Sindicalismo e integração dos conflitos de classe. Corporativismo, Neocorporativismo e Concertação Social

AutorArthur Coelho Sperb
Ocupação do AutorMestrando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - Programa de Pós-Graduação em Direito - CCJ da Universidade Federal de Pernambuco. Advogado.
Páginas24-33

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1. A história da formação operária no Brasil: uma breve abordagem para a compreensão das políticas de Estado e dos reflexos no movimento operário

Contar a história do movimento operário brasileiro é contar, em grande parte, a história da formação social do Brasil.

Não é minha intenção fazer uma digressão histórica do trabalho para os primórdios da sociedade brasileira1, mas apenas colocar o leitor em um espaço histórico que o permita compreender em plenitude as transformações sociais pautadas pela relação capital-trabalho e, mais, como a transformação do trabalho contribuiu para a formação da sociedade atual, principalmente a sociedade do trabalho.

Pois bem, desde a colonização, a implementação do trabalho como valor de troca (trabalho-valor)2 em contraponto ao trabalho para o uso (valor de uso), passou a fazer parte da cultura brasileira, e a transformação da sociedade que trabalhava para a sobrevivência para a sociedade que trabalhava para a geração de excedentes (mais-valia)3 produziu uma transformação social impactante.

A expropriação dos meios de trabalho e a troca do trabalho por um salário (trabalho-valor, mercadoria), aumentou a produtividade e deu uma guinada no modelo de produção, que passou de rural/camponês/manufaturas para ser industrial/fabril/operariado.

Essa realidade inverteu os pesos da equação econômica vigente e os operários se viram em condições muito piores das que já haviam enfrentado anteriormente.

A história contabiliza que na época da Independência do Brasil os operários ingleses viviam em condições tão precárias quantos os mais explorados escravos da Amé-rica4 - 5. Nas fábricas inglesas, os operários trabalhavam em média 14/16 horas por dia, entretanto, ao contrário dos donos de escravos, os donos das fábricas não tinham que alimentar e cuidar dos inválidos e podiam demiti-los quando quisessem. Esse modelo contribuiu para o aumento do lucro e, de forma direta, o aumento da exploração do trabalhador/operariado.

Aos poucos, a economia rural/da cana/cafeeira foi se transformando em industrial, razão porque foi necessário importar trabalhadores europeus para o Brasil, europeus que estavam passando ou haviam passado por influências ideológicas emancipatórias, tendo forte repressão por parte do Estado.

Ora, muitos desses trabalhadores vinham imbuídos de ideologias emancipatórias comunistas/anarquistas/socialistas, presentes nos países da Europa no início do século XIX. Essas ideologias contribuíram de modo substancial ao agrupamento de trabalhadores na intenção de emancipação social e de luta contra o sistema de exploração.

Esse contexto histórico do movimento operário, onde se vê claramente a transformação da mão de obra rural/ escrava para a fabril/assalariada é importante para que se trace o recorte histórico-legislativo-político imposto ao sindicalismo autônomo e surgido das entranhas convulsionadas dos movimentos sociais, na intenção de inseri-lo no sistema normativo e impor contenção ao seu crescimento.

A liberalização do trabalho para a industrialização nascente desenvolveu relações de trabalho voltadas para incrementar a produção industrial, centradas na autonomia da vontade , no âmbito privado, e controladas pelas normas penais, no âmbito público. Não trabalhar era tipo penal, passível de encarceramento.6

A partir daí começaram a surgir produtos normativos que visavam, por um lado, responder aos anseios da classe proletariada, criando status básicos de direitos que resguardavam um mínimo de dignidade aos trabalhadores

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(como exemplo, as normas que restringiam o trabalho de crianças e mulheres) e, por outro lado, barrar a revolta de classes exploradas ao sistema econômico-social implementado, voltado para a produção e garantidor de plena autonomia e liberdade.

É daí que parte o interesse do texto em relação às políticas corporativas e de concertação, pois foi justamente com a intenção de, por um lado: garantir direitos individuais que resguardassem um status mínimo de dignidade e, por outro, criar empecilhos de ordem coletiva, que atuavam em contrapartida aos interesses do capital produtivo, que as normas de caráter trabalhista foram sendo implementadas em escala global.

Tais políticas de Estado dão enfoque ao que se pretende discutir aqui, pois foi a partir delas que se desenvolveu o retrato do sindicalismo hoje vigente. Esse pano de fundo histórico dos quais se impuseram políticas corporativas é necessário ser compreendido, a fim de se identificar a intenção que se destina à criação das normas jurídicas trabalhistas de fundo corporativas que serão estudadas a seguir.

