Cumprimento de sentença que reconhece a exigibilidade de obrigação de pagar quantia certa pela fazenda pública

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas919-937

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591. Evolução da execução por quantia certa fundada em sentença contra a Fazenda Pública

No Código anterior, a Lei nº 11.232, de 22.12.2005 já havia substituído a ação de execução de sentença condenatória a prestação de quantia certa por um procedimento complementar incidental denominado "cumprimento da sentença", que se realiza dentro da mesma relação processual em que se pronunciou a condenação (arts. 475-I a 475-R, do CPC/73).

Embora a abolição da ação de execução de sentença separada da ação condenatória tivesse sido adotada como regra para aquele sistema renovado do Código de Processual Civil de 1973, o antigo sistema dual foi preservado para as ações que buscassem impor o adimplemento de prestações de quantia certa ao Poder Público.

Assim, no regime anterior, tais ações, a despeito da sentença de mérito, continuavam sendo o ato pelo qual o órgão judicial "cumpre e acaba o ofício jurisdicional", no processo de conhecimento, tal como dispunha o art. 463, em sua redação anterior à Lei nº 11.232/2005.1Agora, na sistemática do novo CPC, publicada a sentença condenatória contra a Fazenda Pública, não mais se tem por finda a prestação jurisdicional a que se destinava

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o processo, de modo que, para alcançar medidas concretas de coerção da devedora, com vistas à satisfação do direito reconhecido em juízo, em favor do credor, desnecessário se torna a propositura de uma nova ação - a ação de execução da sentença (actio iudicati). Desta feita, enquanto para a codificação anterior se faziam necessárias nova petição inicial a ser deduzida em juízo, e nova citação da devedora, e a eventual resposta da Fazenda executada deveria se dar por meio de embargos à execução, e não por contestação nem por simples impugnação (art. 730, CPC/1973); pelo novo Código, basta a intimação do ente público, por seu representante judicial, cuja defesa se processará como incidente de impugnação ao cumprimento de sentença, conforme dispõem os arts. 5342e 5353. Tudo se processará e se resolverá dentro da mesma relação jurídica processual em que a sentença foi pronunciada. A atividade cognitiva e a satisfativa desenvolvem-se apenas como fases de um mesmo processo; não mais como objeto de dois processos distintos.

592. Generalidades do cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública

I - Execução por quantia certa sem penhora e expropriação

Diferentemente de seu antecessor, o novo Código separa um procedimento específico tanto para o cumprimento de sentença, antes inexistente, quanto para as execuções de título extrajudicial contra a Fazenda Pública. No Código de 1973, ambas as hipóteses de título judicial ou extrajudicial davam ensejo ao mesmo procedimento previsto nos arts. 730 e seguintes daquele diploma.4

Entretanto, a despeito da inovação quanto à separação dos procedimentos de acordo com a espécie de título, a sistemática de ambas as codificações é a mesma: não se realiza atividade típica de execução forçada, diante da impenhorabilidade dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios. Não se procede, pois, à expropriação (via penhora e arrematação) ou transferência forçada de bens. O que se tem é a simples requisição de pagamento, feita entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo, conforme dispõem os arts. 5345, 5356e 9107, observada a Constituição Federal (art. 1008).

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Na verdade, há tão somente uma execução imprópria na espécie, cujo procedimento irá variar em algumas peculiaridades, conforme se trate do valor e da modalidade do título executivo, se judicial ou extrajudicial.

O presente tópico se dedica à primeira modalidade de título executivo. A execução de título extrajudicial foi tratada no Capítulo XXVII. Assim, se o credor da Fazenda Pública dispuser de um título executivo extrajudicial, deverá observar o procedimento do art. 910, cuja diferença em relação àquele previsto neste capítulo consiste basicamente: (i) na necessidade de citação do ente público (e não apenas a intimação) e na

(ii) ampliação da matéria de defesa a ser eventualmente oposta em sede de embargos à execução (art. 910, § 2º9). De resto, aplica-se o procedimento previsto nos arts. 534 e 535, por disposição expressa do Código (art. 910, § 3º10), examinados no tópico a seguir.

II - Execução de outras obrigações da Fazenda Pública

Cabe destacar que as regras especiais de execução imprópria, via requisitório, tem o objetivo de evitar a expropriação de bens do patrimônio público. Por isso, só se referem à execução por quantia certa, como expressamente dispõem os art. 534 e 910. Outras hipóteses de execução forçada não importam, ordinariamente, na expropriação de bens patrimoniais do devedor inadimplente. Assim, na execução para entrega de coisa certa, ou incerta, não há que se cogitar do procedimento dos arts. 534 ou 910, visto que a atividade jurissatisfativa se refere, na espécie, a bens do próprio credor e não da Fazenda Pública. Esta, conforme os termos da sentença, tem apenas a posse ou detenção de bens de outrem, competindo-lhe, por isso, restituí-los ao legítimo dono, ou a quem de direito, conforme previsto na sentença.

Aqui, portanto, a execução é feita in natura, sem nenhum privilégio, mediante o procedimento normal do art. 538, em se tratando de cumprimento de sentença ou dos arts. 806 e seguintes, que resultará, no caso de recalcitrância do Poder Público, em imissão na posse, se a coisa for imóvel, ou em busca e apreensão, se se tratar de móvel.

593. Procedimento

I - Requerimento do exequente

O requerimento de cumprimento da sentença que estabeleça a obrigação da Fazenda Pública por quantia certa, deverá ser instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito do exequente (NCPC, art. 534).11Constarão dele os seguintes dados indispensáveis:

a) O nome completo e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do exequente (inc. I);

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b) O índice de correção monetária adotado (inc. II);

c) Os juros aplicados e as respectivas taxas (inc. III);

d) O termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados (inc. IV)

e) A periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso (inc. V);

f) A especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados (inc. VI).

Havendo litisconsórcio de exequentes, cada um apresentará o seu próprio demonstrativo (art. 534, § 1º). Nos casos de grande número de credores, será lícito ao juiz limitar o litisconsórcio, se for facultativo, a fim de evitar tumulto processual e assegurar a rápida solução do cumprimento da sentença (art. 113, § 1º). Note-se que o requerimento de desdobramento da execução interrompe o prazo de impugnação, que recomeçará a partir da intimação da decisão que o determinou (art. 113, § 2º).

II - Intimação da Fazenda executada

De acordo com o novo Código, a Fazenda será intimada, na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, sem cominação de penhora, isso é, limitando-se à convocação para impugnar a execução no prazo de trinta dias (NCPC, art. 535).

III - Expedição do precatório

Não havendo impugnação, ou sendo esta rejeitada, o juiz, por meio do Presidente de seu tribunal superior, expedirá a requisição de pagamento, que tem o nome de precatório (art. 535, § 3º, I), ou a requisição de pequeno valor. Esta constará de ordem do próprio juiz, dirigida à autoridade citada em nome do ente público na fase de conhecimento do processo (art. 535, § 3º, II).

No primeiro caso, a inclusão da verba no orçamento do ente federado deve observar um procedimento mais rigoroso, ao passo que, no segundo, tem-se uma requisição mais célere. De fato, não se sujeitam ao regime dos precatórios os pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado (CF, art. 100, § 3º). A requisição de pequeno valor, por sua vez, deve ser paga no prazo de dois meses após a entrega da requisição (art. 535, § 3º, II). Os detalhes sobre o processamento tanto de um quanto de outro são tratados, adiante, no item 597.

IV - Créditos de alimentos

Os pagamentos dos créditos constantes de títulos ajuizados contra a Fazenda Pública (Federal, Estadual, Distrital e Municipal) "far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos" (CF, art. 100, caput).

Não se sujeitam, porém, a essa ordem cronológica os créditos de natureza alimentícia (CF, art. 100, § 1º), compreendendo-se nessa categoria os decorrentes de salários,

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vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado (CF, art. 100, § 1º, com a redação da EC nº 62/2009).12No entanto, é bom notar que "a exceção prevista no art. 100, caput, [atual art. 100, § 1º], da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza" (STF, Súmula nº 655).

Dentre os créditos alimentares terão preferência para pagamento sobre os demais da mesma natureza, aqueles cujos titulares tenham sessenta anos de idade ou mais na data...

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