Da bioética ao biodireito

AutorMaria De Fátima Freire De Sá/Bruno Torquato De Oliveira Naves
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela UFMG e Mestre em Direito pela PUC Minas/Doutor e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas
Páginas1-21
Como nos ensinam as mais laicas entre as
ciências humanas, é o outro, é seu olhar, que
nos dene e nos forma.1
1. INTRODUÇÃO
Famosa é a frase “o homem é um animal político” (politikón zôon), de Aris-
tóteles.2 Essa armativa indicava que o homem é um ser social, um animal da
polis3 – por isso “político” – e que só encontraria as condições necessárias a seu
desenvolvimento na polis. Assim, a comunidade política seria requisito para a
felicidade e a política desdobramento da própria Ética.
Interessa-nos compreender que a socialização do homem se dá por inter-
médio de discursos sociais, e entre as várias espécies de discurso, destacamos
o discurso médico e o discurso jurídico. Jan Broekman alertava que são eles
1 ECO, Umberto; MARTINI, Carlo Maria. Em que crêem os que não crêem? 7. ed. Tradução de
Eliana Aguiar. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2002.
2 ARISTÓTELES. Po lítica. 3. ed. Tradução de Mario da Gama Kury. Brasília: UnB, 1997.
1253a. [Título I, Cap. 2]
3 A polis ou cidade-estado constituiu-se como um bem sucedido modelo de organização
político-administrativa grego. Desenvolveu-se, principalmente, durante o período clássico
da civilização grega (500-338 a.C.). Eram entidades autônomas, com semelhanças em
relação ao Estado moderno.
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DA BIOÉTICA AO BIODIREITO
Book-Bioetica e Biodireito.indb 1 1/19/18 10:48 AM
MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ | BRUNO TORQUATO DE OLIVEIRA NAVES
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“os protagonistas principais de nossa vida moderna”.4 Tal fato agura-se de
absoluta importância para a Bioética. O pensamento ético também procura
inuenciar o processo de socialização, destacando métodos e consequências
desejáveis para se atingir o bem.
Nesse compasso, assevera-se que não há sujeito que não seja socializado.
Via de consequência, não há sujeito que não seja juridicizado e medicalizado,
porquanto é difícil imaginar no mundo alguma pessoa que nunca precisou de
um médico ou nunca se deparou com dúvidas jurídicas. Quanto ao aspecto
médico, deixemos claro que, para nós, a siologia humana está integrada ao
processo de socialização, ainda que pensemos sua constituição também como
um acontecimento espiritual.
A Bioética surge como corolário do conhecimento biológico, buscando o
conhecimento a partir do sistema de valores. Embora se rera, frequentemen-
te, aos problemas éticos derivados das descobertas e das aplicações das ciên-
cias biológicas, que tiveram grande desenvolvimento na segunda metade do
século XX, mister ressaltar que referida ciência tem, entre suas preocupações
principais, a questão da autonomia do paciente e a questão ambiental.
Podemos exemplicar por meio de algumas indagações: que poderia dizer a
Ética médica sobre o bem-estar se não tiver como ponto de referência a autono-
mia do paciente? Como determinar os limites da admissibilidade da eutanásia
legalizada, sem a autodeterminação do interessado? Mas a autonomia não é con-
dição para a existência apenas da Medicina e da Ética (Bioética), mas condição
também para a vida do Direito (Biodireito) em uma perspectiva democrática.
Podemos concluir que os discursos médico, ético e jurídico possuem es-
treito entrelaçamento.
É importante para a bioética constatar que os corpos submetidos a uma medi-
calização já se encontram juridicizados e vice-versa. A medicalização e juridi-
cização são processos fundamentais que outorgam signicado à interpretação
do corpo como entidade cultural. Logo, mantêm a ética sob seu poder, tal e
como o demonstram abundantemente o direito e a medicina.5
4 Tradução livre de “[...] los protagonistas principales de nuestra vida moderna”. BROEKMAN,
Jan M. Bioética con rasgos jurídicos. Traducción de Hans Lindahl. Madrid: Dilex, 1998, p. 14.
5 Tradução livre de: “Es importante para la bioética constatar que los cuerpos sometidos a una
medicalización ya se encuentran juridizados y viceversa. La medicalización y juridización
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