Direito desportivo e justiça desportiva

AutorMauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
Páginas119-141

Page 119

Venda de Bebidas Alcoólicas nos Estádios de Futebol

Publicado no site Painel Acadêmico em 26.08.2015

No início do mês de agosto de 2015, foi sancionada pelo Governo de Minas Gerais, a Lei n. 21.737/2015, que autoriza a comercialização de bebida alcoólica nos estádios de futebol, além de estabelecer critérios para regulamentar a venda e o consumo.

De acordo com a previsão legislativa estadual, as vendas podem ser feitas durante um determinado período, compreendido entre a abertura dos portões até o fim do intervalo do primeiro para o segundo tempo. Outrossim, a lei proíbe a comercialização e o consumo nas arquibancadas e cadeiras do estádio. Ainda de acordo com o texto, o responsável pela gestão do estádio de futebol definirá os locais nos quais a comercialização e o consumo de bebidas serão permitidos. Aquele consumidor que descumprir a lei poderá ser retirado do local e pagar multa de R$ 1.361,45. Para quem vende a bebida, o descumprimento da lei implicará em multa de R$ 13.614,45. Tais valores poderão dobrar na hipótese de reincidência.

Tal previsão legal não é novidade, tendo em vista que o Estado de Minas Gerais seguiu o caminho pioneiro trilhado na Bahia e no Rio Grande do Norte que já tinham liberado a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, sendo que no Nordeste não há proibição da venda ou o consumo nas arquibancadas.

De fato, a Bahia e o Rio Grande do Norte foram os precursores e atualmente colhem os frutos dessa salutar medida, tendo em vista que não houve aumento da violência nos estádios de futebol. Em contrapartida, houve aumento da arrecadação de impostos, ainda que em números módicos, pelo menos nesse momento inicial e de adaptação.

Com efeito, o Estatuto do Torcedor não proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol. A vedação imposta pela lei é proibir a entrada no estádio do torcedor que estiver de posse de objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência.

Logo, não há qualquer proibição de venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, podendo se concluir que eventual vedação neste sentido

Page 120

poderá acarretar violação ao disposto no art. 5º, inciso II da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe que ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei.

Em artigo doutrinário publicado pelo Instituto Brasileiro de Direito Desportivo — IBDD, o professor Gustavo Lopes Pires de Souza pondera que no Brasil, a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol são proibidos mediante a adoção das seguintes medidas:

a) Legislações infraconstitucionais, expedidas por Assembleias Legislativas, assim como ocorre no Estado de São Paulo por meio da Lei n. 9.470/1996, no Estado do Rio Grande do Sul (Lei n. 12.916/2008), no Estado do Pernambuco (Lei n. 13.748/2009) e no Estado do Rio de Janeiro (Lei n. 2.991/1998).

b) Mediante a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC’s) em vigor nos estados de Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Paraná e Distrito Federal.

c) Resolução da Presidência da CBF n. 1/2008, expedida após termo de adendo realizado junto ao Protocolo de Intenções celebrado com o Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público dos Estados e da União.

O Estado de São Paulo foi um dos primeiros a banir a venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol, fato esse que ocorreu após a tragédia do Estádio do Pacaembu protagonizada entre torcedores do Palmeiras e do São Paulo Futebol Clube que duelaram com tamanha agressividade que o resultado foi a morte de um torcedor, durante a final da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 1995. Foi naquele momento que se estabeleceu a premissa de proibição de venda de bebidas alcoólicas nos estádios como medida de combate à violência.

No ano de 2011, foi divulgado o resultado de um estudo realizado pela Federação Pernambucana de Futebol (FPF) em parceria com o Juizado Estadual do Torcedor (PE). Naquele documento restou concluído que os casos de briga e de vandalismo tendem a ocorrer fora dos estádios de futebol, em perímetros distantes das arenas esportivas.

Nada obstante, a regulamentação da venda de bebidas alcóolicas nos estádios de futebol não é vista com bons olhos pelo Ministério Público.

No caso de Minas Gerais, o Ministério Público (MP) já confirmou que o promotor de justiça de defesa do consumidor local vai apresentar ao Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando a lei que permite a venda de bebidas alcoólicas nos estádios.

Page 121

Cabe aqui registrar que já tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 5112, ajuizada pelo próprio Procurador-Geral da República, na qual foi deferido o ingresso, como amicus curiae, da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público — CONAMP.

