Princípios e interpretação na bioética e no biodireito

AutorMaria De Fátima Freire De Sá/Bruno Torquato De Oliveira Naves
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela UFMG e Mestre em Direito pela PUC Minas/Doutor e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas
Páginas23-51
A tarefa primordial do Direito nas sociedades modernas
foi e ainda é a de ser uma das formas de integração social
(HABERMAS 1997b: 1: 44 et seq.). Assumindo e transcen-
dendo o papel que a religião ou as tradições imemoriais
detinham no passado das sociedades pré-modernas, o Di-
reito deve a um só tempo: a) garantir a certeza nas relações,
ou, numa linguagem mais atual, manter as expectativas ge-
neralizadas de comportamento, erigindo padrões de con-
duta; e b) pretender ser o fundamento de si mesmo, já que
não possui mais um fundamento absoluto, a religião ou a
tradição, para legitimá-lo.1
1. INTRODUÇÃO
Os avanços biotecnológicos têm colocado a humanidade diante de situa-
ções até pouco tempo inimagináveis. Basta ligar a televisão ou ler um jornal
para depararmos com questões atinentes a inseminação articial, fecundação
in vitro, barrigas de aluguel, engenharia genética e à insistente luta contra mal-
formações congênitas, transplantes de órgãos, clonagens, controle da dor e
prolongamento da vida.
1 CATTONI, Marcelo. Devido processo legislativo. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000, p.
107.
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PRINCÍPIOS E INTERPRETAÇÃO
NA BIOÉTICA E NO BIODIREITO
Book-Bioetica e Biodireito.indb 23 1/19/18 10:48 AM
MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ | BRUNO TORQUATO DE OLIVEIRA NAVES
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As reações das pessoas são as mais diversas: de um lado alguns se posi-
cionam encarando os avanços cientícos como “obras do demônio”; de ou-
tro, em posição diametralmente oposta, verica-se seu endeusamento. Assim,
urge questionar: até onde avançar sem agredir? Como controlar esta crescente
“biologização” do ser humano? Tudo o que se pode fazer tecnicamente se deve
fazer? Criaremos o bebê a la carte? A solução para limitar referidos avanços
baseia-se em regras especícas?
Ao analisar os avanços da biotecnologia e as condutas do homem tecnoló-
gico, Volnei Garrafa assim se expressa:
Paradoxalmente, ao mesmo tempo que gera novos seres humanos através do
domínio das complexas técnicas de fecundação assistida, agride diariamente
o meio ambiente do qual depende a manutenção futura da espécie. O sur-
gimento de novas doenças infectocontagiosas e de diversos tipos de câncer,
assim como a destruição da camada de ozônio, a devastação de orestas e a
persistência de velhos problemas relacionados com a saúde dos trabalhadores
(como a silicose) são ‘invenções’ deste mesmo ‘homem tecnológico, que os-
cila suas ações entre a criação de novos benefícios extraordinários e a insólita
destruição de si mesmo e da natureza.2
O conituoso avanço da área biomédica traduz a preocupação não só com
situações emergentes, ou seja, aquelas proporcionadas por avanços como os al-
cançados no campo da engenharia genética e consequentes desdobramentos,
como, por exemplo, o caso de clonagens humanas, mas diz respeito também ao
que podemos chamar de situações persistentes, diretamente relacionadas com a
falta de acesso de inúmeras pessoas à utilização igualitária de consumo sanitá-
rio. Assim, se de um lado a biotecnologia provoca benefícios inquestionáveis,
de outro, pode muito bem proporcionar o elastecimento de problemas atinen-
tes à exclusão social.
Quanto a este último aspecto, precisamos deixar claro que o usufruto de-
mocrático dos benefícios decorrentes do desenvolvimento biotecnológico, por
enquanto, é mera utopia. Eis a dura realidade: quem tem mais, vive mais; quem
tem pouco, vive menos. Conforme arma Garrafa:
2 GARRAFA, Volnei. Iniciação à bioética: bioética e ciência – até onde avançar sem agredir.
Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998, p. 99-110.
Book-Bioetica e Biodireito.indb 24 1/19/18 10:48 AM

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