A contribuição previdenciária no âmbito da justiça do trabalho: a dignidade e o valor social do trabalho espelhados na arrecadação desse tributo

AutorAna Maria Aparecida de Freitas
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho. Mestre em Direito Processual pela UNICAP-PE
Páginas11-23

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1. Introdução

Com a competência material conferida à Justiça do Trabalho para executar a contribuição previdenciária decorrente de suas sentenças, primeiramente, por intermédio da Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, e, posteriormente, pela Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, muitos questionamentos surgiram acerca dos procedimentos que deveriam ser adotados, a partir de então, nos processos que já estavam em curso e nas ações judiciais que se seguiram, nas hipóteses de condenação ao pagamento de parcelas de natureza salarial e de reconhecimento de vínculo de emprego.

A partir de experiência exitosa ocorrida no exercício da jurisdição perante as Varas do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, conseguiu-se proceder à vinculação ao banco de dados do trabalhador, perante a Previdência Social, do recolhimento da contribuição previdenciária na lide trabalhista, por intermédio de um instrumento já utilizado pelos empregadores para informar o valor da contribuição previdenciária e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, de sorte que o obreiro, ao mesmo tempo em que tem solucionada a lide trabalhista, também resolve a questão previdenciária que permeia a relação de trabalho, podendo ter acesso aos benefícios previdenciários, dentre eles, as aposentadorias por idade/contribuição e invalidez, auxílio-doença, auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente, reabilitação profissional, dentre outros.

Este estudo foi fruto de pesquisa no Curso de Mestrado na Universidade Católica de Pernambuco, com a orientação do professor doutor Fábio Túlio Barroso, findando na publicação de obra de mesmo nome deste artigo, cuja síntese passa-se a expor1.

A Contribuição Previdenciária e a Competência da Justiça do Trabalho: a evolução histórica da competência da Justiça do Trabalho e a contribuição previdenciária

Com a edição da Lei n. 7.787, de 30 de junho de 19892, foi conferido ao magistrado do trabalho o dever de velar pelo recolhimento da contribuição previdenciária, nos casos de extinção de processos trabalhistas de qualquer natureza, inclusive decorrente de acordo entre as partes, conforme a dicção do art. 12. Ainda não havia a competência material da Justiça do Trabalho para executar a contribuição previdenciária, mas, apenas, o dever de a autoridade judiciária velar pelo recolhimento do tributo, sem qualquer poder de coerção, nas hipóteses em que o devedor não procedia à comprovação do recolhimento, nos autos.

Posteriormente, seguindo a mesma esteira de raciocínio do legislador infraconstitucional, foi editado o novo Plano de Custeios e Benefícios da Previdência Social, prevendo, originariamente, o art. 43 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 19913 que o recolhimento da contribuição previdenciária nos casos de extinção do processo trabalhista deveria ser realizado incontinenti.

Com as alterações promovidas pela Lei n. 8.620, de 5 de janeiro de 19934, os arts. 43 e 44 da Lei n. 8.212/91 passaram a prever a necessidade de discriminação da natureza jurídica das parcelas e a expedição de ofício ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, dando-lhe ciência dos termos da sentença ou do acordo celebrado.

Não é difícil concluir que essa sistemática findava causando grande evasão fiscal, na medida em que era muito mais vantajoso para o mau pagador, além de não honrar os créditos trabalhistas, fazendo isso somente por intermédio da ação judicial trabalhista, ainda deixar que o Fisco viesse

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a cobrar a contribuição previdenciária decorrente da ação trabalhista por intermédio de ação específica, perante a Justiça Federal comum.

É apenas com a EC n. 20, de 15 de dezembro de 1998, ao dar nova redação ao art. 114, que foi estabelecida a competência de a Justiça de Trabalho executar a contribuição previdenciária decorrente das sentenças proferidas: "art. 114 (...) § 3º Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir."

Em vista disso, a partir dessa Emenda Constitucional, foi acrescida mais uma competência material, passando o magistrado trabalhista a executar as contribuições sociais previstas no art. 195, inciso I, alínea a, e inciso II, ou seja, a proveniente da folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa que presta serviços, mesmo que sem vinculação empregatícia, e do trabalhador e demais segurados da Previdência Social, sendo editada, posteriormente, a Lei n. 10.035, de 25 de outubro de 20005, dando nova redação aos arts. 831 e 832 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, com o estabelecimento dos procedimentos de execução das contribuições devidas à Previdência Social, no âmbito da Justiça do Trabalho.