A Adin 5112 questiona a legalidade da Lei Estadual n. 12.959/2014, da Bahia, uma das que libera a venda e o consumo de álcool nos estádios. O Espírito Santo também autorizou a comercialização por meio da Lei Ordinária n. 10.309/2014. O relator da referida ADIN é o Ministro Edson Fachin.

A medida mais correta a ser adotada é a punição, de forma exemplar e eficiente, daquele torcedor responsável por práticas violentas nos estádios e nas redondezas. Contudo, proibir a venda de bebida alcóolica em estádios de futebol é medida autoritária, repressora e inócua. O que realmente vai estancar a violência é a certeza da punição e a vigilância feita por profissionais preparados.

Talvez um dos maiores legados deixados pela Copa do Mundo de futebol em 2014, foi a certeza de que a venda de bebida alcóolica nos estádios estimula a presença do torcedor, aumenta a arrecadação de tributos pelo Estado, aumenta a geração de empregos e não guarda relação com o aumento da violência.

A conscientização da população e a punição dos arruaceiros e criminosos (que não são torcedores) é que deveriam ser estimuladas e promovidas e não a atitude radical de simplesmente se proibir a venda de bebidas alcóolicas.

Aliás, a história mundial demonstra que a adoção de medidas autoritárias produziu efeito inverso ao pretendido.

O Racismo no Futebol e a Omissão das Autoridades

Apesar de todo o processo evolutivo do ser humano, ainda hoje, existem casos de discriminação racial praticados nas arenas esportivas.

O Observatório da Discriminação Racial no Futebol tem o objetivo de monitorar e divulgar os casos de racismo no futebol. O lançamento do Relatório deste ano será cercado de simbolismos e tradição.

É que o Relatório da Discriminação Racial no Futebol de 2015 foi lançado em evento organizado entre o Vasco e o Observatório, dia 10 de outubro, no Estádio de São Januário, local que recebeu de braços abertos os negros para as disputas de futebol quando tal fato era privilégio de uma elite branca, em sua maioria formada por estrangeiros, além de ter sido palco da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho no ano de 1943.

Page 122

O Relatório traz dados impressionantes de incidentes raciais, homofóbicos e xenofóbicos e descreve 37 casos envolvendo o futebol brasileiro, além de 4 casos que aconteceram em outros esportes no território nacional e 9 casos de jogadores brasileiros que se envolveram em episódios com torcidas de outros países.

Em pleno século XXI, é de lamentar que situações como essas ainda se fazem presentes, afinal, o futebol tem a graciosa virtude de unir culturas e povos, sem distinção de credo, raça ou origem. A linguagem da bola é universal. Contudo, as ocorrências de discriminação racial ocorridas nas partidas de futebol em território brasileiro demonstram, de forma inconteste, que o preconceito é uma chaga que envergonha o nosso país e que tem que ser erradicada de uma vez por todas.

O jornalista e historiador Laurentino Gomes, na obra 188968, explica que o Brasil era viciado em escravidão e resistiu, enquanto pôde, às campanhas abolicionistas, sendo que em meados do século XIX, a situação chegou a tal ponto que a Inglaterra, maior potência militar e econômica daquela época, passou a dedicar ao nosso país tratamento equivalente ao reservado aos estados barbarescos do Norte da África envolvidos com a pirataria e o tráfico de escravos. Sob a mira dos canhões britânicos, os navios negreiros eram aprisionados a caminho da costa brasileira e submetidos à Corte de Justiça inglesa, que geralmente confiscava as embarcações e devolvia suas “cargas” humanas ao litoral da África.

Em 1831 foi aprovada a primeira lei brasileira de combate ao comércio negreiro, por pressão da Inglaterra. Todavia, a referida legislação “nunca pegou”. Era, como se dizia na época, “uma lei para inglês ver”. Mesmo com a proibição oficial, o tráfico continuou de forma intensa respaldado na leniência das autoridades constituídas.

Na obra O negro no futebol brasileiro, Mário Filho relata que no início do século XX o futebol era praticado quase que exclusivamente por clubes de engenheiros e técnicos ingleses, além de jovens da elite metropolitana que conviviam neste espaço. A base dos principais times de futebol era formada por profissionais liberais, servidores públicos, acadêmicos e bacharéis em direito que monopolizavam os campeonatos nos bairros de elite.

A Lei Áurea foi promulgada em 13 de maio de 1888, logo é compreensível que no início do século XX apenas uma elite privilegiada praticasse o esporte.

A quebra deste paradigma ocorreu somente em 1923...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT