Efeitos da globalização nas normas trabalhistas: análise sob a luz do princípio do não retrocesso social

AutorMaria Azevedo Ximenes
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Ex-integrante do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica da Universidade Católica de Pernambuco ? UNICAP
Páginas123-128

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1. Introdução

O presente estudo procura apresentar a problemática que se presencia nos dias atuais no que se refere aos efeitos que surgiram com o advento da globalização em conjunto com a ideologia neoliberal sob a luz do princípio implícito constitucional da proibição do retrocesso social. Tal tema é objeto de discussão incessante na doutrina, pois trata da contraposição antiga do capital versus o trabalho, em que se demonstram diferentes posições sobre qual dos dois valores teria predominância em relação ao outro.

Objetivando analisar as mudanças normativas em seu aspecto político-jurídico, relacionadas no âmbito do Direito Trabalhista, advindas da globalização, que por sua vez consubstancia no novo modelo de sociedade chamado de pós-modernidade, devem ser levados em consideração os fenômenos decorrentes da globalização em seus diferentes aspectos e influências sobre as relações laborais: a flexibilização, a desregulamentação e a precarização dos direitos e das garantias laborais na esfera tanto do Direito do Trabalho quanto do Direito Constitucional.

Para tanto, este trabalho está dividido em três capítulos, dentre os quais o primeiro destina-se a relatar a evolução do Direito do Trabalho, desde a Revolução Industrial até o Neoliberalismo, observando sua função social e sua importância para a ordem da sociedade e do Estado. Tal descrição faz-se necessária para o entendimento dos fenômenos que surgiram com a globalização como se a entende nos dias atuais, a partir do final do século XX.

Após isso, entrando no capítulo da globalização, há sua caracterização, em que demonstra a ligação entre ela e a ideologia neoliberal, resultando, no âmbito do Direito do Trabalho, no aparecimento de dois importantes efeitos: a flexibilização e a desregulamentação. Tais fenômenos serão conceituados e discorridos até chegar-se no que se pretende chamar atenção: a precarização do labor. Será discutida a problemática do retorno da visão do trabalhador como facilmente substituível própria da pós-modernidade e nas repercussões sociais que ela vem a trazer.

Por fim, no último capítulo, será conceituado o princípio do não retrocesso social, fazendo a ponte com os efeitos da globalização nas normas trabalhistas, a fim de explicar sua importância na prevenção à perda de direitos que foram arduamente logrados ao longo dos séculos, indicando-o como uma ferramenta de resistência ao direito flexível do trabalho.

2. Evolução histórica do Direito do Trabalho

Antes de qualquer coisa, para a melhor compreensão da situação em que se encontra o Direito do Trabalho na pós-modernidade e de seus efeitos quando se o analisa à luz do princípio da proibição do retrocesso social, mister se faz descrever o escorço histórico deste ramo do Direito, desde sua criação até os dias atuais, objeto desta pesquisa.

É consenso na doutrina que os primeiros germens do que viria a ser o Direito do Trabalho surgiram no século XVIII, com as Revoluções Francesa e Industrial. Este momento histórico foi fonte de mudanças drásticas no modo de produção: o crescimento econômico da parcela da população que antes não passavam de comerciantes, a burguesia - que com a automatização da produção passou a deter muito poder - ensejou na superação ao Absolutismo e em grande parte da Europa ocidental, deu lugar ao liberalismo como sistema político-econômico.

O liberalismo preza, por ideologia, pela produção em massa, pela propriedade privada e, principalmente, pela liberdade dos indivíduos acima de tudo. Como rejeição ao sistema anterior, os liberalistas defendiam a abstenção do Estado nas relações privadas, abrindo espaço para se preocupar com questões em que sua presença se fazia mais necessária.2 O que ocorreu, contudo, não correspondeu ao ideal de "igualdade e fraternidade" da tríade da Revolução Francesa, pois, passando a ser a classe dominante, a burguesia tornou-se o explorador.

