Os desafios de uma magistratura econômica joão bosco leopoldino da fonseca

AutorJoão Bosco Leopoldino da Fonseca
Ocupação do AutorLicenciado em Letras Neolatinas pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia Ciências e Letras de São João del Rei. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da UFMG. Professor Titular de Direito Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Federal...
Páginas23-66
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OS DESAFIOS DE UMA
MAGISTRATURA ECONÔMICA
THE ECONOMIC CHALLENGES
FOR JUDICIAL COURTS
João Bosco Leopoldino da Fonseca1
RESUMO
A Constituição de 1988 adotou o regime de economia de mercado. Centra-se
o regime num fundamento ético, econômico e numa exigência de interdiscipli-
naridade. Problemas decorrentes da inovação e da concorrência internacional
impõem a necessidade de armação de uma magistratura econômica. A inu-
ência de decisões norte-americanas e europeias em antitruste e direito da con-
corrência. A expertise das Agências Reguladoras e os limites ao Poder Judiciário.
O questionamento do Juiz generalista num mundo de crescente especialização.
Palavras-Chave: Economia de mercado. Inovação tecnológica. Magistratura
econômica. Especialização. Decisões de mérito das agências reguladoras.
Limites ao questionamento no Judiciário.
1 Licenciado em Letr as Neolatinas pela Fac uldade Dom Bosco de Filos oa Ciências e Letra s de
São João del Rei. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de
Minas Gera is. Doutor em Direito Econômico pela Fac uldade de Direito da UFMG. P rofessor
Titular de Direito E conômico da Faculdade de D ireito da Universidade Federa l de Minas
Gerais. Ex-Juiz do Trabal ho do TRT da 3ª Região. Juiz Federa l Aposentado. Ex-Conselheiro
do Conselho Admi nistrativo de Defe sa Econômica – CADE. Advog ado militante in scrito
na OAB-MG sob o nº 10.907. Membro do Instituto dos Advogados de Minas G erais.
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JOÃO BOSCO LEOPOLDINO DA FONSECA
ABSTRACT
e 1988 Constitution adopted the market economy regime. e regime focu-
ses on an ethical, economic foundation and a demand for interdisciplinarity.
Problems arising from innovation and international competition require the
armation of an economic judiciary. e inuence of US and European deci-
sions on antitrust and competition law. e expertise of Regulatory Agencies
and the limits to the Judiciary. e Generalist Judge’s Questioning in a World
of Growing Specialization.
Key Words:Market economy. Technological innovation. Economic judiciary.
Specialization. Decisions on the merits by regulatory agencies. Limits to the
submission to the judiciary.
INTRODUÇÃO
O mundo moderno, alguns preferem dizer “pós-moderno”, se apresenta
como uma autêntica e nova revolução social, econômica e jurídica. O Brasil, a
partir de 5 de outubro de 1988, com uma Constituição que rompeu vários la-
ços com o passado, fez opção por um novo regime econômico. Encerrando um
ciclo de intervenção do Estado no domínio econômico, desde a Constituição
de 1934, o Brasil se incluiu entre os países que adotaram um regime liberal
de economia de mercado. Observe-se que a Constituição brasileira não se va-
leu da expressão “economia de mercado”, como ocorreu na Constituição da
Espanha de 1978, como se lê em seu artigo 38:
Artículo 38 – Se reconoce la libertad de empresa em el marco de la
economía de mercado. Los poderes públicos garantizan y protegen su
ejercicio y la defensa de la productividad, de acuerdo com las exigên-
cias de la economia general y, em su caso, de la planicación”. (2).
Seguindo a linha já predominante em outros países, o País incorpora
o liberalismo econômico, como se pode ver pela conjunção das disposições
constantes do artigo 1º, incisos I, II, III, IV e V, com as do artigo 170, incisos I,
II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX, que exigem uma análise contextual. Uma leitura
atenta do artigo 170 e seus incisos nos revela todos os elementos constitutivos
de uma economia de mercado.
2 Les Constitutio ns de l’Europe des Douze , Textes rassemblés et présentés par Henri Ob erdor,
Paris, La doc umentation Française, 1992.
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OS DESAFIOS DE UMA MAGISTRATURA ECONÔMICA
1. O CONTEÚDO ÉTICO DE UMA ECONOMIA DE MERCADO
Os benefícios da globalização, com resistências justicáveis e injustica-
das, trouxeram sensíveis inovações. Embora reconhecendo os efeitos negati-
vos da globalização, e pugnando por corrigi-los, PASCAL LAMY salienta que
“a mundialização desfez numerosas barreiras; ela pode favorecer o crescimen-
to da liberdade, da democracia, da inovação e das trocas sociais e culturais ao
oferecer enormes possibilidades de diálogo e de entendimento(3). Aos poucos
vamos perdendo uma espécie de ranço ideológico ao conceituar e porar pela
concretização de uma economia de mercado, em que deve haver um equilíbrio
entre os valores sociais do trabalho, a livre inciativa e a defesa do consumidor.
O regime de economia de mercado se insere num contexto humanístico de
armação da dignidade humana, concretizando os princípios estabelecidos no
artigo 1º e no artigo 170 da Constituição de 1988. Os princípios fundamentais
elencados no artigo 1º, soberania, cidadania, armação da dignidade da pessoa
humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político,
são a base informadora de todas regras que estruturam a economia de mercado.
BENTO XVI, na Encíclica Caritas in Veritate, publicada em 2009, ensina
que o mercado se insere dentro de um contexto de compreensão humanista e
por isso corporica a solidariedade, o respeito mútuo e a conança. Assim, em
vez de ser um ponto de confronto, é um lugar de encontro entre as pessoas:
O mercado, se houver conança recíproca e generalizada, é a insti-
tuição econômica que permite o encontro entre as pessoas, na sua
dimensão de operadores econômicos que usam o contrato como re-
gra das suas relações e que trocam bens e serviços entre si fungíveis,
para satisfazer as suas carências e desejos. O mercado está sujeito aos
princípios da chamada justiça comutativa, que regula precisamente
as relações do dar e receber entre sujeitos iguais. Mas a doutrina so-
cial nunca deixou de por em evidência a importância que tem a justi-
ça distributiva e a justiça social para a própria economia de mercado,
não só porque integrada nas malhas de um contexto social e político
mais vasto, mas também pela teia das relações em que se realiza. De
fato, deixado unicamente ao princípio da equivalência de valor dos
bens trocados, o mercado não consegue gerar a coesão social de que
necessita para bem funcionar. Sem formas internas de solidariedade
e de conança recíproca, o mercado não pode cumprir plenamente a
própria função econômica. E, hoje, foi precisamente esta conança
que veio a faltar; e a perda da conança é uma perda grave (4).
3 LAMY, Pascal. Hu maniser la mondial isation. Forum du Comme rce International – nº 1/2006.
4 BENTO XVI. Car itas in Veritate, 2009.
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