Significa dizer que as decisões cognitivas ou homologatórias proferidas pelo juiz trabalhista passaram a indicar as parcelas de natureza salarial, executando de ofício os créditos previdenciários decorrentes da decisão proferida.

Após a EC n. 20/98, mais tarde, em 8 de dezembro de 2004, mais uma vez o legislador constitucional reafirma a importância de o Judiciário Trabalhista permanecer com essa competência, prevendo a EC n. 45 a seguinte redação para o inciso VIII do art. 114: "VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".

Com a edição da denominada Lei da Super Receita - Lei n. 11.457, de 16 de março de 20076 -, vários dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT foram alterados ou acrescidos, estabelecendo o parágrafo único do art. 876 a execução de ofício das contribuições sociais devidas em decorrência de condenação, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido, o que significa dizer, em outras palavras, que a Justiça do Trabalho passou a ter competência para execução da contribuição previdenciária ex officio não apenas das parcelas pecuniárias de natureza salarial deferidas na sentença, mas, ainda, a competência para executar a contribuição previdenciária do tempo trabalhado na informalidade, mesmo sem a condenação ao pagamento de salários desse período.

O Tribunal Superior do Trabalho - TST, inclusive, inseriu no texto de sua Súmula de jurisprudência n. 368, o entendimento contido na Orientação Jurisprudencial (OJ) n. 141 da Sessão de Dissídios Individuais I (SDI I), afirmando ser competente a Justiça do Trabalho para determinar o recolhimento da contribuição previdenciária incidente tanto sobre as parcelas de natureza salarial da condenação, quanto do período trabalhado na informalidade e reconhecido pelo juiz.

Todavia, a grande celeuma surgida com o disposto no art. 876, parágrafo único, da CLT, com a redação dada pela Lei n. 11.457, de 16 de março de 2007, passou a girar em torno da seguinte questão emblemática: embora a Justiça do Trabalho executasse a contribuição previdenciária, inflando os cofres públicos, esses valores não eram individualizados no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, banco de dados da Previdência Social, com as informações de todos os salários-de-contribuição e meses de competência do trabalhador.

Apenas para se ter noção dos valores arrecadados, dados apurados em estatística elaborada pelo TST entre os anos de 2003 aos primeiros cinco meses de 2010, destacando-se que, em 2003, os créditos pagos nesta Justiça Especializada para os trabalhadores foi de R$ 5.038.908.649,29 e de contribuição previdenciária o valor de R$ 668.029.016,40. Em 2009, o valor dos trabalhadores foi de R$ 10.327.683.988,96 e de contribuição previdenciária, o valor de R$ 1.669.614.741,99, e, em 2010, para os trabalhadores o valor de R$ 1.221.377.255,87 e para a Previdência Social, o importe de R$ 2.278.789.741,93.

A Justiça Especializada tornava-se, segundo o entendimento de alguns, como mero órgão arrecadador da Previdência Social, levando ao Egrégio TST alterar a redação de sua Súmula de jurisprudência pela Resolução n. 138, de 23 de novembro de 2005, no sentido de a competência da Justiça do Trabalho para a cobrança da contribuição previdenciária ser limitada às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores objeto de acordo homologado que integrem o salário de contribuição.

Observe-se, então, a mudança substancial de entendimento da Suprema Corte Trabalhista, primeiro em 1998, ao concluir acerca da competência para execução das "contribuições previdenciárias das parcelas integrantes

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do salário de contribuição, pagas em virtude de contrato de emprego reconhecido em juízo, ou decorrentes de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, objeto de acordo homologado em juízo", e, posteriormente, após as conclusões preliminares de falta de vinculação ao trabalhador dos valores recolhidos ou executados nas ações trabalhistas a título de contribuição previdenciária, para limitar a competência "às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição".

Com efeito, o que se observa, a partir de então, é o próprio Judiciário Trabalhista, por intermédio do entendimento de alguns magistrados, repelir a competência que lhe foi dada pelo Poder Legislativo.

Contudo, não há sombra de dúvidas de existir o desejo dos demais poderes da federação de a Justiça do Trabalho ter a atribuição de exigir a contribuição previdenciária decorrente de suas sentenças. Por intermédio da Medida...

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