A Súmula N. 331 do TST como instrumento de precarização laboral

AutorTatiana Cesarina Tôrres Costa
Ocupação do AutorEspecialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie. Mestra em Direito pela UNICAP. Advogada e professora de Direito do Trabalho da Faculdade Luso-brasileira, em Carpina/PE.
Páginas160-168

Page 160

1.1. Direito Social ao Trabalho

O Trabalho é típico exemplo de direito social prestacional (art. 6º, Constituição do Brasil de 1988), bem como todas as suas repercussões, ou seja, todos os direitos elencados no art. 7º da Constituição de 1988 são, igualmente, Direitos Humanos Sociais, de cunho prestacional. Isso quer dizer que o trabalho deve ser efetivado pelo Estado, na busca de uma sociedade mais digna e mais igualitária.

Em especial, a Constituição Brasileira, no seu art. 7º, prevê direitos próprios do trabalhador, direitos esses que devem ser considerados fundamentais, pois embora não tragam expressamente as palavras "vida", "saúde", "igual-dade", a sua concretização protege referidos direitos. Até porque não seria suficiente viver apenas por viver. Faz-se necessária a existência com condições dignas. E essa dignidade é alcançada mediante o respeito aos direitos sociais, dentre eles os trabalhistas.

Alguns incisos do art. 7º da Constituição do Brasil de 1988 podem ser citados a fim de demonstrar que os direitos trabalhistas ali previstos são de cunho fundamental. Tais são eles: I, II, IV, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, dentre outros.

O Estado não só tem o dever de garantir o pleno emprego, mas também o dever de proteção dos direitos trabalhistas, como o décimo terceiro salário, as férias, o tratamento igualitário entre os trabalhadores, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, aposentadoria, a proteção à maternidade, à mulher, dentre outros. Esses direitos, embora tenham aplicabilidade a uma determinada classe (classe trabalhadora), geram repercussão na sociedade como um todo. Quando são respeitados, menos conflitos passam a existir no seio social. Em contrapartida, quanto menos emprego, menos respeito aos direitos trabalhistas, novos conflitos surgem, os quais acabam por gerar influências negativas em toda a sociedade.

1.2. Princípios fundamentais aplicáveis ao trabalhador

Tratar de princípios faz aproximar o Direito da Ética1.

Passados os anos de devoção ao positivismo, chega o momento de agregar preceitos éticos ao Direito. Verdade que diante do modelo de Estado que nos deparamos atualmente, fica difícil acreditar num Direito voltado à ética. Mas não podemos também fechar os olhos e não percebermos que os princípios tomaram lugar de destaque nas decisões judiciais, nos fundamentos da doutrina, bem como nos estudos acadêmicos (Neoconstitucionalismo). E isso, embora não seja totalmente posto em prática, torna o Direito mais humano e menos dependente da letra rígida da lei.

A constitucionalização dos princípios não só os consagra como normas jurídicas, normas estas superiores a quaisquer outras, como também recebe a instância valorativa máxima de categoria constitucional.

Na visão de Delgado2, as Constituições modernas trazem princípios como o da dignidade da pessoa humana, valorização do trabalho e, em especial, do emprego.

1.2.1. Princípio da valorização do trabalho, destacando-se o emprego

O ser humano se afirma através do trabalho digno. A conduta laboral se mostra como instrumento especial para que o homem seja realizado, individual ou socialmente considerado. É com o trabalho que o homem mantém a si e a sua família.

O constituinte ao prever, como fundamento da República Federativa do Brasil, a valorização do trabalho junto com a dignidade da pessoa humana preconiza que o trabalho não deve ser encarado como uma obrigação, algo indesejável, que não realiza o trabalhador, e sim como algo que lhe dá prazer em sua plenitude. O que se busca através deste princípio é a valorização do trabalho digno.

O princípio da valorização do trabalho tem especial relevância para o trabalho regulado, o emprego, aquele protegido e assegurado pelas regras trabalhistas. É no âmbito do trabalho regulado pelas normas trabalhistas que encontramos a maior proteção ao trabalhador, enquanto pessoa, pois o mesmo se encontra protegido em face dos maus acontecimentos que a vida lhe proporciona. Em

Page 161

caso de doença, de desemprego, de morte, o trabalhador-empregado tem para si e para sua família maior proteção.

1.2.2. Princípio da não discriminação

Por meio do princípio da isonomia, os homens não podem se submeter a tratamento discriminatório e arbitrário, proibindo-se toda e qualquer forma de tratamento desigual.

Muito embora seja um princípio de caráter geral, ele se aplica especificamente à relação de trabalho, no que pertine à proibição de tratamento diferenciado para os trabalhadores, no que concerne a salários, função, critério de admissão, tratamento, em razão do sexo, cor ou estado civil.

Entretanto, existe uma forma de discriminação, na atual realidade do trabalho, bastante maquiada, sobre a qual não se desperta atenção das pessoas. A terceirização de serviços, que é o foco deste trabalho, e será analisada em detalhes mais adiante, fere o princípio da não discriminação, o qual se desdobra no direito a não discriminação na relação de trabalho, especificamente.

O trabalhador terceirizado é um trabalhador encarado pelos colegas apenas como uma pessoa que será substituída a qualquer momento por outra, e que está prestando serviços desqualificados. Um trabalhador terceirizado não se insere no quadro da empresa, muito menos no cotidiano dos trabalhadores com vínculo permanente. Trata-se de um ser estranho. Em relação ao aspecto remuneratório, o trabalhador terceirizado tem uma remuneração muito abaixo do nível normal, tendo em vista que seu trabalho geralmente é realizado por pessoas que não possuem qualificação adequada e em vista da alta-rotatividade de mão de obra.

1.2.3. Princípio do trabalho digno como desdobramento do Princípio da dignidade da pessoa humana

Tarefa difícil é tentar conceituar o princípio da dignidade da pessoa humana, pelo fato de que se trata de expressão bastante vaga, com alto grau de ambiguidade. Pensamos ser mais fácil perceber situações que atinjam negativamente a dignidade humana, a conceituá-la. Não há um único conceito capaz de satisfazer a completude do princípio.

"A dignidade da pessoa humana deve ser considerada ofendida sempre que o homem for rebaixado à condição de objeto, tratado como uma coisa e desconsiderado como sujeito de direitos (...)"3.

O princípio da dignidade da pessoa humana obriga todos a respeitarem o indivíduo como ser humano, sem tratamentos discriminatórios, indecentes ou vexatórios. Toda e qualquer forma de tratamento humilhante, que não condiga com a devida valoração do ser humano, será contrária ao princípio em análise.

A dignidade não é mais um direito do homem. A dignidade é algo superior a tudo isso. Ela deve ser vista como um princípio-valor, um vetor de toda a humanidade, devendo esta ter como meta, a sua constante proteção. Todos, indiscutivelmente, devem primar pelo valor da dignidade humana. É este valor que atribui fundamento para os Direitos Humanos, princípios fundamentais, bem como para todo o ordenamento jurídico, obrigando tanto o Estado, quanto os particulares.

Trazendo o princípio da dignidade da pessoa humana para a órbita do trabalho, percebemos alguns aspectos: um, referente à pessoa do trabalhador, o qual deve ser respeitado enquanto pessoa humana; dois, refere-se à remuneração. Esta deve permitir que tanto o trabalhador quanto sua família disponham de meios para um vida digna; três, no que pertine às condições de trabalho, como segurança e higiene.

Percebam que o trabalho (digno) faz do homem ser social, integrando-o na comunidade e dignificando-o. O trabalho tem efeitos que extrapolam a pessoa do trabalhador. Sua falta ou sua precariedade acarreta inúmeros males à sociedade.

Conforme Delgado4, "entende-se que o trabalho não violará o homem enquanto fim em si mesmo, desde que prestado em condições dignas. O valor da dignidade deve ser o sustentáculo de qualquer trabalho humano."

O contrato de trabalho, apesar de ser de cunho privado, deve se submeter às condições mínimas previstas tanto na ordem constitucional quanto na legal, como fruto do dirigismo estatal. Desta forma, o contrato de trabalho também está sujeito à observância da dignidade humana. A relação e as condições de trabalho devem ser dignas.

O trabalhador não poder ser visto como um meio para a realização da atividade econômica, já que por ser pessoa ele é o centro da ordem jurídico-social. A pessoa humana não pode ser transformada em objeto ou instrumento de outrem ou de uma dada situação5.

Page 162

O Estado Brasileiro trouxe para si uma obrigação que é a de promover, bem como proteger o trabalho. No entanto, considere que não estamos falando de qualquer trabalho (subumano, análogo à condição de escravo, precário). O trabalho a ser protegido e promovido pelo Estado é o trabalho digno e decente.

Nas palavras de Brito Filho6, trabalho decente é aquele visto como um "conjunto mínimo de direitos do trabalhador que corresponde: à existência de trabalho; à liberdade; à igualdade do trabalho; ao trabalho em condições justas, incluindo a remuneração (...)". (destaques nossos)

Para melhor entendimento da interpretação sistemática feita entre o direito ao trabalho e o princípio da dignidade humana, lembre-se que este é vetor para todo o ordenamento jurídico. E os Direitos Humanos, inclusive o direito ao trabalho, devem ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT