(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens

AutorPedro Campany Ferraz
Ocupação do AutorBacharel e Mestre em Direito pela UERJ
Páginas125-154
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise
Crítica da Lei Mineira sobre Barragens
Pedro Campany Ferraz1
1. Introdução
O ano de 2019 começou marcado por um dos maiores desastres
da mineração no mundo, com o rompimento das barragens do comple-
xo minerário do Córrego do Feijão, localizado na cidade de Brumadi-
nho, no Estado de Minas Gerais, no dia 25 de janeiro. Os efeitos desas-
trosos de mais um acidente com barragens de mineração, após casos
como o da Samarco, Mirai, Rio Verde e Cataguazes, levaram o legisla-
dor mineiro a pôr no cenário normativo o Projeto de Lei n. 3.676/2016,
conhecido como “Mar de Lama Nunca Mais”.
Esse Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade na Assem-
bleia Legislativa de Minas Gerais e sancionado sem vetos no dia 25 de
fevereiro de 2019. O presente texto visa avaliar a constitucionalidade
dessa Lei Estadual com base em precedentes das cortes superiores bra-
sileiras e a teoria constitucional e uma análise crítica dos artigos.
1 Bacharel e Mestre em Direito pela UERJ. Professor de Direito Ambiental
Minerário da PUC-MG. Advogado em São Paulo. Autor do canal do Youtu-
be “5 minutos de Direito Ambiental”.
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2. Contextohistórico
O ano de 2019 será marcado como um ano dramático para a mi-
neração brasileira, com um acidente de barragens que ceifou mais de
250 vidas, na grande maioria, de trabalhadores da mineração que esta-
vam almoçando na hora do acidente na Mina Córrego do Feijão no mu-
nicípio de Brumadinho, Minas Gerais. Se esse acidente fosse o primeiro
de larga escala com barragens no Brasil, já seria um fato claro para uma
revisão dos parâmetros técnicos de segurança de barragens por parte
das autoridades competentes, só que não é o caso.
Esse episódio foi o terceiro grande acidente com barragem de
mineração num prazo de quatro anos, sendo sucessor de desastres
como o da Mineração Herculano, em setembro de 2014, e da Samarco,
em novembro de 2015. Em termos de perda de vidas humanas, o aci-
dente já é um dos piores acidentes de barragens de mineração2 no
mundo.
De modo que não poderia mais o legislador e as autoridades fis-
calizadoras competentes se manterem inertes a esses fatos, sem uma
tomada de mudança dos regulamentos vigentes, uma vez que em ne-
nhum desses acidentes as medidas de prevenção e resgate de pessoas
foram devidamente acionadas, agravando o cenário da tragédia.
Assim, a Assembleia Legislativa mineira reativou a tramitação
do Projeto de Lei conhecido como “Mar de Lama Nunca Mais”, de ini-
ciativa popular, capitaneado pelo Ministério Público de Minas Gerais3,
tramitando e aprovando-o em menos de 30 dias a contar do acidente de
Brumadinho, fato esse que já demonstra que o ímpeto legislativo se
2 Para maiores detalhes dos piores acidentes de barragens de mineração, su-
gerimos a reportagem do seguinte site: https://super.abril.com.br/cien-
cia/acidentes-com-barragens-sao-um-problema-mundial-e-recorrente-
-que-esta-piorando/ e sobre o acidente da Vale: .bbc.com/
portuguese/brasil-47034499>. Acesso em: 17 maio 2019.
3 Disponível em:
-de-lama-nunca-mais-por-que-a-importancia-de-aprimorar-a-legislacao.
htm>. Acesso em: 17 maio 2019.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 127
primou pela celeridade em detrimento dos devidos debates sociais
para aprimoramento de matéria tão complexa4.
A Lei n. 23.291, de 25 de fevereiro de 20195, traz uma série de
medidas de controle, exigências de garantias e vedações de atividades
que analisaremos criteriosamente no item abaixo.
3. Competência para legislar sobre mineração e
meio ambiente
A Constituição Federal definiu dois tipos de competência legisla-
tiva para tratar das questões de mineração e de meio ambiente: a priva-
tiva (art. 22) e a concorrente (art. 24).
A mineração é uma competência privativa da União para legislar
nos termos do art. 22, XII, ao determinar a competência para legislar
sobre “XII – jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia”.
Já a competência legislativa concorrente se aplica para questões
atinentes ao meio ambiente que estão amplamente distribuídas no art.
24 da Constituição, nos incisos VI, VII e VIII.
Cabe destacar que, apesar de alguns posicionamentos divergen-
tes, o STF já se pronunciou sobre conflitos de competência legislativa
entre Estados e a União, quando, ao julgar a ADI 2.030/SC, o rel. Min.
Gilmar Mendes, j. em 9-8-2017 (ADI-2.030), deliberou:
No mérito, o Plenário entendeu que as questões atinentes a direito
marítimo não constituem o objeto principal do art. 4º da Lei n.
11.078/99, do Estado de Santa Catarina. A tutela ao meio ambiente é
4 Sobre os efeitos da mineração na economia mineira, sugiro a leitura de In-
formações sobre a Economia Mineral do Estado de Minas Gerais em
. Acesso em:
17 maio 2019.
5 A íntegra dessa lei está publicada no Minas Gerais Diário do Executivo, de
26-2-2019, p. 1. Disponível em:
dle/123456789/214804>. Acesso em: 17 maio 2019.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas128
o seu principal escopo. Na mesma linha, afirmou que não se trata, no
art. 8º desse diploma estadual, de legislação sobre responsabilidade
civil. O caso é de responsabilidade do agente causador por dano ao
meio ambiente, nos limites do disposto no art. 24, VIII (4), da CF. É,
portanto, matéria de competência legislativa concorrente6.
Dentro de nossa ordem constitucional, e em quais pontos a legis-
lação invadiu a seara primitiva da União, por tratar questões relativas
à mineração.
4. (In)constitucionalidades da lei
A Lei Estadual de Minas Gerais n. 23.291, de 25 de fevereiro de
2019, institui a política estadual de segurança de barragens, trazendo
uma série de dispositivos normativos que avaliaremos por artigos.
Primeiramente, o art. 1º7 traz o cuidado de essa política estadual
de segurança de barragens ser articulada com a Política Nacional de
Segurança de Barragens (PNSB) (Lei Federal n. 12.334/2010), e com as
Políticas Nacional (Lei Federal n. 6.938/81, PNMA) e Estadual de Meio
Ambiente (Lei Estadual n. 7.772/80) e de Proteção e Defesa Civil (Lei
Federal n. 12.608/2012 e Lei Estadual n. 15.660/2005)
Cabe aqui destacar as seguintes questões: (i) o constituinte não
define o que seria articular políticas, sendo essa matéria uma questão
de competência do Poder Executivo em suas atribuições e na busca de
eficiência de seus atos; (ii) não havia sido publicada na data da promul-
gação dessa Lei nem a política estadual de meio ambiente nem a políti-
ca estadual de proteção e defesa civil, havendo apenas normas federais
6 STF, Informativo Brasília, 7 a 11 de agosto de 2017, n. 872.
7 “Art. 1º Fica instituída a política estadual de segurança de barragens, a ser
implementada de forma articulada com a Política Nacional de Segurança
de Barragens – PNSB, estabelecida pela Lei Federal n. 12.334, de 20 de se-
tembro de 2010, e com as Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente e
de Proteção e Defesa Civil.”
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sobre essas matérias; e (iii) apesar de ter como objeto essa harmonia
entre documentos legislativos, que aqui chamaram de articulação, o
próprio artigo em seu parágrafo único já definiu como barragens sujei-
tas a essa Lei uma série de instalações que não correspondem ao concei-
to de barragens no âmbito federal.
De modo que fica aqui a primeira questão: poderia o legislador
estadual definir novos critérios para conceituação de barragens de mi-
neração que ampliam o rol de estruturas que são alvo de fiscalização
por parte das autoridades minerárias federais?
Com base na atual orientação do Supremo, esse tipo de amplia-
ção normativa estaria dentro da competência legislativa concorrente,
por se tratar de matéria de “proteção do meio ambiente e controle da
poluição”, mas que possui sua aplicabilidade restrita aos órgãos da ad-
ministração estadual para esse tipo de fiscalização, não podendo o Es-
tado criar novas obrigações para entidades da União.
Já no artigo segundo, há a definição de dois tipos de princípios,
que seriam os da prevalência da norma mais protetiva e prioridade
para as ações de prevenção, fiscalização e monitoramento.
Quanto ao primeiro princípio, sobre a norma mais restritiva, não
existe na legislação ambiental brasileira um conceito sobre o que signi-
fica uma norma mais restritiva, pois no sistema legal brasileiro prevale-
ce a norma instituída pela autoridade ambiental competente, que não
se pauta por critérios restritivos de outras autoridades. O próprio con-
ceito de restrição é muito polêmico, pois esse é um adjetivo relativo a
um referencial que não se possui a priori, logo, a sua aplicação é de difí-
cil interpretação e consequente efetivação8. Sobre essa questão, destaco
a doutrina de Humbert:
8 Para maior entendimento sobre esse conceito, sugiro a leitura dos seguintes
artigos: Princípios da “Vedação ao Retrocesso” e “Prevalência da Norma
Mais Restritiva”: mais dois mitos do direito ambiental de HUMBERT, Geor-
ges. Disponível em:
cao-ao-retrocesso-e-prevalencia-da-norma-mais-restritiva-mais-dois-mi-
tos-do-direito-ambiental/>. Acesso em: 17 maio 2019.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas130
O quarto e último mito a ser assinalado neste ensaio é o de que, em
caso de normas de direito ambiental que tratem do mesmo tema, pre-
valece o mais protetivo. Sobre este, já cuidaram com peculiar precisão
e acerto os professores Eduardo Bim e Talden Farias. Explicitam, com
acerto, os citados juristas: uma das questões mais frequentes é a da
exegese que garanta a melhor proteção ao meio ambiente quando se
trata de legislação concorrente. E isso é particularmente preocupante
porque, ao se buscar a melhor proteção do meio ambiente, pode-se
esquecer que há legislação própria e especial, seja ou não sobre maté-
ria ambiental, mas elaborada no espaço deixado pela legislação am-
biental como norma geral, que permite tal atividade. Em diversos
casos sobre OGMs, isso ficou articularmente claro. A competência
concorrente deve respeitar a licitude da atividade e não criar um am-
biente de caos, no qual a desigualdade impere sem razão. Havendo
concorrência entre os tipos de legislação, a específica deve prevalecer,
e não por que se falar em melhor proteção ambiental. Isso fica ainda
mais evidente quando se trata da intersecção da legislação privativa
da União com a concorrente dos demais entes federativos. O caso
concreto fornecerá a resposta sobre qual legislação prevalecerá ou
eventualmente sobre como harmonizá-las, mas a legislação local ou
estadual não pode pôr em xeque a federal ou a estadual (RIL Brasília
a. 52, n. 208 out./dez. 2015, p. 203-245).
Portanto, ao contrário da doutrina majoritária e da jurisprudência
dominante (confira-se, entre outros, no STJ, o AGRAVO EM RECUR-
SO ESPECIAL N. 77.436/ES (2011/0260395-0), sustentar que a preva-
lência da norma mais protetiva ao bem ambiental no direito brasilei-
ro é, além de mito recorrente, inconstitucional, pois viola a repartição
de competências concorrentes do art. 24 da Constituição e o pacto
federativo, fundamento da república, nos termos dos arts. 1 a 3º da
9 BIM, Eduardo Fortunato. RIL Brasília a. 52, n. 208 out./dez. 2015, p. 203-245,
e KRELL, Andreas Joachim. Subsídios para uma interpretação moderna da
autonomia municipal na área de proteção ambiental. Revista Interesse Públi-
co, v. 3, n. 10, 2001, in HUMBERT, Georges. Seara jurídica. Ano 8, v. 1, n. 14,
jan./dez. 2016.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 131
Já a respeito da priorização de ações de prevenção, fiscalização e
monitoramento, esse tipo de princípio seria adequado se não se con-
fundissem os conceitos de prevenção com a fiscalização e com o moni-
toramento, que é um tipo de medida preventiva de fiscalização. Logo,
ao se impor a prioridade em três tipos de ações que se confundem, o
legislador não deixa claro o comando para o Executivo na definição
dessas prioridades.
O art. 3º define que o “empreendedor é o responsável pela segu-
rança da barragem”, regra essa que já existia na PNSB e que esse artigo
não traz nenhuma novidade no âmbito legal.
Já o art. 4º traz uma questão delicada, pois define como atribui-
ção dos órgãos e entidades do Sistema Estadual de Meio Ambiente e
Recursos Hídricos (SISEMA), sem prejuízo das ações de fiscalização
previstas no âmbito da PNSB, a atribuição quanto ao licenciamento e a
fiscalização ambiental de barragens no Estado.
Cabe aqui destacar que o que deve pautar a competência para o
exercício do licenciamento ambiental, como já é prática desde a Resolu-
ção CONAMA 237/94, é a abrangência dos impactos ordinários do em-
preendimento a serem avaliados no âmbito do licenciamento ambien-
tal, e não o tipo de estrutura que define essa competência. Esse tipo de
fragmentação legislativa só atrapalha o entendimento da funcionalida-
de do sistema de atribuição comum na questão ambiental.
Ocorre que a regra de definição de competências para o exercício
do poder de polícia quanto ao licenciamento ambiental, prevista no art.
23, VI, da Magna Carta, está regulamentada pela Lei Complementar n.
140/2011, que prevê a possibilidade de empreendimentos a serem li-
cenciados pela União ou Municípios, que podem incluir barragens su-
jeitas a essa legislação.
De modo que esse art. 4º possui sua eficácia limitada nos termos
da Lei Complementar n. 140/2011, sob pena de inconstitucionalidade.
O art. 5º dessa Lei trouxe à legalidade o sistema estadual de con-
trole de barragens que era exercido pela FEAM nos termos da Delibe-
ração Normativa COPAM n. 62, de 17-12-2002, que dispõe sobre crité-
rios de classificação de barragens de contenção de rejeitos, de resíduos
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e de reservatório de água em empreendimentos industriais e de mine-
ração no Estado de Minas Gerais, destacando que, dessa vez, há uma
harmonização entre os critérios estaduais e os estabelecidos na PNSB.
A partir do art. 6º até o 13, há uma série de regras para o licencia-
mento ambiental de barragens que aparentam estar dentro dos imites
da competência legislativa concorrente estadual e que são aplicáveis
somente aos licenciamentos em curso junto aos órgãos do SISEMA,
contudo, gostaria de destacar alguns pontos.
Aqui, cabe lembrar que o licenciamento ambiental é “o procedi-
mento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendi-
mentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente
poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação
ambiental”10.
O licenciamento ambiental, nas palavras de Eduardo Bim “[...] é
o processo decisório estatal, decorrente do poder de polícia, exclusivo
do Executivo, no qual se permite que uma atividade ou empreendi-
mento seja realizado”11.
O licenciamento ambiental visa garantir que as medidas eminen-
temente preventivas e de controle adotadas em uma obra, empreendi-
mento ou atividade sejam compatíveis com o desenvolvimento susten-
tável, garantindo, desse modo, a preservação da qualidade ambiental.
Considerando as finalidades desse instrumento da política na-
cional de meio ambiente, o legislador mineiro adotou a premissa de
exigir o pleno licenciamento de todas as estruturas de barragens con-
forme veremos a seguir.
O art. 6º traz uma regra bastante rigorosa na definição de um li-
cenciamento trifásico para “construção, a instalação, o funcionamento,
a ampliação e o alteamento de barragens no Estado”12, numa proposta
11 BIM, Eduardo Fortunato. Licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2014, p. 338.
12 Curiosidade: o § 2º desse mesmo artigo trouxe a inclusão da palavra refor-
ma de barragem para fins de aplicação de normas de saúde e segurança
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 133
em que considera que a exigência de três fases para o licenciamento
ambiental traz uma segurança maior para esses empreendimentos. A
norma é tão rigorosa que impede mesmo a concessão de licenças con-
comitantes, ad referendum e corretivas.
Contudo, o legislador ignorou que nas barragens acidentadas
que levaram à promulgação dessa Lei (Fundão e B1), todas passaram
por licenciamentos trifásicos13, e isso não foi garantia de maior estabili-
dade dessas estruturas.
Não obstante essa premissa equivocada de que um licenciamen-
to trifásico traz uma maior garantia para a segurança de barragens, a
própria legislação criou outro problema ao impedir a concessão de li-
cenciamentos corretivos por parte da administração ambiental.
Se mantida essa regra, levará a casos extremos de se usar a má-
quina pública para avaliar empreendimentos já consolidados no terri-
tório como se projetos novos fossem para fins de concessão de licenças
prévia e de instalação e discussão de viabilidade locacional em áreas já
antropizadas.
Além desses problemas, a mesma legislação criou uma exceção a
essa regra quanto ao licenciamento corretivo no art. 25 quando for o
caso de “barragens desativadas ou com atividades suspensas por de-
terminação de órgão ou entidade competente”.
Destarte, é fundamental esclarecer que essa regra deve ser inter-
pretada de forma sistemática, ou seja, ela não se aplica somente para as
barragens desativadas ou suspensas ao tempo da publicação da Lei,
laboral, fato esse que demonstra o completo casuísmo e falta de sistemati-
zação da norma que traz conceitos que se sobrepõem, como é o caso de re-
forma e funcionamento.
13 Para maiores detalhes sobre o licenciamento da barragem B1 de Brumadi-
nho, leia a nota oficial da SEMAD (http://www.meioambiente.mg.gov.br/
noticias/1/3740-nota-de-esclarecimento-5-brumadinho) e o caso Samarco.
Em 2-1-2006, a CMI do COPAM deferiu o processo 0015/1984/54/2008 de
licença prévia da barragem, e em 11-5-2007, a CMI do COPAM deferiu o
processo 0015/1984/612008 de licença instalação da barragem, e o proces-
so 00015/1984/066/2008 deferiu a licença de operação da Barragem de
Fundão.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas134
mas para qualquer barragem nessa condição em qualquer tempo, pois
não foi especificada pelo legislador essa condição.
Essa excepcionalidade se justifica pela necessidade de tratamen-
to próprio de natureza corretiva para essas estruturas em condições
especiais, tanto desativada quanto suspensa, uma vez que as medidas
corretivas se demonstram como as medidas administrativas mais ade-
quadas para essas situações.
Aqui é interessante discutir as seguintes questões: (i) quando se-
ria o caso de se licenciar uma barragem desativada? (ii) que órgão ou
entidade competente pode suspender as atividades de uma barragem?
(iii) esse licenciamento corretivo se aplica já para fins de operação ou na
fase do licenciamento que essa barragem foi suspensa?
Tentando entender essa exceção a uma regra tão rigorosa, arrisco
a fazer as seguintes interpretações: (i) a barragem desativada deverá
ser licenciada de modo corretivo quando for para retomada de sua ope-
ração ou para sua desativação ou descomissionamento; (ii) a suspensão
de atividades prevista nessa norma deve ser interpretada amplamente,
pois não se especificou o tipo de autoridade competente, de modo que
essa sanção pode derivar tanto no âmbito administrativo para entida-
des em qualquer nível (nacional, estadual ou municipal) como para de-
cisões judiciais que imponham esse tipo de restrição ao empreendi-
mento; e (iii) o licenciamento corretivo se dará para a etapa do
licenciamento em que houve a suspensão da atividade ou para a reto-
mada da operação ou descomissionamento proposto pelo empreende-
dor com fins a atender à legislação.
O § 1º do art. 6º exige uma série de requisitos aos empreendedo-
res e ou empresas que forem desenvolver as atividades de barragens
que passa por redundância legal, como o caso da exigência de registro
no Cadastro Nacional de Atividades Econômicas – CNAE e inscrição
junto ao CREA, que já são requisitos legais para o exercício desse tipo
de atividades, por força de Lei federal. A única novidade dessas exigên-
cias é a necessidade de os contratados ou empreendedores terem “ex-
periência comprovada na construção de obras de infraestrutura, espe-
cificamente na área de barragens industriais e de mineração”, mas não
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 135
especifica o que seria essa experiência e os requisitos para sua compro-
vação, que deverão ser estabelecidos em regulamento.
Quanto ao rito do licenciamento ambiental, o § 2º do art. 7º já
determina que,
antes da análise do pedido de LP (Licença Prévia), o órgão ou a enti-
dade competente do SISEMA promoverá audiências públicas para
discussão do projeto conceitual da barragem, considerando suas di-
versas fases de implantação até a cota final, para as quais serão convi-
dados o empreendedor, os cidadãos afetados direta ou indiretamente
residentes nos municípios situados na área da bacia hidrográfica
onde se situa o empreendimento, os órgãos ou as entidades estaduais
e municipais de proteção e defesa civil, as entidades e associações da
sociedade civil, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, o
Ministério Público Federal e a Assembleia Legislativa do Estado de
Minas Gerais.
Aqui temos a criação de uma nova etapa do licenciamento am-
biental, que é a necessidade de execução de audiências públicas antes
da análise do próprio pedido de licenciamento, o que será um desafio
aos agentes ambientais conseguirem prestar os devidos esclarecimen-
tos sobre o empreendimento em questão e ao próprio empreendedor
para subsidiar a sociedade com as devidas informações mínimas para
uma discussão democrática saudável no processo de licenciamento.
Aqui se cria mais uma etapa de divulgação de dúvidas no lugar do es-
clarecimento e devida comunicação de risco que as barragens exigem.
Notem que esse artigo é mandatório e não há possibilidade de
dispensa ou requisito de pedido por parte da população a partir da
publicação do licenciamento, conforme a CONAMA 09/87, além de ter
uma série de exigências específicas14 em seus parágrafos, o que não dei-
14 Dentre as exigências, destaco a do § 3º, que determina que sejam reservados
espaço e tempo às mulheres, visando a discutir os impactos específicos do
empreendimento em suas vidas. Exigência essa que viola a regra constitu-
cional prevista no inciso I do art. 5º (homens e mulheres são iguais em di-
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas136
xa outra alternativa senão a entender que essas audiências não substi-
tuem as previstas no licenciamento ambiental ordinário, criando mais
uma exigência custosa e de eficiência questionável para com o Poder
Público e o empreendedor, salvo as consequências de mais apresentar
dúvidas do que respostas, uma vez que o empreendimento ainda não
foi nem analisado pela autoridade ambiental licenciadora.
O art. 7º exige um cuidado na análise, pois estabelece uma série
de condições de acordo com a fase do licenciamento e que detalharei a
seguir, mas que aqui compete fazer uma crítica sobre a definição de
critérios e documentos para a concessão de licenciamentos através de
Lei ordinária.
Sendo o licenciamento uma atividade exclusiva do Poder Exe-
cutivo, esse tipo de especificação de critérios para a concessão de li-
cenças ambientais demonstra ser clara interferência do Legislativo em
atividade específica do Executivo, no princípio chamado “reserva da
Administração”.
