Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista

AutorRita Maria Borges Franco
Ocupação do AutorAdvogada. Professora de Direito Ambiental. Mestre e Doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP
Páginas101-123
Considerações sobre a Responsabilidade
Administrativa Ambiental por Área Con-
taminada à Luz do Regramento Paulista
Rita Maria Borges Franco1
1. Introdução
O presente artigo busca apresentar a regulamentação dos proces-
sos de gerenciamento de áreas contaminadas tal qual estabelecida para
o Estado de São Paulo e, bem assim, refletir sobre o assunto à luz das
regras de imputação de responsabilidade administrativa ambiental,
mormente no que diz respeito à discussão quanto à existência de espé-
cie de responsabilidade administrativa ambiental solidária.
Dito isto, cumpre esclarecer que o objetivo do presente artigo
consiste em expor o assunto e apontar os possíveis pontos de atenção
que demandarão reflexão detida dos agentes públicos envolvidos e dos
particulares interessados nos processos de gerenciamento ambiental.
2. Disciplinanormativadogerenciamentodeáreas
contaminadas no Estado de São Paulo
O gerenciamento de áreas contaminadas no Brasil é uma prática
relativamente recente e vem sendo implementado por determinação
1 Advogada. Professora de Direito Ambiental. Mestre e Doutora em Direito
das Relações Sociais pela PUC-SP.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas102
dos órgãos ambientais em todo o país e de forma crescente. A título de
exemplo, os registros da agência ambiental paulista – a Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo – CETESB – apontam que, em 2002,
existiam 255 processos em atendimento, passando esse número em
2013 para 4.774 processos e 5.942 em 20172.
De fato, apesar de a contaminação do solo e de águas subterrâ-
neas ter como origem os primórdios da industrialização no país, é certo
que questão adquiriu relevância dentre as ações de controle praticadas
pelos órgãos ambientais nos últimos 30 anos, principalmente para lidar
com situações da danos ambientais iminentes e com iniciativas volta-
das à reutilização de áreas, com proposta de modificação de uso indus-
trial para residencial, realidade comum nos grandes centros.
No passado, para o gerenciamento ambiental de áreas contami-
nadas, exatamente por exigirem abordagem multidisciplinar e conheci-
mentos altamente especializados, as ações voltadas à identificação, à
caracterização, à quantificação de riscos e à reabilitação de áreas conta-
minadas foram executadas de forma incipiente e, muitas vezes, sem
efetividade garantida em termos de alcance dos resultados obtidos.
Contudo, hoje podemos afirmar que a nossa legislação está entre as
mais modernas e avançadas do mundo, prevendo mecanismos e proce-
dimentos que compreendem todo o complexo de ações necessárias à
remediação destes passivos e à reabilitação das áreas, garantindo o seu
real aproveitamento.
No Brasil, o grande marco no gerenciamento de áreas contami-
nadas ocorreu em 1999, quando a Companhia Ambiental do Estado de
São Paulo – CETESB, órgão ambiental de controle da poluição no esta-
do, editou o Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas. Nos idos
dos anos 2000, foi editada a Decisão de Diretoria n. 023/00/C/E, de
15-6-2000, que aprovou a implantação de procedimento para a atuação
2 Disponível em:
tent/uploads/sites/17/2018/01/Totaliza%C3%A7%C3%A3o-por-Depar-
tamento.pdf>. Acesso em: 5 jul. 2018.
103
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
em áreas contaminadas, tendo como base documento intitulado “Pro-
cedimentos para Gerenciamento de Áreas Contaminadas”.
Posteriormente, foi editada a Decisão de Diretoria CETESB
103/2007/C/E, de 22 de junho de 2007, que descreveu detalhadamente
as etapas a serem desenvolvidas em todo o processo de gerenciamento,
até a reabilitação de áreas degradadas. Esse documento apresentava de
forma detalhada todas as atividades que deveriam integrar o gerencia-
mento de situações de suspeita ou comprovação de processos de conta-
minação do solo, das águas subterrâneas e do ar presente no solo.
Por sua consistência técnica, objetividade e abrangência, o proce-
dimento editado pela CETESB, além de ter sido adotado como referên-
cia por praticamente todos os órgãos ambientais do país, norteou a ela-
boração da Resolução CONAMA 420, de 29-12-2009, editada pelo
CONAMA com o intuito de padronizar procedimentos em todo o país
e dispõe “sobre critérios e valores orientadores de qualidade do solo
quanto à presença de substâncias químicas e estabelece diretrizes para
o gerenciamento ambiental de áreas contaminadas por essas substân-
cias em decorrência de atividades antrópicas”.
A Lei Estadual n. 13.577/2009 incorporou todos os conceitos e
procedimentos até então previstos, tendo o seu detalhamento sido in-
cluído no Decreto Estadual n. 59.263/2013, estabelecendo uma série de
conceitos, definições e obrigações que, quando pertinentes, serão refe-
ridas ao longo do presente documento.
No que é de interesse ao presente artigo, importa referir que a Lei
Estadual n. 13.577/2009 e o Decreto Estadual n. 59.263/2013, respecti-
vamente em seus arts. 13 e 18, são considerados responsáveis legais e
solidários pela prevenção, identificação e remediação de uma área con-
taminada: (i) o causador da contaminação e seus sucessores; (ii) o pro-
prietário da área; (iii) o superficiário; (iv) o detentor da posse efetiva; e
(v) quem dela se beneficiar direta ou indiretamente.
Em termos procedimentais, atualmente está em vigor a Decisão
de Diretoria CETESB 038/2017/C, de 7-2-2017, que, dentre outros te-
mas, reviu o “Procedimento para o Gerenciamento de Áreas Contami-
nadas”, sem, contudo, alterar substancialmente o conteúdo material
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas104
das exigências que já vinham sendo feitas pela CETESB a partir do es-
tabelecido na Decisão de Diretoria CETESB 103/2007/C/E, refinando e
padronizando o que já havia sido proposto.
De acordo com a novel Decisão de Diretoria, a Metodologia de
Gerenciamento de Áreas Contaminadas é composta de dois processos.
