Direitos da personalidade e personalidade do nascituro

AutorMaria De Fátima Freire De Sá/Bruno Torquato De Oliveira Naves
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela UFMG e Mestre em Direito pela PUC Minas/Doutor e Mestre em Direito Privado pela PUC Minas
Páginas53-85
Importa que nos consciencializemos do signicado do
HOMEM e de sua inserção em uma comunidade livre, tal
como se lê no artigo 1º da DECLARAÇÃO de Paris, tudo
expressivamente rearmado no Documento de Argel. Não
se trata de HOMEM-INDIVÍDUO-ABSTRATO, termo
que acoberta interesses de classe, dominantes no terreno
político, ou no da preeminência dos que detêm e se be-
neciam do CAPITAL opressor. O que está em causa é o
HOMEM-PESSOA-CONCRETA, titular de direitos civis
e políticos (artigos 2º a 21), mas também de direitos eco-
nômicos, sociais e culturais (artigos 22 a 28), sob o signo
da LIBERDADE, da IGUALDADE e da FRATERNIDADE
(artigo 1º).1
1. INTRODUÇÃO E CONCEITOS INICIAIS
Direitos da personalidade são aqueles que têm por objeto os diversos as-
pectos da pessoa humana, caracterizando-a em sua individualidade e servindo
de base para o exercício de uma vida digna. São direitos de personalidade a
1 Trecho do discurso de paraninfo proferido pelo Prof. Edgar de Godói da Mata-Machado aos
formandos de 1979 da Faculdade de Direito da UFMG. AFONSO, Elza Maria Miranda. O
direito fundado na dignidade do homem. Revista da Faculdade Mineira de Direito (PUC Minas),
Belo Horizonte, n. 3 e 4, v. 2, p. 39-51, 1º e 2º sem. 1999, p. 49.
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DIREITOS DA PERSONALIDADE
E PERSONALIDADE DO NASCITURO
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MARIA DE FÁTIMA FREIRE DE SÁ | BRUNO TORQUATO DE OLIVEIRA NAVES
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vida, a intimidade, a integridade física, a integridade psíquica, o nome, a hon-
ra, a imagem, os dados genéticos e todos os seus demais aspectos que projetam
a sua personalidade no mundo.
Como já alertamos em outra oportunidade:
[...] personalidade e direitos de personalidade, apesar de intrincados são ins-
titutos distintos.
Num primeiro sentido, tem-se o atributo de constituição do sujeito enquanto
partícipe de relações e situações jurídicas – a personalidade. A pessoa é o ente
dotado de personalidade e, como tal, apta a possuir direitos e deveres na or-
dem jurídica. Em outro sentido, veem-se aspectos próprios da pessoa atuando
como objeto de relações ou situações jurídicas – os direitos de personalidade.
Dito de outra forma: o primeiro enfoca a pessoa em seu aspecto subjetivo,
permitindo que alguém seja sujeito de relações e situações jurídicas. Já os di-
reitos de personalidade concentram-se no aspecto objetivo, isto é, são objeto
de relações e situações jurídicas.2
O Código Civil de 2002 foi o primeiro instrumento legislativo brasileiro a
trazer a expressão “direitos da personalidade”, regulando-os nos arts. 11 a 21.
A defesa e a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos da per-
sonalidade alcançaram grande importância nos últimos tempos em razão dos
avanços cientícos e tecnológicos experimentados pela humanidade que, se de
um lado, trazem benefícios vários, de outro, potencializam riscos e danos a que
podem estar sujeitos os indivíduos. Várias discussões permeiam o tema, tais
como: Podemos pensar a vida como o simples respirar, como a garantia da “bati-
da de um coração”? Quais os limites à redesignação do estado sexual? O embrião
é pessoa? A clonagem de seres humanos pode ser o meio para a cura de doenças?
Para introduzir o assunto, entendemos por bem consultar o “Houaiss” e in-
vestigarmos, ainda que de forma rápida, o sentido de “dignidade”, palavra-cha-
ve para a construção do pensamento que norteará este capítulo. Dignidade
signica “qualidade moral que infunde respeito; consciên cia do próprio valor;
honra, autoridade, nobreza”.3
2 NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Direitos de personalidade e dados genéticos. Belo
Horizonte: Escola Superior Dom Helder Câmara, 2010, p. 17.
3 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1040.
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BIOÉTICA E BIODIREITO
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Ao lado desse substantivo abstrato, outra palavra deve ser considerada,
porque também derivada do verbo “dignicar, que é o termo “dignicação”,
ou seja, tornar digno. É que o processo de dignicação, por sua vez, nos levará
a concepções sobre dignidade da vida, conceito que sempre instiga a atenção
de muitos, exatamente porque não se apresenta de maneira unívoca, haja vista
a multiplicidade de valores culturais, religiosos e éticos desenvolvidos nas so-
ciedades plurais e democráticas.
Além dos assuntos biojurídicos inicialmente questionados, outros são dis-
cutidos sob o manto da dignidade humana e dos direitos da personalidade.
Não raras são as discussões no foro trabalhista sobre a possibilidade ou não
de o empregador compelir funcionárias à revista pessoal, com despimento de
roupas íntimas sob ameaça de dispensa por justa causa, justicando a atitude
em regulamentos de segurança do patrimônio empresarial. Nas varas de fa-
mília, discute-se se uma pessoa pode ou não ser obrigada, “debaixo de vara”, a
realizar exame de DNA para ns de investigação de paternidade, também sob
a luz dos direitos da personalidade.4
Lembramos, também, o emblemático caso do “arremesso de anão”, citado
por Gustavo Tepedino, em que também se discutia o valor da pessoa huma-
na. Trata-se de decisão do Conselho de Estado da França que conrmou Ato
Administrativo baixado pelo Prefeito da cidade de Morsang-sur-Orge, que
proibiu a realização de um inusitado espetáculo que ocorria em determinada
discoteca da região, chamado de “arremesso de anão”. Certo é que o indivíduo
de pequena estatura era transformado em projétil e arremessado, pela plateia,
de um ponto a outro da boate.5
4 Sobre o assunto, Taisa Maria Macena de Lima manifesta-se: “Na verdade, tanto a identidade
genética quanto a intimidade e a intangibilidade do corpo humano são componentes da
dignidade da pessoa, de modo que a dignidade do investigado e a dignidade do investigante
estão em confronto. Impossível atender a um sem o sacrifício do outro.” (LIMA, Taisa Maria
Macena de. Filiação e Biodireito: uma análise das presunções em matéria de liação em
face da evolução das ciências biogenéticas. In: SÁ, Maria de Fátima Freire de Sá; NAVES,
Bruno Torquato de Oliveira. Bioética, biodireito e o Código Civil de 2002. Belo Horizonte:
Del Rey, 2004, p. 275.) Ver, ainda: BRASIL. STF, HC n. 71.373-4, RS, de 10/11/1994 (DJU,
22/11/1994, p. 45686).
5 TEPEDINO, Gustavo. Direitos humanos e relações jurídicas privadas. In: TEPEDINO,
Gustavo. Temas de direito civil. Rio de janeiro: Renovar, 1999, p. 55-71.
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