Ilustrando essa interferência, conforme julgamento pelo Supre-
mo Tribunal Federal da ADI 5501/DF, rel. Min. Marco Aurélio Mello,
Tribunal Pleno, DJ de 19-5-2016, no qual invalidada a Lei n. 13.269/2016,
que discorre sobre a incompatibilidade do ato normativo com os arts.
1º, III, 5º, caput, 6º e 196 da Constituição Federal, que autoriza o uso do
medicamento fosfoetanolamina sintética por pacientes diagnosticados
com neoplasia maligna, a despeito da inexistência de estudos conclusi-
vos no tocante aos efeitos colaterais em seres humanos. Transcrevo o
seguinte trecho do voto do eminente Ministro Relator:
Seria possível, em tese, admitir que o Poder Legislativo alterasse as
leis sobre vigilância sanitária para criar, em caráter genérico e abstra-
reitos e obrigações, nos termos desta Constituição), uma vez que não se
justifica uma segregação por gênero num evento que visa difundir informa-
ções técnicas quanto aos impactos ambientais na comunidade e não nas
vidas individuais das pessoas do sexo feminino. Por essa lógica, podería-
mos questionar a falta de espaços específicos para crianças, idosos, popula-
ções tradicionais e outros grupos sociais não especificados, mas que esta-
riam sujeitos a impactos pelo empreendimento.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 137
to, alguma hipótese excepcional de dispensa de registro, como o fez,
aliás, no art. 8º, § 5º, da Lei n. 9.782/92, que prevê que “a Agência
poderá dispensar de registro os imunobiológicos, inseticidas, medica-
mentos e outros insumos estratégicos quando adquiridos por inter-
médio de organismos multilaterais internacionais, para uso em pro-
gramas de saúde pública pelo Ministério da Saúde e suas entidades
vinculadas”. Porém, não é admissível que o Parlamento se substitua à
agência responsável no exercício da atividade administrativa e execu-
tória, conferindo a uma substância específica, diretamente e em cará-
ter concreto, isenção à realização de análises clínicas e de registro sa-
nitário. E, no presente caso, foi justamente isso que ocorreu com a Lei
n. 13.269/2016. A autorização legal do uso da fosfoetanolamina viola,
portanto, o princípio da separação de Poderes, na seara da reserva de
administração15.
Na seara do licenciamento ambiental, a interferência do Legisla-
tivo em atividade-fim do Poder Executivo também já possui decisões
bastante claras por parte do Judiciário, o qual destacamos trechos de
decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes na Medida Cautelar
na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.077/DF:
Além disso, o tratamento da matéria em sede legislativa viola o prin-
cípio da separação orgânica dos Poderes (art. 2º da CF), uma vez que
o exercício do poder de polícia ambiental é atividade administrativa
de competência do Poder Executivo e, portanto, submetida a reserva
de administração (art. 61, § 1º, II, e, c/c art. 84, II e VI, a, da CF, aplicá-
vel aos Estados Membros em decorrência do princípio da simetria)16.
15 Nessa mesma linha sobre separação de Poderes: ADI 3.075, rel. Min. Gilmar
Mendes, Tribunal Pleno, DJ de 4-11-2014; ADI 3.343, rel. Min. Luiz Fux,
Tribunal Pleno, DJe de 21-11-2011; e ADI 3.169, rel. Min. Marco Aurélio, re-
dator para acórdão Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe 18-2-2015.
16 Nesse sentido, mas específico para atos autorizativos pelo legislativo, o
precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI
1.505, rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJ de 24-11-2004, e, nesse mesmo
sentido, mencione-se a ADI 3.252, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno,
DJe 23-10-2008.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas138
Para a Licença Prévia, o legislador elencou uma série de docu-
mentos de caráter técnico que estão mais relacionados a característi-
cas do empreendimento do que a necessária viabilidade locacional e
ambiental.
Contudo, dentre as exigências, destacamos a apresentação de
“proposta de caução ambiental, estabelecida em regulamento, com o
propósito de garantir a recuperação socioambiental para casos de sinis-
tro e para desativação da barragem”.
Aqui, cabe uma digressão sobre o conceito novo a legislação bra-
sileira que é o termo utilizado como caução: Caução (s. f., do latim cau-
tio), “garantia, real ou pessoal, prestada por alguém a outrem, com o
fim de resguardá-lo de eventual prejuízo por ato de terceiro, que é de-
vedor da obrigação garantida”17.
Ou seja, a expressão “caução” visa trazer uma garantia financei-
ra pelo risco de inadimplemento por terceiro. Há diversas modalidades
de caução financeira como penhor, hipoteca, fiança etc., todavia isso é
uma matéria afeta ao direito civil e financeiro, não sendo possível ao
legislador estadual criar a figura da caução ambiental.
Ademais, não existe na legislação federal o que seria uma caução
ambiental, no máximo a PNMA elenca entre seus instrumentos a figura
do seguro ambiental, devendo este estar regulamentado em sua aplica-
bilidade e situações18.
Por isso, o legislador mineiro, ao criar uma nova modalidade de
caução chamada de caução ambiental, a ser definida por ato infralegal,
está criando uma nova categoria de garantia financeira, exclusiva do
direito civil, e se arvorando de competência privativa da União.
17 OTHON SIDOU, José Maria. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de Le-
tras Jurídicas. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 135.
18 Vale lembrar que Lei Estadual n. 13.577/2009 do Estado de São Paulo deter-
mina a apresentação de garantia bancária ou seguro ambiental a fim de as-
segurar que o Plano de Remediação aprovado seja implantado em sua tota-
lidade e nos prazos estabelecidos, no valor mínimo de 125% (cento e vinte
e cinco por cento) do custo estimado do Plano de Remediação, e não a ex-
pressão “caução ambiental”.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 139
Sobre a possiblidade de entes diversos da União criarem modali-
dades de obrigações ou garantias cíveis diversas das previstas na legis-
lação civilística nacional, destacamos pronunciamentos do STF sobre
esse tipo de questão:
A competência legislativa concorrente em sede de produção e consu-
mo e responsabilidade por dano ao consumidor (art. 24, V e VIII, da
Constituição Federal) não autoriza os Estados-membros e o Distrito
Supremo Tribunal Federal a disciplinarem relações contratuais secu-
ritárias, porquanto compete privativamente à União legislar sobre
Direito Civil (art. 22, I, da Constituição Federal). Precedentes: ADI
4.228, rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 13-8-2018; ADI
3.605, rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 13-9-2017; e
ADI 4.701, rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de 25-8-2014
(ADI 4.704/DF).
Para a Licença de Instalação, a Lei mineira exige uma série de
documentos e requisitos técnicos bem rigorosos e que tornam o proces-
so de licenciamento como um processo de consolidação e redundância
de uma série de outros procedimentos administrativos e seus respecti-
vos documentos, como o manual de operação e Plano de Atendimento
a Emergências, que no caso de barragens de mineração ficam a cargo da
Agência Nacional de Mineração.
A Licença de Operação, segundo o professor FARIAS:
Trata-se de ato administrativo conclusivo pelo qual o órgão licencia-
dor autoriza o início das atividades, depois da verificação do efetivo
cumprimento do que consta nas licenças anteriormente concedidas,
por meio da avaliação dos sistemas de controle e monitoramento am-
biental propostos e considerando as disposições legais e regulamen-
tares aplicáveis ao caso específico19.
19 FARIAS, Talden. Introdução ao direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,
2009, p. 118.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas140
Para Licença de Operação, o legislador dá continuidade à apre-
sentação de mais documentos técnicos relativos à barragem e à “com-
provação da implementação da caução ambiental a que se refere a alí-
nea b do inciso I do caput, com a devida atualização”.
Mais uma vez, teço aqui as críticas quanto à inconstitucionalida-
de da exigência de uma garantia numa modalidade não prevista em
legislação federal e, ademais aqui, se aplicando uma devida atualiza-
ção sem especificar a que título, com que índice e até qual data, se seria
a da concessão da licença ou da publicação desta.