A liberdade ilimitada associada à produção em massa resultou na possibilidade de o empregador decidir sobre a jornada de trabalho, o salário a ser pago, o tipo de empregado que viria a ter em suas fábricas. Desta forma, o cenário

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era de locais de trabalho extremamente insalubres, onde trabalhavam idosos, mulheres e crianças em funções arriscadas por jornadas que chegavam até a 18 horas diárias. Diante da situação de total ausência de consciência social3, não tardou para aparecerem as primeiras revoltas ao novo sistema.

Obras de suma importância como Germinal de Zola, O Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels e a Encíclica Rerum Novarum, trouxeram ao trabalhador a consciência de classe que faltava para que os mesmos fossem buscar, através de manifestações, seus direitos. Em face do caos que se instalava, o Estado viu-se obrigado a dar alguma satisfação à massa proletária, a impor limites a essa liberdade. Independente da intenção do Estado ao se voltar ao social, se sinceramente preocupado com o proletariado ou se somente visando a manutenção do status quo do sistema capitalista, nasceram as primeiras normas trabalhistas, estas que, desde sua criação até os dias atuais, visam a proteção do trabalhador hipossuficiente.

Contudo, foi somente após a Primeira Guerra Mundial, com a criação do Tratado de Versalhes, que finalmente foi considerado o Direito do Trabalho como ramo do Direito e que o mesmo passou a ser incorporado nas Constituições, dando ao trabalho o status de direito social com força máxima na hierarquia normativa destes ordenamentos jurídicos.

Mais tarde, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1948, demonstrou-se a força maior dos direitos sociais, a nova conscientização dos povos em favor do princípio máximo e fundamento do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana.4 Não é surpresa que os direitos ao trabalho digno, à liberdade de escolha de emprego e à remuneração justa e satisfatória, dentre outros direitos trabalhistas, fizessem parte da citada Declaração e que, posteriormente, viessem a ser seguidos à risca na edição da Constituição brasileira de 1988.

Durante a existência da União Soviética e demais países de ideologia socialista, como parâmetro diverso do capitalismo, havia uma opção a este sistema, e enquanto existissem os dois, sempre haveria uma visão diferenciada do mundo. Porém, com a queda do Muro de Berlim em 1989, passou a reinar sozinho no mundo ocidental o modelo econômico "vencedor", o capitalismo, o que proporcionou a "difusão das crenças ultraliberais"5. Nasce aí o neoliberalismo a nível mundial.

O novo liberalismo tem como principal proposta a volta da redução da intervenção do Estado nas relações particulares, prevalecendo a lei da concorrência6. Isso ocorreu em diversas searas, mas foi na do direito trabalhista que se demonstrou maior celeuma. Se neste sistema as empresas são livres para se organizar e realizar suas atividades mercadológicas, seu raciocínio é de que serão livres também para a definição das condições de trabalho de seus empregados. Como preconiza o ilustre advogado José Alberto Couto Maciel: "o trabalho, para os neoliberais, não difere de outras mercadorias, estando essa filosofia baseada nas doutrinas da autonomia da vontade e da liberdade contratual"7.

No Brasil, o neoliberalismo teve seu auge durante o governo do ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Nesta fase, observou-se bem o sentido em que andava o país: as privatizações demonstravam a intenção de não mais centralizar o comando de certos serviços no Estado, fortalecendo a iniciativa privada.

O neoliberalismo, quando associado ao maior fenômeno da pós-modernidade, a globalização, causou em várias partes do mundo efeitos que geraram a problemática que virá a ser estudada nesta pesquisa.

3. Globalização e as relações de emprego na pós-modernidade

A partir do fim do século XX até os dias atuais tornou-se difícil imaginar-se vivendo isolado. Como advento das novas tecnologias, em especial, a internet, é fácil e, principalmente, rápido descobrir o que ocorre de um polo a outro do globo terrestre. Isso ocorre pois hoje se vive inserido no fenômeno mundial conhecido por globalização.

Tal fenômeno pode ser conceituado como a quebra das barreiras invisíveis entre os países de todo o mundo em diversos aspectos: a globalização não se atém somente ao seu viés econômico, mas repercute também nas áreas política, social e jurídica8.

3.1. Mecanização do trabalho e desemprego

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