O Processo de Identificação de Áreas Contaminadas objetiva
identificar as áreas contaminadas, determinar sua localização e caracte-
rísticas e avaliar os riscos a elas associados, possibilitando a decisão
sobre a necessidade de adoção de medidas de intervenção, e é consti-
tuído por seis etapas: (a) Identificação de Áreas com Potencial de Con-
taminação; (b) Priorização de Áreas com Potencial de Contaminação;
(c) Avaliação Preliminar; (d) Investigação Confirmatória; (e) Investiga-
ção Detalhada; e (f) Avaliação de Risco.
O Processo de Reabilitação de Áreas Contaminadas, que possibi-
lita selecionar e executar, quando necessárias, as medidas de interven-
ção, visando reabilitar a área para o uso declarado, é constituído por
três etapas: (a) Elaboração do Plano de Intervenção; (b) Execução do
Plano de Intervenção; e (c) Monitoramento para Encerramento, tudo
isso com vistas à obtenção de Termo de Reabilitação de Área para Uso
Declarado.
Por último, foi editada a Instrução Técnica CETESB 39/20173,
que constitui documento interno de orientação dos agentes da CETESB,
elaborados com vistas à padronização de atuação em casos que tenham
objeto similares, no intuito de uniformizar procedimentos, conferindo
maior agilidade na condução dos processos administrativos.
Conforme se infere do seu texto, “por meio desta Instrução Téc-
nica são apresentados os trâmites administrativos e as atribuições refe-
rentes à aplicação do Procedimento para a Proteção da Qualidade do
Solo e das Águas Subterrâneas, Procedimento para Gerenciamento de
3 Disponível em:
tent/uploads/sites/17/2017/12/IT39_2017_Vers%C3%A3o-
Final_05dez17-PE.pdf>. Acesso em: 2 jun. 2019.
105
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
Áreas Contaminadas e Diretrizes para o Gerenciamento de Áreas Con-
taminadas no Âmbito do Licenciamento Ambiental”. Dentre as maté-
rias ali incluídas, merecem destaque as que seguem.
A partir do que dispõem o art. 18 e os arts. 82 a 93 do Decreto
Estadual n. 59.263/2013, a sobredita norma previu que o não atendi-
mento de qualquer das etapas descritas na Decisão de Diretoria CETESB
038/2017/C, pelo Responsável Legal, implicará a imposição das san-
ções administrativas previstas no Anexo 3 da Instrução Técnica CETESB
039/2017.
A aludida norma, no ponto, fazendo coro com o que prevê o art.
72 da Lei Federal n. 9.605/98, estabelece, como orientação, o dever de
serem consideradas circunstâncias agravantes e atenuantes, devendo
ser fixadas exigências técnicas, quando aplicáveis, para serem atendi-
das pelo infrator, fixando, para tanto, prazo razoável.
Assim é que, com base no que dispõe o art. 85 do Decreto Esta-
dual n. 59.263/2013, a aludida Instrução Técnica previu que poderão
ser aplicadas as seguintes penalidades (i) advertência; (ii) multa sim-
ples; (iii) multa diária; (iv) embargo; (v) demolição; e (vi) suspenção de
financiamento e benefícios fiscais.
Dentre aquelas mais comuns incidentes sobre os processos de
gerenciamento de áreas contaminadas, a penalidade de advertência
será imposta quando se tratar de primeira infração pelo descumpri-
mento das exigências técnicas formuladas pelo órgão ambiental com-
petente nos processos de gerenciamento de áreas contaminadas, des-
de que não se constitua infração grave ou gravíssima ou quanto se
tratar de situação de risco iminente à saúde” (art. 86 do Decreto Esta-
dual n. 59.263/2013).
Já a penalidade de multa “será imposta ao responsável pela área
classificada como Área Contaminada sob Investigação (ACI) ou Área
Contaminada com Risco Confirmado (ACRi), conforme disposto no
art. 18 [deste] decreto, observado o limite de 4 (quatro) a 4.000.000 (qua-
tro milhões) vezes o valor da Unidade Fiscal do Estado de São Paulo –
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas106
UFESP, ou, no caso de sua extinção, no índice que a substituir, desde
que não ultrapasse o limite estabelecido no art. 75 da Lei Federal n.
9.605, de 12 de fevereiro de 1998”, qual seja R$ 50.000.000,00 (cinquenta
milhões de reais) (art. 87 do Decreto Estadual n. 59.263/2013).
Para gradação da infração, em leve, grave ou gravíssima, deve-
rão ser levados em conta os seguintes fatores: (i) a intensidade do
dano, efetivo ou potencial; (ii) as circunstâncias atenuantes ou agra-
vantes; e (iii) os antecedentes do infrator, pessoa física ou jurídica (art.
82 do Decreto Estadual n. 59.263/2013). Para infrações leves, a multa
será de 4 a 1000 vezes o valor da UFESP, infrações graves, a multa será
de 1001 e 5000 vezes o valor da UFESP, e infrações gravíssimas, o valor
de 5.0001 a 4.000.000 vezes o valor da UFESP (art. 88 do Decreto Esta-
dual n. 59.263/2013).
Em havendo reincidência, caracterizada pelo cometimento de
nova infração da mesma natureza e gravidade, é previsto que a multa
corresponderá ao dobro da anteriormente imposta (art. 88, § 1°, do De-
creto Estadual n. 59.263/2013).
Assim, o valor final valor final da multa, tendo em consideração
as situações agravantes e atenuantes, não poderá ultrapassar os seguin-
tes limites superiores e inferiores estabelecidos pelo art. 88 do Decreto
Estadual n. 59.263/2013.
Note-se que a Instrução Técnica CETESB 39/2017 padronizou
percentuais de aumento e redução em razão de agravantes, reincidên-
cia e atenuantes (vide Anexo 3, p. 66-67). As tabelas 1 e 2 do Anexo 3
da Instrução Técnica 039/2017 apresentam, nos itens 1 a 14, as princi-
pais infrações e penalidades passíveis de serem verificadas no curso
dos processos de gerenciamento de áreas contaminadas (vide Anexo 3,
p. 69-71).