Outra regra importante nesse artigo é a prevista no § 5º, que de-
fine a aprovação prévia do Plano de Atendimento a Emergência (PAE)
antes da concessão da Licença de Operação. Ocorre que o PAE é um
documento previsto na PNSB e que fica a cargo de a autoridade fiscali-
zadora da barragem exigi-lo, quando for necessário, sendo somente
obrigatório quando o potencial de dano associado for alto. Note que a
PNSB determina que cabe à autoridade exigir o PAE e não o aprovar,
fato esse que cria uma situação de vácuo legal sobre quem deverá apro-
var esse documento.
No caso de barragem de mineração, a autoridade que pode exi-
gir o PAE é a Agência Nacional de Mineração (ANM), e não a autorida-
de estadual do SISEMA, como prevê o art. 9º da Lei mineira, assim, só
nos resta interpretar que a regra do § 5º do art. 7º da Lei mineira somen-
te é aplicável para barragens de dano potencial associado como alto ou
em casos em que haja a exigência do PAE pela autoridade fiscalizadora,
e que esse documento deve ser apresentado pelo empreendedor.
Contudo, mesmo sendo aplicável nessas situações, não há auto-
ridade com poder legalmente instituído que possa aprovar esse docu-
mento denominado PAE, nem na PNSB, nem na legislação mineira. A
PNSB, no inciso II do art. 16, determina que cabe ao agente fiscalizador
exigir do empreendedor a anotação de responsabilidade técnica dos
estudos, planos, projetos, construção, fiscalização e demais relatórios
citados nesta Lei, enquanto o art. 17 da PNSB exige que o empreende-
dor elabore o PAE, quando exigido. Logo, a PNSB não exige a aprova-
ção do PAE para nenhuma etapa de operação e controle de barragens.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 141
Corroborando com essa afirmativa, note que o art. 9º citado nes-
se § 5º do art. 7º para o PAE determina que caberá às autoridades anali-
sarem o documento e o divulgarem, mas não há a previsão de aprova-
ção deste pelas autoridades. Logo, essa regra de exigência de aprovação
do PAE é ineficaz, por estar criando exigência da aprovação de um do-
cumento que não possui autoridade legal para sua aprovação.
O § 6º desse artigo determina que na licença de operação deverá
estar expresso o tempo mínimo a ser cumprido entre as ampliações ou
os alteamentos de barragens e os requisitos técnicos necessários para
essas operações. Ocorre que alteamentos podem estar previstos dentro
do prazo de validade da mesma licença ou serem objetos de licencia-
mentos específicos nos casos de ampliações, não fazendo muito sentido
haver a determinação de prazos mínimos num instrumento adminis-
trativo que sempre se preza pelo limite de sua validade como prazo
máximo.
Já os §§ 7º ao 10 estabelecem uma série de regras para o cumpri-
mento das condicionantes sob as ameaças previstas nos §§ 9º e 10, fato
que explicaremos a seguir. Aqui cabe destacar que o § 8º estabeleceu
uma avaliação prévia de requisitos para a concessão de licença com
base no previsto nos incisos I a III do mesmo artigo, vedando que o
cumprimento delas possa ser incluído numa condicionante. Não se de-
termina qual autoridade fará esse juízo, mas, pela dinâmica da legisla-
ção, deverá ser a mesma autoridade que julgará a licença ambiental
respectiva.
Além disso, a legislação determina a suspensão da licença conce-
dida em caso descumprimento de condicionantes, sem especificar qual
a gradação nessas regras e a anulação da licença em caso de qualquer
omissão referente às licenças ou suas respectivas condicionantes.
Aqui cabe uma lembrança sobe a dinamicidade do licenciamento
ambiental e suas condicionantes, nas palavras de BIM, citando o STF:
Mesmo o cumprimento parcial (quase total) das condicionantes não é
motivo para se suspender uma licença ambiental, se o órgão ambien-
tal licenciador aduz que o gerenciamento dos impactos não foi preju-
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas142
dicado. Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal encampou tal
tese ao preceituar, no voto do ministro Menezes Direito, que o Iba-
ma: “apresentou parecer técnico deixando claro que praticamente
todas as condicionantes específicas mencionadas na licença prévia
foram cumpridas. Poucas não foram totalmente atendidas [...], o
que viabilizaria a concessão, agora, da licença de instalação. [...] Ob-
servo que, realmente, das 31 condicionantes mencionadas no pare-
cer, apenas seis foram parcialmente cumpridas, tendo as demais
sido cumpridas na integralidade, o que seria suficiente para passar
à fase seguinte do projeto”20.
As condicionantes podem ser até mesmo deslocadas da fase inicial-
mente imaginada, quando isso estiver estabelecido na licença, desde
que não seja inviabilizado o gerenciamento dos impactos. Como des-
tacou a ministra Cármen Lúcia, o procedimento de licenciamento, por
ser dinâmico, é controlável21.
Aqui cabe lembrar que suspensão de licença ambiental é uma
forma de sanção administrativa prevista no inciso IX do art. 16 da Lei
Estadual n. 7.772/80 e regulamentada pelos arts. 56, IX, e 76 do Decreto
Estadual n. 44.844/2008, e que somente se aplica nos casos em que o
infrator estiver exercendo atividade sem a licença ou a autorização am-
biental competente, e poderá ser aplicada nos casos de segunda reinci-
dência em infração punida com multa.
De modo que o legislador, ao determinar que a licença poderá ser
suspensa apenas pelo descumprimento de condicionante, trouxe nova
condição não prevista no regulamento vigente e que somente poderá ser
aplicada após o regular trânsito do processo administrativo ambiental
sancionatório, sendo assegurados o contraditório e a ampla defesa.
A mesma crítica vale para a nulidade da licença, que nem ato
sancionatório é, sendo uma medida de tutela exclusiva do Poder Exe-
20 STF, Pleno, m.v., ACO 876 MC-AgR/BA, rel. Min. Menezes Direito, j. em
19-12-2007, DJe 31-7-2008, RTJ 205/02/562
21 BIM, Eduardo Fortunato. Revista Consultor Jurídico, 18 de novembro de
2015.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 143
cutivo no exercício do seu poder de autotutela de seus atos quando
identificados vícios na execução dele.
A própria anulação da licença deve ser analisada com o disposto
quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra
de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais,
não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em
função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.
Do modo como está disposto no § 10 desse artigo, somente as
omissões que acarretem grave vício na motivação farão necessidade de
adequação para invalidação de ato, sem prejuízo da avaliação de pos-
síveis alternativas para convalidação do ato, devendo ser assegurado
ao agente afetado por esse ato a manifestação e o exercício de ampla
defesa antes da invalidação da licença.
A regra do § 11 impede que modifiquem a geometria da barra-
gem licenciada, salvo se a alteração for objeto de novo procedimento de
licenciamento ambiental, mas que fica uma questão, se a alteração da
geometria for demandada pela própria autoridade ambiental ou se a
alteração for para reduzir impactos ambientais do empreendimento,
ainda assim deverá ser feito um novo licenciamento ambiental?
Considerando a finalidade do licenciamento ambiental, a exi-
gência desse novo procedimento somente ocorre nos casos em que a
geometria modificada tiver um impacto ambiental maior que o do
projeto originário e que derive do próprio empreendedor e não da
autoridade ambiental.
O § 12 traz uma exigência de avaliação de sinergia de empreen-
dimentos na situação de haver mais de uma barragem na área de in-
fluência de uma mesma mancha de inundação, determinação essa que
já era uma exigência de outras autoridades reguladoras como o caso da
ANM ou da ANEEL, só fazendo sentido isso constar no licenciamento
ambiental de barragens em que a autoridade fiscalizadora, nos termos
da PNSB, seja a autoridade ambiental licenciadora.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas144
O art. 8º traz a exigência de novos estudos no EIA/RIMA do
barramento no qual destacamos as seguintes novidades: (i) a compro-
vação da inexistência de melhor técnica disponível e alternativa loca-
cional com menor potencial de risco ou dano ambiental (cumulado
com o § 2º desse artigo); (ii) o estudo dos efeitos cumulativos e sinérgi-
cos e a identificação pormenorizada dos impactos ao patrimônio cul-
tural, material e imaterial.
Quanto ao item (i), a exigência de inexistência de alternativa téc-
nica é uma condição de difícil avaliação, pois o licenciamento ambien-
tal não possui apenas a análise da melhor técnica para a definição do
ato autorizativo, mas também da adequação e da necessidade de análi-
se do custo-benefício dessas tecnologias de acordo com a peculiaridade
do caso. Pautar a análise de viabilidade ambiental do empreendimento
apenas na inexistência de melhor técnica disponível é subverter a or-
dem constitucional que se fundamenta na livre-iniciativa e na valoriza-
ção do trabalho, criando uma discricionariedade ao poder de polícia
preventivo sem precedente na história de nosso país.
Já em relação ao item (ii), a identificação pormenorizada dos im-
pactos ao patrimônio cultural é uma prática salutar e já prevista no
item de socioeconomia da Resolução CONAMA 01/86, mas que, aqui,
dependerá da regulamentação para avaliarmos a finalidade desse tipo
de levantamento específico para barragens.
O art. 9º, já citado anteriormente na exigência da aprovação fan-
tasma, além de não determinar a exigência de aprovação do PAE, mas
apenas a análise pelo órgão ou da entidade estadual competente e di-
vulgação e orientação sobre procedimentos nele previstos que ocorrerão
por meio de reuniões públicas em locais acessíveis às populações situa-
das na área a jusante da barragem, exige uma série de medidas de alerta
e resgate de pessoas e animais diretamente afetados pela emergência.
Já quanto a assegurar o abastecimento de água potável, esse tipo
de obrigação é do Poder Público, que pode atuar de forma direta ou
através de concessões públicas e que são os responsáveis primários por
esse serviço, sem prejuízo das devidas indenizações pelo causador da
emergencialidade.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 145
Em relação às ações de resgate e salvaguarda do patrimônio cul-
tural, fundamental esclarecer que todo patrimônio cultural possui um
proprietário, e que qualquer ação de salvaguarda desses bens necessita
da aprovação das autoridades competentes e concordância dos pro-
prietários dos bens, especialmente nos termos do § 1º do art. 216 da
Constituição Federal, que define como dever do Poder Público a prote-
ção desses bens, em colaboração com a comunidade.
Quanto à regra do § 2º sobre o PAE ficar disponível no empreen-
dimento, no órgão ambiental competente e nas prefeituras dos muni-
cípios situados na área a jusante da barragem, é uma medida salutar,
mas de eficácia limitada numa realidade de acessos digitais a docu-
mentos importantes que precisam estar atualizados e o risco da perda
desse documento em infraestruturas que podem ser afetadas em caso
de uma emergência.
O art. 10 determina um prazo mínimo prévio para notificar for-
malmente ao órgão fiscalizador e à entidade fiscalizadora do SISEMA a
data de início e as dimensões da ampliação, do alteamento e eventuais
obras de manutenção corretiva da barragem, mas não se concatena so-
bre que tipo de ações que essas autoridades deverão tomar, especial-
mente uma vez que há a previsão dessas obras no respectivo licencia-
mento ou plano de segurança.
O art. 11 determina que em caso de barragens destinadas à acu-
mulação ou à disposição final ou temporária de rejeitos ou resíduos de
mineração, o pedido de LP será apresentado até 30 dias depois de pro-
tocolado o requerimento de autorização ou concessão de lavra ao órgão
ou à entidade federal competente, mas que não justifica o sentido dessa
vinculação, pois o requerimento pode ser negado e o procedimento de
licenciamento exigido terá sido um esforço em vão.
O art. 12 é uma das regras mais polêmicas dessa Lei estadual,
uma vez que impede a concessão de uma licença ambiental em condi-
ções não previstas no âmbito federal (existência de comunidade na
zona de autossalvamento) e que podem afetar diretamente a viabilida-
de de atividades que possuem competência privativa da União, como o
caso da mineração e geração de energia hidrelétrica. O artigo também
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas146
não deixa claro em que momento essa vedação deve ser avaliada, se
para a licença prévia ou para a licença de instalação. A legislação tam-
bém não dá o direito ao empreendedor em desapropriar as áreas iden-
tificadas como de zonas de autossalvamento para a retirada de even-
tuais comunidades, o que torna a regra um grande entrave a instalação
de barragens no Estado.
Ademais, o § 3º permite que, a critério do órgão ou da entidade
competente do SISEMA, os limites definidos para a zona de exclusão
possam ser ampliados para até 25 km de distância, desde que observa-
dos os critérios de densidade e localização das áreas habitadas e consi-
derados os dados sobre os patrimônios natural e cultural da região. Essa
regra concede um poder discricionário a agentes estaduais que podem
impedir o exercício de atividades concedidas pela União sem a definição
mínima de quais critérios seriam os necessários para esse tipo de exten-
são da restrição, gerando um grave conflito tanto na competência desse
agente, que acaba assumindo uma função delimitadora de atividades
afetas a outro ente federativo, como o próprio exercício desse poder fica
impedido, por conta da falta dos critérios objetivos mínimos para essa
ampliação. Isso sem falar que a existência de patrimônios naturais ou
culturais em nada influencia a finalidade da ampliação da zona de au-
tossalvamento, que é a possibilidade de evacuação humana com o míni-
mo de perdas possíveis em que não haja tempo suficiente para uma in-
tervenção da autoridade competente em situação de emergência.
Além das restrições já previstas no art. 12, o art. 13 criou uma
proibição para o uso do método de alteamento a montante para a con-
cessão de licença ambiental para operação ou ampliação de barragens
destinadas à acumulação ou à disposição final ou temporária de rejei-
tos ou resíduos industriais ou de mineração.
Aqui fica mais evidente que essa vedação do art. 13 para ativida-
des minerárias interfere diretamente em atividade específica do poder
legislativo federal, definido na Constituição em seu art. 21, XII.
Aqui cabe destacar que o STF já se posicionou sobre Lei estadual
que proíba o exercício de atividades já reguladas em Lei federal geral
como inconstitucional, da qual destacamos o seguinte julgado:
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 147
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI PAULISTA.
PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÃO, EXTRAÇÃO, BENEFICIAMENTO,
COMERCIALIZAÇÃO, FABRICAÇÃO E INSTALAÇÃO DE PRO-
DUTOS CONTENDO QUALQUER TIPO DE AMIANTO. GOVER-
NADOR DO ESTADO DE GOIÁS. LEGITIMIDADE ATIVA. INVA-
SÃO DE COMPETÊNCIA DA UNIÃO. 1. Lei editada pelo Governo
do Estado de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade propos-
ta pelo Governador do Estado de Goiás. Amianto crisotila. Restrições
à sua comercialização imposta pela legislação paulista, com evidentes
reflexos na economia de Goiás, Estado onde está localizada a maior
reserva natural do minério. Legitimidade ativa do Governador de
Goiás para iniciar o processo de controle concentrado de constitucio-
nalidade e pertinência temática. 2. Comercialização e extração de
amianto. Vedação prevista na legislação do Estado de São Paulo. Co-
mércio exterior, minas e recursos minerais. Legislação. Matéria de
competência da União (CF, art. 22, VIII e XII). Invasão de competência
legislativa pelo Estado-membro. Inconstitucionalidade. 3. Produção e
consumo de produtos que utilizam amianto crisotila. Competência
concorrente dos entes federados. Existência de norma federal em vi-
gor a regulamentar o tema (Lei n. 9055/95). Consequência. Vício for-
mal da Lei paulista, por ser apenas de natureza supletiva (CF, art. 24,
§§ 1º e 4º) a competência estadual para editar normas gerais sobre a
matéria. 4. Proteção e defesa da saúde pública e meio ambiente. Ques-
tão de interesse nacional. Legitimidade da regulamentação geral fixa-
da no âmbito federal. Ausência de justificativa para tratamento parti-
cular e diferenciado pelo Estado de São Paulo. 5. Rotulagem com
informações preventivas a respeito dos produtos que contenham
amianto. Competência da União para legislar sobre comércio interes-
tadual (CF, art. 22, VIII). Extrapolação da competência concorrente
prevista no inciso V do art. 24 da Carta da República, por haver nor-
ma federal regulando a questão (ADI 2.656/SP, rel. Min. Maurício
Corrêa, Tribunal Pleno, j. 8-5-2003, DJ 1º-8-2003).
