
critério de aplicação, não vigora sozinho no ordenamento.5 Ao
dos tributos extrafiscais (p. 161). Para ele, nesses casos, a medida de compa-
ração por meio da qual se analisará a observância da igualdade não será a
capacidade contributiva, mas outras finalidades que o Estado deve buscar,
controladas por um juízo de proporcionalidade. Porém, ele mesmo admite
uma gradação no afastamento desse dever, conforme o nível de predomi-
nância da finalidade extrafiscal do tributo, ao dizer que “... a instituição
de um tributo com finalidade extrafiscal (...) fará com que o ente estatal se
afaste, em maior ou menor medida, do ideal de igualdade particular (...)”
(p. 162 – os destaques são nossos). Como a finalidade fiscal em um tributo é
sempre mais ou menos predominante, mas nunca inexistente, entendo que
as considerações do autor relativas aos tributos fiscais valem também, em
igual ou menor grau, para os extrafiscais.
4. MOSCHETTI, Francesco. El princípio de capacidad contributiva.
Instituto de Estudios Fiscales: Madri, 1980, p. 303.
5. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. ed. São Paulo:

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