Dados genéticos humanos

AutorMaria De Fátima Freire De Sá/Bruno Torquato De Oliveira Naves
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela UFMG e Mestre em Direito pela PUC Minas/Doutor e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas
Páginas229-260
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DADOS GENÉTICOS
HUMANOS1
Mesmo que o diálogo entre o lósofo e o jurista, bem como
entre estes e as suas circunstâncias (pessoais e sociais) seja
marcado por convergências e divergências de toda ordem,
é certo que tal debate, ainda mais quando travado na esfe-
ra pública e pautado pela prática racional discursiva (ne-
cessariamente argumentativa) constitui o melhor meio de,
pelo menos numa sociedade democrática, estabelecer os
contornos nucleares da compreensão das diversas dimen-
sões da dignidade e de sua possível realização prática para
cada ser humano. Assim, não há mais – ao contrário do
que alguns parecem crer – como desconhecer e nem des-
considerar o papel efetivo do Direito no que diz com a pro-
teção e promoção da dignidade.2
1 Agradecemos a Fabíola Ramos Fernandes pelos comentários e indicações para atualização
desse capítulo para a 3ª edição. Para aprofundamento do tema “dados genéticos humanos”
sugerimos a leitura das obras: “NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direitos de personalidade
e dados genéticos. Belo Horizonte: Escola Superior Dom Helder Câmara, 2010” e “NICOLÁS
JIMÉNES, Pilar. Protección jurídica de los datos genéticos de carácter personal. Madrid:
Comares, 2006”.
2 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: uma compreensão
jurídico-constitucional aberta e compatível com os desaos da biotecnologia. In: SARMENTO,
Daniel; PIOVESAN, Flávia. Nos limites da vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a
perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 210-211.
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MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ | BRUNO TORQUATO DE OLIVEIRA NAVES
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1. INTRODUÇÃO
Ao tratarmos de dados genéticos humanos, mais uma vez em pauta está a
questão da dignidade da pessoa humana, tão debatida por juristas do mundo
inteiro. Poderíamos até começar com um primeiro tópico intitulado relações
entre dignidade humana e desaos genéticos. Contudo, novamente recorremos
à proposta por Hasso Hofmann3 que, em termos teoréticos, distingue a digni-
dade como dádiva e como prestação.
A dignidade como dádiva se verica a partir de qualidades ou característi-
cas da pessoa humana, não sendo fruto da escolha de cada um, agurando-se
verdadeiro dom. A dignidade como prestação ressalta a experiência de cada
pessoa, na busca da construção da própria identidade e está vinculada às rela-
ções sociais, no convívio com o próximo.
Mas por que estamos a dizer isso? Qual a relação entre dignidade e iden-
tidade genética?
Podemos dizer que o conceito de identidade genética traz no seu bojo uma
correspondência ao genoma de cada ser humano, ou seja, o fundamento bio-
lógico ínsito a cada um. Estamos diante da constatação de que todos temos um
genoma irrepetível.
Em outro sentido, o termo identidade genética pode ser designado para
caracterizar a mesma constituição genética entre dois ou mais seres. É o mun-
do da clonagem. Agura-se, aqui, o direito à identidade como um direito à
diferença, sendo vedadas a repetibilidade programada e a alteração dessa base
biológica, a não ser, no último caso, se se tratar de escopos terapêuticos.
Finalmente, como terceira acepção, vislumbramos o termo identidade ge-
nética como nível prévio à identidade pessoal, sendo aquela substrato funda-
mental desta. Nessa seara, o que importa é saber a origem genética, a verdade
sobre a própria progenitura. Também diz respeito à possibilidade de saber ou
de se recusar saber sobre diagnósticos e prognósticos de doenças e pesquisas
realizadas. Mas não só isso, porquanto a identidade de uma pessoa não se re-
duz aos seus aspectos genéticos. Também inuem na formação pessoal com-
3 HOFFMAN, Hasso. La promessa della dignità umana. La dignità dell’uomo nella cultura
giuridica tedesca. Rivista Internazionale di Filosoa del Diritto, Roma, série 4, ano 76, p.
620-650, out./dez 1999.
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plexos fatores educativos e ambientais, assim como os laços afetivos, sociais,
espirituais e culturais, que conservam uma dimensão de liberdade.
O conhecimento dos dados genéticos suscita, também, problemas relacio-
nados a uma nova dimensão da intimidade. Intimidade é a esfera individual
de projeção do indivíduo em sua relação interior. O direito à intimidade ge-
nética construiu-se a partir do princípio constitucional da intimidade, e pode
ser denido como o direito de determinar as condições de acesso à informação
genética. Está ligado de maneira estreita ao princípio da dignidade humana,
razão pela qual sua interpretação traz consequências relevantes na determina-
ção dos sujeitos ativo e passivo.
Quem seriam os sujeitos ativos do direito à intimidade genética? O proble-
ma está em determinar se o sujeito é a pessoa natural ou o ser humano. As con-
sequências são claras. Se entendermos que somente a pessoa natural pode ser
sujeito ativo do direito à intimidade genética, a conclusão que se extrai é óbvia:
há entes que também podem ser qualicados como “humanos”, ou “pessoas
por nascer”, porque são possuidores de um genoma diferenciado, mas despro-
vidos da proteção que se dá aos seres nascidos. De acordo com esse raciocínio,
todos os seres não nascidos poderiam ser objeto de manipulação genética.
Outro aspecto que devemos enfrentar é o relativo ao direito à informação
genética. Uma vez realizada a pesquisa com o consentimento do sujeito ativo,
o resultado da mesma deve ser-lhe disponibilizado. Mas, e se houver recusa
quanto à vontade de saber a verdade sobre os dados genéticos? O direito de
não saber dos resultados das pesquisas agura-se direito personalíssimo, de-
vendo, portanto, ser sempre respeitado?
Esse direito de não saber levanta especial polêmica quando se trata de aná-
lises ou provas genéticas. É que certas provas genéticas podem gerar infor-
mações essenciais não só ao interessado, sujeito da pesquisa, mas também a
terceiros, como familiares e descendentes. E aí se instala o dilema. O que fazer
se o indivíduo se nega a conhecer o resultado da pesquisa e ainda não permite
que se disponibilize a informação aos familiares que poderiam se ver afetados?
Todos esses novos problemas só podem ser visualizados em razão do es-
tado do conhecimento acerca das informações genéticas do ser humano – os
dados genéticos. E esse conhecimento deu-se, especialmente, com o Projeto
Genoma Humano, que a partir de 1990 cataloga e analisa os dados genéticos
contidos nas células humanas. Passamos a analisá-lo.
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