Os parágrafos do art. 13 determinam a obrigação do empreende-
dor em realizar a descaracterização das barragens inativas de conten-
ção de rejeitos ou resíduos que utilizem ou que tenham utilizado o mé-
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas148
todo de alteamento a montante, sem estabelecer o prazo para tal, e o
prazo de três anos para a migração para tecnologia alternativa de acu-
mulação ou disposição de rejeitos e resíduos e a descaracterização da
barragem, na forma do regulamento do órgão ambiental competente.
Ocorre que, respeitada a vontade do legislador sobre a retirada
desse tipo de tecnologia do território mineiro, esse tipo de controle, no
caso da mineração, é de competência exclusiva da União, uma vez que
se trata de tecnologia de processamento de minérios, e a prévia deter-
minação de prazos afeta diretamente a atividade minerária, e que, nes-
se caso, está em prazo distinto ao estabelecido pela ANM22.
Além disso, o prazo limite de três anos não possui nenhuma fun-
damentação técnica, havendo casos em que, necessariamente, a desca-
racterização de barragens de forma segura exigirá prazos maiores que
o definido pelo legislador estadual23.
O prazo definido no § 5º, de 90 dias para a apresentação de cro-
nograma contendo o planejamento de execução das obrigações, é tam-
bém indevido, por não respeitar um prazo adequado para a definição
de planos e ações de forma segura, devendo esses prazos serem estabe-
lecidos pelo Poder Executivo e não o Legislativo.
Por isso, além de as exigências previstas nesses artigos serem in-
constitucionais, por usurparem a competência da União, a exigência de
execução de um prazo que pode colocar em risco a própria estabilidade
da barragem deve ser reconsiderada pelo empreendedor e autoridades
minerárias envolvidas, quando houver justificativa técnica para tal.
A regra prevista no § 4º para a exigência de licenciamento trifási-
co para a reutilização, para fins industriais, dos sedimentos ou rejeitos
decorrentes da descaracterização se aplica somente para as barragens
com método de alteamento a montante, uma vez que esse parágrafo é
limitado pelas condições previstas pelo caput.
22 Resolução ANM n. 4, de 15 de fevereiro de 2019.
23 Aqui vale a crítica para o art. 8º da Resolução ANM n. 4, de 15 de fevereiro
de 2019, que estabelece até 15 de agosto de 2021 concluir o descomissiona-
mento ou a descaracterização da barragem com alteamento a montante.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 149
O Capítulo III da Lei, composto pelos arts. 14 a 19, que trata da
“fiscalização de barragens”, já começa com uma série de obrigações ao
empreendedor nos arts. 14 ao 17, das quais destacamos os seguintes
pontos: (i) devolver para a bacia hidrográfica de origem a água utiliza-
da na barragem, no mínimo, com a mesma qualidade em que foi capta-
da (art. 14, VI); (ii) a atualização do plano de segurança de barragens
pelo empreendedor.
Em relação à primeira exigência da devolução da água utilizada
na barragem com a mesma qualidade em que foi captada, aqui cabem
algumas críticas técnico-legais sobre esse inciso. Primeiro, que o que a
Lei chama de água na verdade é recurso hídrico, uma vez que a sua
utilização em processo produtivo o classifica como tal. Segundo, que a
captação de águas por barragens é um instrumento já regulado pela
outorga de recursos hídricos e essa exigência extrapola a competência
do ente estadual nos termos da Política Nacional de Recursos Hídricos
(Lei Federal n. 9.433/97). Terceiro, a exigência da devolução da quali-
dade da água já é regulada pela legislação de corpos hídricos, para que
os efluentes lançados no corpo hídrico (ato também passível de outor-
ga) não possam desobedecer parâmetros de lançamento e modificar a
qualidade do corpo hídrico; assim, essa exigência de devolução do re-
cursos hídrico na sua condição original é contrária ao ordenamento ju-
rídico vigente para usos de recursos hídricos, devendo essa obrigação
ser revista pelo Judiciário em face da incompetência legislativa esta-
dual ao criar parâmetros contrários à legislação federal vigente.
Em relação à atualização do Plano de Segurança de Barragens
(PSB) com base em todas as recomendações de inspeções de segurança,
essa regra é diferente da prevista no § 1º do art. 8º da PNSB, que deter-
mina que “a periodicidade de atualização, a qualificação do responsá-
vel técnico, o conteúdo mínimo e o nível de detalhamento dos planos
de segurança deverão ser estabelecidos pelo órgão fiscalizador”. Essa
regra é bem difícil de implementação, pois as recomendações que po-
dem ser apresentadas podem ser contestadas pelo empreendedor, sen-
do seu direito questioná-las e levá-las para avaliação por parte do ór-
gão fiscalizador da barragem.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas150
O § 7º do art. 17 confere à autoridade ambiental determinar a
suspensão imediata da operação da barragem quando o empreende-
dor não apresentar a declaração de condição de estabilidade da barra-
gem nos prazos determinados ou caso o auditor independente não
conclua pela estabilidade da barragem. Aqui mais uma vez cabe a
nossa crítica sobre a suspensão imediata de licença ambiental, uma
vez que a regulamentação desse tipo de sanção administrativa am-
biental exige condições bem específicas e não somente a não apresen-
tação de determinado documento, isso sem falar da regra do art. 27, a
exigir que o descumprimento das obrigações previstas nesta Lei acar-
reta a suspensão imediata das licenças.
O art. 18 determina a apresentação dos relatórios resultantes de
auditorias técnicas de segurança, extraordinárias ou não, e os planos
de ações emergenciais serão submetidos, para ciência e subscrição, à
deliberação dos membros dos conselhos de administração e dos re-
presentantes legais dos empreendimentos, que ficam coobrigados à
adoção imediata das providências que se fizerem necessárias. Aqui é
curioso ver que o legislador estadual quis estabelecer responsabilida-
des do ponto de vista societário e empresarial, indo frontalmente con-
tra a legislação societária federal vigente e invadindo atribuição pri-
vativa da União.
Fora o claro interesse do legislador em tentar expandir as res-
ponsabilidades de membro de corporações para operação de barra-
gens a organismos de administração de empresas que não possuem
expertise técnica para fazer a devida avaliação desses tipos de docu-
mentos, parecendo criar uma presunção de responsabilidade pelo
mero conhecimento de fatos fora de suas competências legais ou téc-
nicas e com a exigência da adoção das providências que se fizerem
necessárias.
Somente o art. 19, dentro de todo o Capítulo IV, traz uma regra
para a autoridade fiscalizadora, que é a exigência de vistorias regula-
res, em intervalos não superiores a um ano, nas barragens com alto
potencial de dano ambiental instaladas no Estado, emitindo laudo téc-
nico sobre o desenvolvimento das ações a cargo do empreendedor.
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 151
O art. 20 da Lei exige a articulação entre as entidades do SISEMA
e órgãos fiscalizadores da PNSB para trabalharem juntos em casos de
riscos conhecidos sobre barragens, sendo obrigação dos órgãos e servi-
dores do Poder Executivo Estadual informar o Ministério Público sobre
a ocorrência de infrações às disposições da Lei, fornecendo-lhe infor-
mações e elementos técnicos, para que os infratores sejam civil e crimi-
nalmente responsabilizados. Essa exigência de criação de provas pelos
servidores é para a investigação pelo Parquet e não a necessária respon-
sabilização prevista no artigo, sendo o papel de investigação também
de atribuição das próprias autoridades do Poder Executivo e não so-
mente o Ministério Público.
O art. 22 é curioso, pois estabelece uma forma de sanção com
base na Lei Estadual n. 7.772/80, sem prejuízo das responsabilidades
administrativas, civis e penais, ignorando que a responsabilidade
prevista na Lei estadual é claramente administrativa, e que a amplia-
ção de aplicação a cargos como presidente, diretor, administrador,
membro de conselho ou órgão técnico, auditor, consultor, preposto ou
mandatário de pessoa jurídica, que, de qualquer forma, concorrer
para a infração, é uma clara extensão de responsabilidade administra-
tiva pelo cargo e não pela conduta praticada, o que é totalmente dis-
sociado do sistema de sanção administrativa regulado pela Lei Fede-
ral n. 9.605/98.
A regra prevista no § 2º desse artigo, que permite a majoração de
multa em até mil vezes, é uma norma ineficaz, uma vez que não há as
infrações definidas neste ato legal, logo, criar uma majoração adminis-
trativa em abstrato das infrações tipificadas é claro ato inconstitucional,
por violação dos princípios da legalidade e ampla defesa.
A regra do § 3º determina que o valor das multas aplicadas pelo
Estado em caso de infração às normas de proteção ao meio ambiente
decorrentes de rompimento de barragem seja 50% (cinquenta por cen-
to) destinado aos municípios atingidos pelo rompimento pode parecer
justa, mas não é claro como seria feita essa “destinação”, se seria em
repasse financeiro ou em conversão desses valores da multa em ações
nos territórios afetados.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas152
A regra do art. 23, por tratar de matéria de direito civil24, é clara-
mente inconstitucional, ao estabelecer a figura da responsabilidade ci-
vil objetiva por danos decorrentes de barragem, e especialmente a re-
gra de recuperação de áreas degradadas nas fases de instalação,
operação e desativação, e em usos futuros da barragem, fato que é cla-
ramente incoerente, uma vez que a recuperação de áreas degradadas se
faz ao longo da operação ou do fechamento da mina, não na fase de
instalação do empreendimento.
A regra do art. 24 para a adoção das medidas previstas na nova
Lei em procedimentos administrativos anteriores é clara aplicação re-
troativa da legislação em atos jurídicos licenciatórios perfeitos, não ca-
bendo a aplicação retroativa dessa Lei em processos não iniciados sob
a égide de sua vigência.
A regra do art. 25 é uma exceção salutar ao licenciamento trifási-
co para as barragens desativadas ou com atividades suspensas por de-
terminação de órgão ou entidade competentes, uma vez que o licencia-
mento corretivo pode ser a medida administrativa mais adequada para
situações que impõem medidas corretivas sem a necessidade de um li-
cenciamento trifásico. Aqui fica uma questão interessante sobre quais
seriam as entidades competentes para suspender atividades de barra-
gens, e aqui nos cabe uma interpretação extensiva desse conceito, po-
dendo ser consideradas como autoridades o Poder Judiciário e mesmo
autoridades executivas em todas as esferas federativas (União, Estados
e Municípios), inclusive por agências reguladoras e mesmo autorida-
des como fiscais do trabalho.
O art. 26 determina o custeio ou ressarcimento pelo empreende-
dor das ações recomendadas, a qualquer tempo, pelos órgãos ou pelas
entidades competentes, e os deslocamentos aéreos ou terrestres neces-
24 À União é conferida competência privativa para legislar sobre direito civil,
comercial, penal, processual, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial, do
trabalho e desapropriação, bem como sobre águas, energia, jazidas, minas,
outros recursos minerais e metalurgia, e ainda sobre atividades nucleares
de qualquer natureza, nos termos do art. 22, I, II, IV, XII e XVII, respectiva-
(Des)Aprendendo com os Erros: Análise Crítica da Lei Mineira sobre Barragens 153
sários em caso de desastres, o que somente ocorrerá após a declaração
da situação de desastre pela autoridade ambiental ou de defesa civil
competente.
A caracterização de todas as medidas, sendo consideradas de re-
levante interesse ambiental, por força do art. 27, impõe claros efeitos
penais nos termos do art. 68 da Lei Federal n. 9.605/98, que prevê como
crime o descumprimento de qualquer obrigação considerada como de
relevante interesse ambiental. Ou seja, a Lei Estadual criou clara tipifi-
cação criminal, de competência privativa da União (art. 22, I).
Além dessa clara inconstitucionalidade, o mesmo artigo cria
uma condição de aplicação imediata de sanção administrativa de sus-
pensão de licenças ambientais sem o devido processo legal ambiental e
sem respeitar as condições de aplicação de suspensão de licenças nos
termos do art. 16 da Lei n. 7.772/80.
5. Conclusão
A Lei Estadual de Minas Gerais n. 23.291, de 25 de fevereiro de
2019, é uma grande reação legislativa em face dos maiores acidentes
com barragens no território brasileiro.
No afã de se criarem maiores controles de exigências para a ins-
talação e operação para se evitarem novas tragédias, suprimiram-se os
debates sociais e legislativos para uma ampla percepção das conse-
quências no aumento de rigor legal e suas consequências na economia
mineira, especialmente para a mineração.
O legislador estadual, ainda impactado com os efeitos do aciden-
te de Brumadinho, criou um sistema de regras que engessa as atribui-
ções do poder de polícia ambiental, usurpando competências do Poder
Executivo.
Além da violação da separação de Poderes, o legislador mineiro
atropelou as regras de competências privativas da União, e mesmo as
regras de competências legislativas concorrentes, legislando em desa-
cordo com regras gerais já estabelecidas pela União e sobre assuntos de
competência privativa, como direito civil, societário e até criminal.
Prática do Direito Ambiental na Defesa dos Interesses de Empresas Privadas154
Além das críticas jurídicas às incompetências apresentadas, a
própria lógica da Lei não respeita a articulação pretendida com a Polí-
tica Nacional de Segurança de Barragens, estabelecendo tipos de barra-
gens diversos do sistema nacional e regras que se contrapõem à PNSB.
Além desses problemas, fica evidente que a legislação criou me-
canismos de comando de controle de eficácia limitada com viés clara-
mente persecutório e punitivo, dando maior ênfase às consequências
de seu descumprimento do que do devido apoio às atividades fiscaliza-
tórias preventivas de novos desastres com a articulação de todas as au-
toridades públicas envolvidas em todas as esferas federativas.
6. Referências
BIM, Eduardo Fortunato. Licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lu-
men Juris, 2014.
______. Revista Consultor Jurídico, 18 de novembro de 2015.
______. RIL Brasília, a. 52 n. 208 out./dez. 2015, p. 203-245.
FARIAS, Talden. Introdução ao direito ambiental. Belo Horizonte: Del Rey,
2009.
HUMBERT, Georges. Seara jurídica, ano 8, v. 1, n. 14 jan./dez. 2016.
KRELL, Andreas Joachim. Subsídios para uma interpretação moderna
da autonomia municipal na área de proteção ambiental. Revista
Interesse Público, v. 3, n. 10, 2001.
OTHON SIDOU, José Maria. Dicionário jurídico: Academia Brasileira de
Letras Jurídicas. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2001.

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