Registre-se, ainda, que a Instrução Técnica CETESB 039/2017
prevê que “em áreas com proposta de reutilização, ou seja, onde foi
solicitado Parecer Técnico sobre Plano de Intervenção para Reutiliza-
ção, ou em áreas classificadas como Área em Processo de Reutilização
(ACRu), as penalidades previstas nos Itens 6C e 8B do Anexo 3, desta
107
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
Instrução Técnica, não deverão ser endereçadas ao Responsável Legal
que propôs a reutilização da área contaminada, tendo em consideração
os arts. 614 e 945 do Decreto n. 59.263/2013”, devendo estas penalidades
serem endereçadas ao causador da contaminação.
Em adição, é dito ainda que “o Responsável Legal pela proposta
de reutilização de área contaminada somente será autuado no caso de
descumprimento das ações de gerenciamento descritas no Plano de In-
tervenção para Reutilização aprovado pela CETESB” (item 3.2.2).
De outra banda, prevê que
nos casos onde foi realizada a solicitação de Parecer Técnico sobre
Plano de Intervenção para Reutilização, os eventuais descumprimen-
tos observados durante a execução das etapas do Gerenciamento de
Áreas Contaminadas, que embasaram a elaboração do Plano de Inter-
venção para Reutilização (Avaliação Preliminar, Investigação Confir-
matória, Investigação Detalhada, Avaliação de Risco), não acarretará
em autuação, mas, sim, o indeferimento do pedido, com emissão do
Parecer Técnico Desfavorável (item 3.2.2).
Nos termos do art. 92 do Decreto Estadual n. 59.263/2013, “as
penalidades serão apuradas em processo administrativo próprio, asse-
gurado o direito de ampla defesa e o contraditório, sendo que o infra-
tor, querendo, poderá apresentar defesa no prazo de 20 (vinte) dias,
contados da ciência do auto de infração”. Em se tratando de etapas
afetas à competência do Departamento de Áreas Contaminadas (CA)
4 “Artigo 61 – A aquisição de terrenos onde são ou foram desenvolvidas ati-
vidades com potencial de contaminação com vistas à sua revitalização será
considerada como de interesse público, devendo ser incentivada e apoiada
pelos poderes públicos estadual e municipal.”
5 “Artigo 94 – A CETESB poderá estabelecer procedimentos diferenciados
para a identificação e reabilitação das áreas contaminadas em função das
peculiaridades da atividade ou do empreendimento ou da extensão da con-
taminação, desde que garantidos os princípios e finalidades estabelecidos
neste regulamento.”
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas108
– conforme indicação do Anexo 2 da Instrução Técnica CETESB
037/2019 –, os recursos interpostos serão apreciados pelo Setor de Re-
cursos Administrativos (CTAR), com apoio técnico do próprio Depar-
tamento de Áreas Contaminadas (CA).
As disposições supra são algumas daquelas que, uma vez reduzi-
das a termo, no contexto atual do regramento do processo de gerencia-
mento de áreas contaminadas no Estado de São Paulo, buscaram confe-
rir maior segurança ao adquirente de imóvel com passivos provenientes
de contaminação do solo e de águas contaminadas, tenha sido ele
oriundo de ação pregressa de seus proprietários anteriores ou resultan-
te de passivos históricos, cujo causador seja atualmente inexistente ou
desconhecido.
Contudo, há alguns aspectos que, por implicarem imputação de
responsabilidade administrativa por infração ambiental, a despeito da
regulamentação existente, demandam ainda maior reflexão.
3. Considerações sobre a natureza jurídica da res-
ponsabilidade administrativa ambiental
Para bem analisar o assunto, é preciso ter em vista que a Consti-
tuição Federal estabelece, em seu art. 225, § 3°, que “as condutas e ati-
vidades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, inde-
pendentemente da obrigação de reparar os danos causados”, sendo
certo que a natureza jurídica de cada uma das esferas de responsabili-
dade é matéria afeta à legislação infraconstitucional. Em resumo, con-
forme aponta Édis Milaré,
Em âmbito civil, a responsabilidade ambiental, isto é, o dever de repa-
rar, exsurge com a simples presença do nexo causal entre a lesão e
uma determinada atividade. Isto porque o art. 14, § 1°, da Lei n.
6.938/1981106 adotou a teoria da responsabilidade civil objetiva, por
força da qual não se exige a configuração do elemento subjetivo –
dolo ou culpa –, tampouco da ilicitude do ato. Com isso, fugiu o legis-
109
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
lador ambiental do regime geral da responsabilidade civil subjetiva,
como previsto no art. 186 do novo Código Civil.
Em âmbito penal, o crime se configura com a presença de dois requi-
sitos: tipicidade e antijuridicidade, conforme se deduz do teor dos
arts. e 23 do CP. A culpa e o dolo – isto é, o estado psicológico do
agente – constituem os elementos subjetivos do tipo, tal como defini-
dos no art. 18 do mesmo diploma legal. Com isso, positivou-se a na-
tureza subjetiva da responsabilidade criminal. Para que incida a pena,
exige-se, ainda, o requisito da culpabilidade, que se desdobra em impu-
tabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência
da ilicitude.
Na esfera administrativa, o art. 70 da Lei n. 9.605/1998, ao definir a
infração administrativa ambiental, considerou como ilícito administra-
tivo não só o comportamento típico, tal como ocorre em âmbito penal,
mas foi mais abrangente, visando à punição de toda atividade contrá-
ria a quaisquer regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e
recuperação do meio ambiente. Daí dizer-se que o fundamento da
infração administrativa é tão só a ilicitude da conduta, considerada
como qualquer violação ao ordenamento jurídico. A particularidade
aqui é a inversão do ônus da prova, justificada pela presunção de le-
gitimidade do auto de infração – desse modo, incumbe ao autuado a
elisão desse atributo, que é inerente a qualquer ato administrativo6.