2. A situação do operariado e a pauta do movimento operário antes do Estado Novo, as ideologias dominantes e os resultados obtidos

Dado o recorte histórico do movimento operário, a fim de criar no leitor uma figura da formação do trabalhador brasileiro (sua feição originária, a mudança do escravo-rural para o operário-fabril), chegamos agora no momento político-histórico crucial para a formação do sistema de organização sindical brasileiro, onde a grande massa de direitos individuais foram criados e o sistema de organização de trabalhadores foi institucionalizado.

No contexto social da década que antecedeu o golpe de 1930, após a implosão de diversas greves (como a greve geral de 1917), os militantes anarquistas, socialistas e comunistas eram constantemente perseguidos pela polícia, pois suas ideologias eram tidas como ameaçadoras à política nacional.

Apesar da perseguição, as forças políticas pautadas nessas ideologias formaram uma força ativa, encabeçando diversos protestos contra as mazelas sociais presentes e advindas das políticas econômicas originadas na elite cafeeira e do café-com-leite (revezamento da chefia do país por elites agropecuárias de Minas Gerais e São Paulo).

Segundo leciona Fernanda Barreto Lira, "as duas correntes mais expressivas dessa militância foram o anarcocomunismo e o anarcosindicalismo. Esta última predominante em São Paulo."7

Nessa época, a vida do operariado industrial estava em condições precárias, o salário não garantia um mínimo necessário para a sobrevivência, o preço dos produtos básicos de subsistência estavam altíssimos. O trabalho das mulheres era perversamente explorado, com salários inferiores aos dos homens pela mesma jornada de trabalho. Da mesma forma o trabalho infantil, que chegava a representar metade da mão de obra ocupada no país.8

Foi então que se instaurou um movimento nacional, a greve geral de 1917, com uma pauta imediata, reivindicando: aumento salarial, limitação de jornada de trabalho de 8 horas, adicional de 50% quando ultrapassado esse limite (adicional de horas extras), garantia eterna de emprego, liberdade de associação, abolição do trabalho para menores de 14 anos e proibição de trabalho noturno para as mulheres e os menores de 18 anos, e uma pauta geral/ampla, como a redução do custo de vida, barateamento dos gêneros alimentícios de primeira necessidade, redução de 30% dos valores dos aluguéis, não execução de despejos por falta de pagamento.

O clima de descontentamento social era geral e a "questão social" não podia mais ser deixada de lado, de maneira que a classe proletária estava cada dia mais consciente do antagonismo de classes e a adesão aos movimentos operários anarquistas e comunistas era enorme.

De lado com o pluralismo ideológico, vinham também as doutrinas de integração social, pautadas no movimento de políticas fascistas já praticado em alguns países, (Itália, França) como, por exemplo, a Carta de Vichy (França) que suprimiu os antigos sindicatos e criou comitês mistos, e o Pacto del Pallacio Vidoni (Itália), que estimulou a instituição de sindicatos fascistas para substituir aqueles originários e representativos. Surgiria a figura do sindicato único (na Itália), em 1926, com o reconhecimento do Estado, e com os conflitos absorvidos para o interior da jurisdição estatal e a tão falada Carta del Lavoro italiana, que engessou as entidades sindicais com políticas de Estado.

Os donos do capital se sentiram ameaçados, a saúde econômica estava em jogo e o Estado foi compelido a se posicionar.

3. O Estado Novo e a Era Vargas: o roubo da fala9

Como o objeto deste texto é tratar do corporativismo e das políticas de concertação social, esse tópico se reveste

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de maior importância neste estudo, pois, a partir das políticas implementadas no Brasil na chamada Era Vargas (1930-1945), o sindicalismo tomou um contorno diferente daquele para o qual se originou, e é justamente a partir desse momento histórico que se desenvolvem os estudos sobre corporativismo no Brasil.

Philippe Schmitter, pesquisador membro do departamento de ciências políticas e sociais da European University Institute, mundialmente conhecido pelo seu estudo acerca das políticas corporativistas, traz distinções entre corporativismo estatal e societal, sendo a primeira fruto de uma política de estado e a segunda emergida de interesses da sociedade. Para fins desse estudo, importa apenas a conceituação de corporativismo estatal, já que tais políticas foram implementadas no Brasil com o advento do Estado Novo, a fim de controlar a pluralidade ideológica dos grupos de interesses relacionados com o capital e trabalho.

Segundo...

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