Com efeito, a responsabilidade administrativa em matéria am-
biental, da mesma forma que a penal, constitui instrumento de repres-
são às condutas e às atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
e é caracterizada pelo cometimento de uma infração tipificada em lei,
ou seja, qualquer violação do ordenamento jurídico tutelar do ambien-
te, em estrita observância ao princípio da legalidade, segundo o qual,
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei”7.
6 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2018, p. 201-202.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas110
A Lei Federal n. 9.605/1998, em seu art. 70, caput, também con-
ceitua infração administrativa ambiental como sendo “toda ação ou
omissão que viole a regras jurídicas de uso, gozo, proteção e recupera-
ção do meio ambiente”. O art. 2º do Decreto Federal n. 6.514/2008 apre-
senta o mesmo conceito de infração administrativa ambiental dado
pela Lei Federal n. 9.650/98, complementando que serão punidos com
as sanções apresentadas pelo mesmo diploma legal, sem prejuízo da
aplicação de outras penalidades previstas na legislação.
Assim, em vista do que dispõe a lei, em especial o art. 72, § 3°, da
Lei Federal n. 9.605/988, é que Édis Milaré sustenta ser possível afirmar
que “os pressupostos para a configuração da responsabilidade admi-
nistrativa podem ser sintetizados na fórmula conduta ilícita, considera-
da como qualquer comportamento contrário ao ordenamento jurídico”9.
Desse modo, para sua configuração, faz-se necessária a conjugação de
dois fatores, quais sejam: (i) a configuração fática e jurídica de um com-
portamento contrário a uma regra prevista em regulamento (normas
constitucionais, legais ou regulamentares); e (ii) a constatação da exis-
tência de nexo causal direto entre o agente infrator e o comportamento
tido por antijurídico. Em complemento, aduz que:
Administrativamente, porém, a autoria, isto é, a imputação do fato infra-
cional a uma pessoa, física ou jurídica, é pressuposto jurídico da inci-
dência da pena. Este elemento traduz-se no comportamento, omissi-
vo ou comissivo, daquele que, de qualquer forma, concorre para a
prática da infração, analogamente ao que ocorre na esfera penal, por
8 “Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes san-
ções, observado o disposto no art. 6º: (...) § 3º A multa simples será aplica-
da sempre que o agente, por negligência ou dolo: I – advertido por irregu-
laridades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo
assinalado por órgão competente do Sisnama ou pela Capitania dos Por-
tos, do Ministério da Marinha; II – opuser embaraço à fiscalização dos ór-
gãos do Sisnama ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.”
9 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2018, p. 362.
111
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
força dos arts. 13, caput e § 2º, e 29 do Código Penal, e do art. 2º da Lei
n. 9.605/98. Daí constituírem as hipóteses de força maior, caso fortui-
to e fato de terceiro excludentes da responsabilidade administrativa,
exceto naqueles casos em que haja concausa, isto é, ocorrência de um
resultado em função da combinação do evento excludente com um
comportamento omissivo ou comissivo do agente. Isto porque, nestas
hipóteses, o comportamento do infrator terá concorrido para a reali-
zação do ilícito administrativo10.
Por certo, a infração, no âmbito administrativo, é caracterizada
não necessariamente pela ocorrência de um dano, mas pelo comporta-
mento ou pela conduta ilícitos, dos quais poderá ou não decorrer danos
ambientais. A conduta ilícita do agente é personalíssima e, em diante
do que estabelece o princípio da pessoalidade da sanção11, não pode ser
imputada a outrem.
A esse respeito, Rafael Munhoz de Mello, depois de definir que,
pelo princípio da culpabilidade, se exige que a sanção administrativa
seja imposta unicamente a quem, devendo agir de outro modo, pratica
conduta típica, sustenta, por decorrência lógica e necessária desse prin-
cípio, ser vedada “a imposição ou transmissão da medida sancionado-
ra a terceiros que não participaram da conduta típica”. E complementa,
“noutras palavras: a sanção deve ser imposta tão somente a quem, com
dolo ou culpa stricto sensu, realiza a infração administrativa, sendo ve-
dada a punição por fato de outrem”12.
Na mesma linha, Fábio Medina Osório, em obra de referência,
esclarece que a “pessoalidade da sanção administrativa veda, por certo,
a chamada responsabilidade solidária, ainda que estabelecida em lei,
10 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2018, p. 202-203.
11 Ibid., p. 411.
12 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrati-
vo sancionador: as sanções administrativas à luz da Constituição Federal de
1988. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 194.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas112
porque a lei não pode violentar um princípio constitucional regente do
Direito Administrativo Sancionador”13.
Veja-se, também a esse respeito, que o Superior Tribunal de Jus-
tiça já assentou entendimento a esse respeito, conforme se infere dos
acórdãos proferidos, respectivamente, pela 1ª Turma (AgRg no AREsp
62.584/RJ14) e pela 2ª Turma (REsp 1.401.500/PR15), no sentido de que a
13 OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2009, p. 372.
14 “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL
NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO
CPC. INOCORRÊNCIA. DANO AMBIENTAL. ACIDENTE NO TRANS-
PORTE DE ÓLEO DIESEL. IMPOSIÇÃO DE MULTA AO PROPRIETÁRIO
DA CARGA. IMPOSSIBILIDADE. TERCEIRO. RESPONSABILIDADE
SUBJETIVA. I – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao
deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, apenas não adotan-
do a tese vertida pela parte ora Agravante. Inexistência de omissão. II – A
responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de respon-
sabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por
não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente
pela degradação ambiental causada pelo transportador. III – Agravo regi-
mental provido” (STJ, 1ª Turma, AgRg no AREsp 62.584/RJ, rel. Min. Sérgio
Kukina, rel. p/ acórdão Min. Regina Helena Costa, DJe 7-10-2015).
15 “PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. EXPLOSÃO DE NAVIO NA BAÍA
DE PARANAGUÁ (NAVIO ‘VICUNA’). VAZAMENTO DE METANOL E
ÓLEOS COMBUSTÍVEIS. OCORRÊNCIA DE GRAVES DANOS AMBIEN-
TAIS. AUTUAÇÃO PELO INSTITUTO AMBIENTAL DO PARANÁ (IAP)
DA EMPRESA QUE IMPORTOU O PRODUTO ‘METANOL’. ART. 535 DO
CPC. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AU-
SÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. QUESTÃO RE-
LEVANTE PARA A SOLUÇÃO DA LIDE. [...] 3. Cabe esclarecer que, no
Direito brasileiro e de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, a responsabilidade civil pelo dano ambiental, qualquer que seja a
qualificação jurídica do degradador, público ou privado, proprietário ou
administrador da área degradada, é de natureza objetiva, solidária e ilimi-
tada, sendo regida pelos princípios do poluidor-pagador, da reparação in
integrum, da prioridade da reparação in natura e do favor debilis. 4. Todavia,
os presentes autos tratam de questão diversa, a saber a natureza da respon-
sabilidade administrativa ambiental, bem como a demonstração de existên-
cia ou não de culpa, já que a controvérsia é referente ao cabimento ou não
de multa administrativa. 5. Sendo assim, o STJ possui jurisprudência no
113
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
responsabilidade administrativa ambiental é eminentemente subjetiva
e pessoal.
No ponto, fazemos coro à opinião manifestada por Talden Farias,
para quem, a partir da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
em breve restará consolidado entendimento no sentido de que a res-
ponsabilidade administrativa ambiental é subjetiva16.
4. Inexistência de solidariedade em matéria de res-
ponsabilidade administrativa ambiental no ge-
renciamento de áreas contaminadas
Não obstante a imputação de responsabilidade administrativa
dependa da configuração de nexo causal e da previsão e do cometimen-
sentido de que, ‘tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental,
o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano
ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada
pelo transportador’ (AgRg no AREsp 62.584/RJ, rel. Min. Sérgio Kukina,
rel. p/ acórdão Ministra Regina Helena Costa, 1ª Turma, DJe 7-10-2015). 6.
‘Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à ló-
gica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos
causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou
seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demons-
tração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre
a conduta e o dano’” (REsp 1.251.697/PR, rel. Min. Mauro Campbell Mar-
ques, 2ª Turma, DJe 17-4-2012). [...] 9. Recurso Especial provido” (STJ, 2ª
Turma, REsp 1401500/PR, rel. Min. Herman Benjamin, DJe 13-9-2016).
16 A esse respeito, confira-se: “Destarte, a modalidade de responsabilização
ampla e quase irrestrita nessa matéria é e sempre foi a civil apenas. Isso
também exigirá dos órgãos ambientais um maior cuidado nos momentos
de apurar a infração e de motivar a multa administrativa simples, sem pre-
juízo da aplicação de outras sanções como advertência, embargo ou sus-
pensão. Em vista disso, a tendência é mesmo que em alguns anos se conso-
lide, no âmbito da Justiça comum e da Justiça Federal, a uniformização do
entendimento de que a apuração da responsabilidade administrativa no
caso da multa ambiental se dá pela modalidade subjetiva” (FARIAS, Tal-
den. A responsabilidade subjetiva na multa administrativa ambiental simples e o
STJ. Disponível em: .com.br/2018-abr-01/ambiente-
juridico-responsabilidade-subjetiva-multa-ambiental-simples>. Acesso em:
25 jun. 2018).
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas114
to de um comportamento infracional próprio, a CETESB, extrapolando
o caráter pessoal das sanções administrativas e adotando em parte a
teoria do risco integral, tem imputado responsabilidade administrativa
pela contaminação ambiental àquele que não causou a contaminação
do imóvel, com a finalidade única de exigir a adoção de medidas volta-
das ao gerenciamento de áreas contaminadas, emprestando à responsa-
bilidade administrativa ambiental o viés de obrigação propter rem.
Tal entendimento se dá a partir de interpretação – em nosso sen-
tir, equivocada – do art. 13 da Lei Estadual n. 13.577/200917, do art. 18
do Decreto n. 59.263/201318 e do art. 93 do Decreto Estadual n.
59.263/201319, chegando a CETESB a afirmar, em sua Instrução Técnica
CETESB 039/2017, em seu item 1.2 do Anexo 3, que “embora se reco-
nheça que a responsabilidade seja solidária, para a definição do Res-
ponsável Legal a ser autuado é recomendado que a Autoridade Au-
tuante observe a seguinte sequência, para a aplicação das penalidades
e a formulação das exigências técnicas”: (i) o causador da contamina-
ção e seus sucessores; (ii) quem dela se beneficiar direta ou indireta-
mente; (iii) o proprietário da área; (iv) o superficiário; e (iv) o detentor
da posse efetiva. Em vista disso importa referir o que segue.
Não se ignora que, nos termos do art. 13 da Lei Estadual n.
13.577/2009, a lei afirma que “são considerados responsáveis legais e
solidários pela prevenção, identificação e remediação de uma área con-
17 “Art. 13. São considerados responsáveis legais e solidários pela prevenção,
identificação e remediação de uma área contaminada: I – o causador da
contaminação e seus sucessores; II – o proprietário da área; III – o superfi-
ciário; IV – o detentor da posse efetiva; V – quem dela se beneficiar direta
ou indiretamente. Parágrafo único. Poderá ser desconsiderada a pessoa ju-
rídica quando sua personalidade for obstáculo para a identificação e a re-
mediação da área contaminada.”
18 “Art. 18. São considerados responsáveis legais e solidários pela prevenção,
identificação e remediação de uma área contaminada: I – o causador da
contaminação e seus sucessores; II – o proprietário da área; III – o superfi-
ciário; IV – o detentor da posse efetiva; V – quem dela se beneficiar direta
ou indiretamente.”
19 “Art. 93. Responderá pela infração quem por qualquer modo a cometer,
concorrer para sua prática ou dela se beneficiar.”
115
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
taminada: [...]”. Contudo, é preciso rechaçar toda e qualquer pretensão
que tenha por finalidade sustentar a possibilidade de imputação de
sanção administrativa pela simples aquisição de imóvel contaminado,
com base na existência de suposta regra de “solidariedade”.
Com efeito, a noção de solidariedade está atrelada à responsabi-
lidade civil ambiental, cuja disciplina jurídica estabelece, para a sua
configuração, além da prescindibilidade da culpa, o principal elemento
caracterizador da responsabilidade objetiva, (i) a irrelevância da licitu-
de da atividade que desencadeou o dano; (ii) a irrelevância da presença
das típicas excludentes de responsabilidade; e (iii) a incidência das re-
gras de solidariedade, em atenção ao disposto na segunda parte do art.
942 do Código Civil20. Por certo, nesses casos, já se reconheceu a possi-
bilidade de equiparação daquele que, embora não tenha tido papel de
indutor da ação que causou degradação do meio ambiente, relaciona-se
indiretamente com o episódio, ao seu real poluidor (art. 3°, IV, da Lei
Federal n. 6.938/81)21.
20 “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de
outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e se a ofensa tiver mais de
um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.” (grifos nossos).
21 Confira-se, no ponto, a precisa nota de Édis Milaré: “Aqui, para a correta
interpretação do comando legal (art. 3º, IV, da Lei n. 6.938/1981), é preciso
bem refletir sobre a extensão do conceito de poluidor indireto, em ordem a se
poder aferir quais dos indiretamente relacionados à determinada atividade
poluidora podem ser considerados causadores do dano. À indagação, res-
ponde Tiago Cardoso Vaitekunas Zapater: ‘o fundamento da responsabili-
dade independente de culpa é o dever de segurança ambiental que a ativida-
de potencialmente poluidora, por força do risco que gera, é obrigada a
observar’. A extensão do conceito do poluidor indireto ‘deve considerar a
possibilidade ou não de se atribuir tal dever de segurança a essas ativida-
des mais remotas’. E continua: ‘o poluidor indireto será considerado causa-
dor do dano apenas na medida em que se possa vislumbrar um dever de se-
gurança que vincule a sua atividade à atividade daquele terceiro que
diretamente causou o dano e que esse dever foi violado [...]. O poluidor
indireto, ao menos em tese, poderia desempenhar um papel relevante na
prevenção do dano, podendo ingerir e fiscalizar a atividade do terceiro’.
Exemplificando o que diz o autor, tome-se o caso de contaminação oriunda
de posto de revenda de combustível, explorado por locatário da área onde
situada a atividade. Induvidosa a responsabilidade indireta do proprietário
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas116
No caso em comento, o já citado art. 13 da Lei Estadual n.
13.577/200922 dispõe que o proprietário, superficiário, detentor ou be-
neficiário, direto ou indireto, de uma área contaminada deverá respon-
der pela sua remediação, independentemente de ter contribuído para a
contaminação, ou seja, independentemente de ser o responsável pelo
dano. Trata-se, portanto, da fixação em lei de típica obrigação propter
rem, sendo que o conteúdo da prestação que essa obrigação impõe ao
proprietário (remediação do imóvel) está definido pela legislação e re-
gulamento pertinentes às áreas contaminadas23.
(pois que, se o imóvel sobre o qual detinha o poder de fiscalização lhe apro-
veita economicamente, há que suportar, em razão da disponibilização de
seu patrimônio a terceiro, os danos nele verificados) e a direta do locatário
(de cujo obrar resultou a danosidade ambiental). Daí que, ausente tal ‘dever
de segurança’ – a ser identificado em cada caso concreto ou, por vezes, ex-
presso em texto de lei –, a responsabilidade do poluidor indireto, em verda-
de, deriva da obrigação constitucional geral de proteção do meio ambiente
e será de natureza subsidiária, como devedor reserva, a ser chamado para a
satisfação da obrigação apenas quando o causador direto do dano não pos-
sa fazê-lo, e na proporção com que tenha para o mesmo contribuído” (ob.
cit., p. 457-458).
22 Art. 13. São considerados responsáveis legais e solidários pela prevenção,
identificação e remediação de uma área contaminada: Io causador da
contaminação e seus sucessores; IIo proprietário da área; IIIo superfi-
ciário; IV – o detentor da posse efetiva; Vquem dela se beneficiar direta
ou indiretamente. Parágrafo único. Poderá ser desconsiderada a pessoa ju-
rídica quando sua personalidade for obstáculo para a identificação e a re-
mediação da área contaminada.”
23 “As obrigações propter rem independem da ocorrência de dano e têm como
fundamento de exigibilidade a lei ou, em determinados casos, acordos de
vontade. Basta, portanto, que contem com previsão normativa para que
sejam impostas e exigidas. [...] a obrigação propter rem não se mostra neces-
sariamente como de cunho reparatório, nem tampouco relaciona-se com a
existência ou não de danos. Sua origem vincula-se à conservação da coisa,
em conformidade com o que resta determinado nas normas que integram o
ordenamento jurídico e, eventualmente, em convenções existentes. [...] Em
uma palavra, os institutos não se confundem. A obrigação propter rem deri-
va de um direito real estabelecido sobre determinado bem e a responsabili-
dade civil ambiental, da qual decorre o dever de reparar ou indenizar, tem
origem na ocorrência de um dano e na constatação do nexo de causalidade
entre a atividade desenvolvida por alguém, de forma direta ou indireta, e o
dano em questão.
117
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
Entre nós, discordamos desse entendimento porque, conforme se
colhe da doutrina,
as obrigações propter rem estão atreladas aos direitos reais e têm a fi-
nalidade de conservar a coisa sempre na busca pelo cumprimento de
sua função socioambiental. Desse modo, algumas vezes, podem estar
relacionadas à regularização ambiental de passivo ambiental, mas em
nada se relacionam com o dever de reparação ou indenização por da-
nos ambientais, afetos à responsabilidade civil24.
É sabido que a responsabilidade administrativa por infração am-
biental decorre da constatação de uma conduta contrária ao ordena-
mento jurídico, vale dizer, (i) o comportamento, omissivo ou comissi-
vo, contrário a normas constitucionais, legais ou regulamentares, e (ii)
a subsunção do ato ou fato a um tipo previsto em lei. Se não há condu-
ta contrária à legislação posta, não se pode falar em infração adminis-
trativa. De fato, grosso modo, pode-se afirmar que a responsabilidade
administrativa em matéria ambiental é subjetiva25, visto que depende
da comprovação da culpabilidade do agente infrator para a imposição
de sanção.
Depreende-se, assim, que a responsabilidade civil ambiental não “adere” a
um bem, sob pena de se afrontarem por completo os fundamentos do insti-
tuto, afastando-o de um de seus requisitos essenciais, qual seja o nexo de
causalidade” (MILARÉ, Édis; MORAIS, Roberta Jardim de; DIAS, Maria
Camila Cozzi Pires de Oliveira. In: Revista do Advogado – Ano XXXVII, n.
134, julho de 2017, p. 34).
24 MILARÉ, Édis; MORAIS, Roberta Jardim de; DIAS, Maria Camila Cozzi
Pires de Oliveira. In: Revista do Advogado – Ano XXXVII, n. 134, julho de
2017, p. 37.
25 “Então, pondo em sinergia esses ensinamentos, pode-se concluir que a res-
ponsabilidade por infrações administrativas no direito ambiental é, induvi-
dosamente, subjetiva. O receio de que tal postura venha a ser fatal à prote-
ção do meio ambiente é plenamente conjurado pela adoção da teoria da
culpa presumida, que, como exposto, torna mais cômoda e efetiva a ativi-
dade estatal sancionatória, já que se carrega ao ombro do suposto infrator
todo o fardo probatório de sua inocência” (MILARÉ, Édis. Direito do ambien-
te. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 348).
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas118
Em termos genéricos, dando sequência ao que já se expôs acima
sobre o tema, tem-se que a contaminação do solo e das águas subterrâ-
neas configura poluição e, bem assim, constitui infração ambiental, nos
termos do art. 61 do Decreto Federal n. 6.514, de 22-7-2008, in verbis:
Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que re-
sultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provo-
quem a mortandade de animais ou a destruição significativa da bio-
diversidade:
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta
milhões de reais).
Parágrafo único. As multas e demais penalidades de que trata o caput
serão aplicadas após laudo técnico elaborado pelo órgão ambiental
competente, identificando a dimensão do dano decorrente da infra-
ção e em conformidade com a gradação do impacto.
Dito isso, é evidente que o art. 13 da Lei Estadual n. 13.577/2009,
ao tratar dos sujeitos responsáveis pelo gerenciamento de áreas con-
taminadas, está criando regra de responsabilidade administrativa
para o poluidor direto (inciso I) e indireto (incisos II, III, IV e V). Tal
previsão, todavia, não cria regra de “solidariedade”, tal como constou
do caput do art. 13 da Lei Estadual n. 13.577/2009, mas sim de corres-
ponsabilidade.
Por certo, afora competir exclusivamente à União a edição de
normas afetas à responsabilidade civil (art. 22, I, da CF) – donde se im-
põe ser ilegítimo afirmar que a Lei Estadual n. 13.577/2009 teria inova-
do para criar regra de responsabilidade administrativa solidária, em
linha com o estabelecido a que se refere o art. 942, caput, do Código
Civil26, mas apenas e tão somente a criação de regra atinente à respon-
26 Nesses casos, em que se fala de “concausas”, bem disserta Tiago Cardoso
Zapater: “considera-se causador do dano ambiental todo aquele cuja ativi-
dade tenha, em qualquer medida, ainda que em concorrência com outras,
simultâneas ou já passadas, contribuído para causar ou reforçar o dano”
(Responsabilidade civil do poluidor indireto e do cocausador do dano am-
119
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
sabilidade administrativa, que autorizaria, quando muito, a imputação
de sanção a título de coautoria para os corresponsáveis e não em cará-
ter solidário – é certo que a imputação de sanção com base na teoria da
responsabilidade administrativa ambiental depende, inexoravelmente,
da configuração da prática de um ilícito para qual o ordenamento jurí-
dico tenha previsto sanção.
Assim, em vista da natureza jurídica da responsabilidade admi-
nistrativa ambiental, subjetiva e informada pela teoria da culpa presu-
mida, entende-se que o proprietário, o superficiário, o detentor da pos-
se ou aquele que se beneficia direta ou indiretamente de imóvel com
passivo ambiental não poderá vir a ser responsabilizado administrati-
vamente pela contaminação identificada, por não ter dado causa a um
comportamento violador das regras de proteção ambiental.
Contudo, uma vez proprietário do imóvel, ele terá a obrigação
de remediar o passivo ambiental existente, na forma do procedimento
estabelecido em regulamento, sendo que, pelo eventual descumpri-
mento das obrigações estabelecidas no curso do processo de gerencia-
mento de áreas contaminadas, poderá vir a lhe ser imputada eventual
sanção administrativa27.
Noutras palavras, ao tomar conhecimento da existência de passi-
vo proveniente de contaminação ambiental, assumindo a responsabili-
dade pela condução de processo de gerenciamento da contaminação
identificada no imóvel em questão, o descumprimento das exigências
previstas em regulamento o sujeitará à imposição de sanções adminis-
biental. In: ROSSI, Fernando F. et al. (coord.). Aspectos controvertidos do direi-
to ambiental: tutela material e tutela processual. Belo Horizonte: Fórum,
2013. p. 363).
27 Vide, a título de exemplo, a previsão contida no Decreto Federal n.
6.514/2008:
“Art. 80. Deixar de atender a exigências legais ou regulamentares quando
devidamente notificado pela autoridade ambiental competente no prazo
concedido, visando à regularização, correção ou adoção de medidas de
controle para cessar a degradação ambiental:
Multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).”
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas120
trativas de diversas ordens, a teor do que se infere do regramento e in-
dicado na Instrução Técnica CETESB 039/2017. Mesmo porque, como
proprietário do imóvel, deverá propiciar o seu saneamento, inclusive
por força do que estabelece o princípio da função socioambiental da
propriedade (art. 5°, XXIII, c/c art. 170, II, e art. 182, § 2°, da CF; e art.
3°, parágrafo único, II, da Lei Federal n. 6.766/79).
Aliás, o fundamento legal para a imputação de sanção nos casos
supra decorre da previsão contida no art. 41 da Lei Estadual n.
13.577/2009, segundo o qual “toda ação ou omissão contrária às dispo-
sições desta lei e seu regulamento será considerada infração adminis-
trativa ambiental classificada em leve, grave ou gravíssima”.
Em suma, o cerne do regime da responsabilidade administrativa é a
ocorrência de uma conduta infracional, vale repetir, (i) o comportamento,
omissivo ou comissivo, contrário a normas constitucionais, legais ou
regulamentares ou (ii) a subsunção do ato ou fato a um tipo previsto
em lei. Se não há um comportamento contrário à legislação posta, não
se pode falar em infração administrativa, sendo descabido falar-se em
solidariedade entre o causador da contaminação e seus sucessores, o
proprietário da área, o superficiário, o detentor da posse ou quem se
beneficia da área contaminada quando estes não forem os causadores
da contaminação identificada.
5. Conclusão
Como se anunciou, o presente artigo buscou apresentar a regu-
lamentação dos processos de gerenciamento de áreas contaminadas tal
qual estabelecida para o Estado de São Paulo e, bem assim, refletir so-
bre o assunto à luz das regras de imputação de responsabilidade admi-
nistrativa ambiental, mormente no que diz respeito à discussão quan-
to à existência de espécie de responsabilidade administrativa ambiental
solidária.
Pelo que se viu da disciplina normativa do gerenciamento de
áreas contaminadas no Estado de São Paulo e em vista da natureza ju-
rídica da responsabilidade administrativa ambiental, tem-se não ser
121
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
possível falar solidariedade em matéria de responsabilidade adminis-
trativa ambiental no gerenciamento de áreas contaminadas, de sorte a
autorizar a imputação de responsabilidade pela causação da contami-
nação a quem não lhe deu causa.
Por força disso é que se entende questionável, sob o ponto de
vista do direito, a previsão do art. 13 da Lei Estadual n. 13.577/2009, do
art. 18 do Decreto n. 59.263/2013, do art. 93 do Decreto Estadual n.
59.263/2013 e do item 1.2 do Anexo 3 da Instrução Técnica CETESB
039/2017, em especial quando esta última estabelece que “embora se
reconheça que a responsabilidade seja solidária, para a definição do
Responsável Legal a ser autuado é recomendado que a Autoridade Au-
tuante observe a seguinte sequência, para a aplicação das penalidades
e a formulação das exigências técnicas: (i) o causador da contaminação
e seus sucessores; (ii) quem dela se beneficiar direta ou indiretamente;
(iii) o proprietário da área; (iv) o superficiário; e (iv) o detentor da posse
efetiva. Em matéria de responsabilidade administrativa ambiental, não
há solidariedade, podendo haver, no caso concretamente considerado,
a hipótese de corresponsabilidade”.
Contudo, considerando que as obrigações ambientais têm natu-
reza propter rem e a propriedade deve cumprir sua função socioambien-
tal, o proprietário de imóvel contaminado tem o dever de proceder à
regularização de passivo ambiental existente na propriedade adquiri-
da, na forma do regramento vigente. Tal circunstância não se lhe impin-
ge a pecha de poluidor, de quem se pode exigir o dever de reparação ou
indenização de danos ambientais.
Ademais, se, no curso do processo de gerenciamento da área
contaminada, o proprietário – que não causou a contaminação – deixar
de atender às exigências previstas em regulamento, ele poderá vir a ser
sancionado pela prática de infração administrativa, que não estará rela-
cionada à causação da contaminação propriamente dita, mas sim ao
eventual inadimplemento das etapas do processo de gerenciamento
propriamente ditas.
Dito isso, conclui-se que o art. 13 da Lei Estadual n. 13.577/2009,
ao tratar dos sujeitos responsáveis pelo gerenciamento de áreas conta-
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas122
minadas, está criando regra de responsabilidade administrativa para o
poluidor direto (inciso I) e indireto (incisos II, III, IV e V). Tal previsão,
todavia, não cria regra de “solidariedade”, mas, sim, quando muito,
cuida da hipótese de imputação de sanção a título de coautoria para os
corresponsáveis e não em caráter solidário, sob pena de afronta às re-
gras que informam a responsabilidade administrativa ambiental.
6. Referências
COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO – CETESB.
Áreas Contaminadas. Disponível em: .br/
areas-contaminadas/wp-content/uploads/sites/17/2018/01/
Totaliza%C3%A7%C3%A3o-por-Departamento.pdf>.
______. Instrução Técnica CETESB 39/2017. Disponível em:
cetesb.sp.gov.br/areas-contaminadas/wp-content/uploads/
sites/17/2017/12/IT39_2017_Vers%C3%A3o-Final_05dez17-
PE.pdf>.
FARIAS, Talden. A responsabilidade subjetiva na multa administrativa
ambiental simples e o STJ. Disponível em: -
jur.com.br/2018-abr-01/ambiente-juridico-responsabilidade-
-subjetiva-multa-ambiental-simples>.
FRANCO, Rita Maria Borges; RODRIGUES, João Roberto. Problemáti-
ca das áreas contaminadas identificadas em instalações portuá-
rias. In: MILARÉ, Édis; MORAIS, Roberta Jardim de; ARTIGAS,
Priscila Santos; ALMEIDA, André Luís Coentro de. Infraestrutura
no direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito adminis-
trativo sancionador: as sanções administrativas à luz da Constitui-
ção Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 2007.
MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2018.
MILARÉ, Édis; MORAIS, Roberta Jardim de; DIAS, Maria Camila Coz-
zi Pires de Oliveira. Revista do Advogado, ano XXXVII, n. 134, jul.
2017.
123
Considerações sobre a Responsabilidade Administrativa
Ambiental por Área Contaminada à Luz do Regramento Paulista
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
ZAPATER, Tiago Cardozo Vaitekunas. Responsabilidade civil do po-
luidor indireto e do cocausador do dano ambiental. In: ROSSI,
Fernando F. et al. (coord.). Aspectos controvertidos do direito ambien-
tal: tutela material e tutela processual. Belo Horizonte: Fórum,
2013, p. 363.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT