Direito desportivo tributário

AutorMauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
Páginas30-48

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“Fair Play Financeiro” e a Medida Provisória n 671/2015

(Publicado no site Painel Acadêmico em 06.05.2015)

O elevado valor das dívidas contraídas pelos clubes de futebol e a incapacidade de seus dirigentes, em sua maioria, de liquida-las, fez com que tanto o Poder Executivo quanto o Poder Legislativo entrassem em campo no intuito de viabilizar a própria sobrevivência das entidades de prática desportiva.

O auxílio do Poder Público é plenamente justificável, pois em que pese a origem privada das entidades de administração do desporto (Federações e CBF) e das entidades de prática desportiva (clubes), o futebol é mais do que uma paixão popular, podendo ser inserido como parte integrante da cultura do povo brasileiro. Além disso, o torcedor sequer sonha em cogitar que o seu clube de coração feche as portas. O torcedor adversário também não, do contrário, a emoção dos confrontos com o rival não terá a menor graça.

O futebol (e o esporte de um modo geral) possibilita essa situação inusitada, o que não ocorre em uma disputa comercial, por exemplo. Afinal, se uma companhia aérea, por exemplo, encerrar as suas atividades, sua concorrente irá comemorar. No esporte, isso não acontece, razão pela qual o clube não pode ser tratado como uma empresa.

As discussões em torno do “fair play” financeiro são discutidas mundialmente. Em setembro de 2014 foi noticiado que a UEFA utilizaria as multas dos times que não seguissem o “fair play” financeiro para recompensar os rivais dos que transgrediram as novas regras financeiras. Com isso, Manchester City, PSG e Zenit, primeiros clubes a sofrerem sanções foram obrigados a pagar suas multas praticamente para alguns de seus rivais.

A Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (PL n. 5.201/13) mantém alguns pontos básicos da proposta inicial, o antigo Proforte, como o prazo de refinanciamento de dívidas em 240 meses e o abatimento de multas e também traz as tão discutidas contrapartidas, como o rebaixamento de clubes que voltarem a atrasar pagamentos após a renegociação, limites para antecipação de receitas e responsabilização pessoal de dirigentes que descumprirem as regras.

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Enquanto isso, o Governo Federal foi mais eficiente em seu ataque e editou a Medida Provisória n. 671/2015, que estabelece o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) e contempla determinadas reivindicações do Ministério da Fazenda e contraria parlamentares que defendem o projeto de lei que já tinha sido votado na Câmara.

O texto aprovado na MP também desagradou os dirigentes desportivos, tendo em vista que as “contrapartidas” para o pagamento facilitado da dívida foram maiores do que o esperado.

Um dos requisitos para se aderir ao Profut é a comprovação de que os custos com a folha salarial dos atletas profissionais de futebol (também incluídas as despesas com direito de imagem, cuja natureza é indenizatória), não superam 70% da receita bruta anual. Contudo, não existem elementos para se apurar qual foi o critério utilizado para definir esse percentual.

Além disso, para a adesão ao Profut foi determinada a manutenção de investimento mínimo na formação de atletas e no futebol feminino. Em que pese a ausência de definição do valor e a resistência de alguns clubes, trata-se de uma medida que pode ser salutar e democrática.

Alemanha e Estados Unidos possuem modelos diferentes para estimular a categoria feminina, porém, o princípio é semelhante: ambas contam com as federações como fonte de financiamento. A participação de patrocinadores e dos clubes também é fundamental.

Apenas para participar da competição organizada pela federação alemã, a DFB, os times da divisão principal recebem o valor anual de 180 mil euros. Além disso, a Alemanha organiza cinco ligas e disputas da categoria de base. É a receita para se formar uma equipe campeã. Na última temporada, a federação alemã investiu, no futebol feminino, o equivalente a 23 milhões de reais.

As federações brasileiras possuem receita para investir no futebol feminino e a CBF deve participar para não se restringir à Seleção Feminina de futebol.

O clube que aderir ao Profut deverá estar preparado, pois a adesão implica na confissão irrevogável e irretratável dos débitos abrangidos pelo parcelamento e configura confissão extrajudicial. Tal fato deve ser avaliado com cautela, na medida em que estariam abrangidas no acordo as ações judiciais em andamento, incluindo aquelas em que os clubes estão em vias de vencer o governo em ações de contestação do valor de suas dívidas.

Se o clube for excluído do Profut, conforme previsão contida na Medida Provisória n. 671, será apurado o valor original do débito, com os acréscimos

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legais vigentes na legislação aplicável à época da ocorrência dos fatos geradores, fazendo com que o clube perca todos os benefícios do Profut e de demais mecanismos a que tenha aderido, inclusive os da Timemania, o que demanda cautela em razão das consequências financeiras.

Ao formalizar adesão, o clube deverá obedecer a todas as regras estipuladas na MP n. 671, sob pena de se sujeitar às seguintes sanções:

  1. advertência;

  2. proibição de registro de contrato especial de trabalho desportivo;

  3. descenso para a divisão imediatamente inferior;

  4. eliminação do campeonato do ano seguinte.

Outro ponto alvo de críticas é a ausência de um escalonamento na aplicação de sanção, o que dará ensejo para o clube ser sancionado na primeira infração com uma advertência e outro clube com o rebaixamento, a demons-trar elevado subjetivismo.

Porém, as contrapartidas não param por aí.

Os clubes que aderirem ao Profut, somente poderão disputar competições organizadas por entidade de administração do desporto ou liga que, entre outros: a) limite em até quatro anos o mandato de seu presidente ou dirigente máximo e demais cargos eletivos (e permita uma única recondução); b) estabeleça a participação de atletas nos colegiados de direção e na eleição para os cargos da entidade.

Logo, esses clubes não poderão disputar, por exemplo, a Libertadores da América e o Campeonato Mundial de Clubes, competições organizadas, respectivamente, pela Conmebol e pela Fifa, entidades que não contemplam as disposições estipuladas na MP n. 671 em seus estatutos.

A primeira reunião da Comissão Mista da Medida Provisória n. 671/15 — que é composta pelo Senador Sérgio Petecão (PSD-AC), o Deputado Andrés Sanchez (PT-SP), o Deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) e o Senador Zeze Perrella (PDT-MG) — foi realizada no dia 28.04.2015, tendo o senador mineiro asseverado se tratar a MP de uma “interferência direta do Estado na vida dos clubes, algo que jamais aconteceu.”

Atualmente, a dívida dos clubes de futebol do Brasil está apurada em aproximadamente 3 bilhões de reais, o que, de fato, enseja uma participação do Governo no intuito de viabilizar o pagamento da dívida mediante contrapartidas. Todavia, estas não podem interferir na autonomia dos clubes e das federações, pois assim determina o art. 217 da Constituição Federal.

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O Profut e os Vetos da Presidente da República

(*)Publicado no site Painel Acadêmico em 13.08.2015)

O Diário Oficial da União de 5 de agosto de 2015 trouxe a publicação da Lei n. 13.155/2015, com alguns vetos da Presidente da República em relação ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados quando da tramitação da Medida Provisória n. 671/2015, agora convertida na lei em comento que estabelece: a) princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol; b) institui parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela União, c) cria a Autoridade Pública de Governança do Futebol — APFUT;

d) dispõe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profissionais; e) cria a Loteria Exclusiva — LOTEX; f) cria programa de iniciação esportiva escolar; e altera dispositivos da Lei Pelé.

A data em destaque é sugestiva, tendo em vista que no dia 5 de agosto de 2016 o Brasil se tornou sede dos Jogos Olímpicos, momento no qual todas as atenções estavam voltadas para o Brasil e em especial para a cidade do Rio de Janeiro.

A Lei n. 13.155/2015 pode ser um instrumento capaz de provocar profundas mudanças no cenário desportivo nacional, na medida em que, dentre outros pontos, adota medidas de responsabilidade fiscal dos clubes e apesar de ser voltada para o futebol, poderá fazer com que as entidades de prática desportiva passem a dar mais atenção para outras modalidades, denominadas de amadoras.

Com efeito, não é crível que modalidades como o basquetebol e o voleibol, por exemplo, apesar dos altos valores pagos aos atletas participantes, sejam tratadas como modalidades amadoras apenas por não haver a obrigatoriedade legal de registro do contrato de trabalho do atleta na respectiva entidade de administração do desporto.

Em relação ao texto que tramitou no Congresso Nacional, foram objeto de veto presidencial os seguintes dispositivos:

1) Foi vetado o art. 30 que autorizava o Poder Executivo Federal instituir modalidade de loteria por cota fixa sobre o resultado e eventos associados a competições esportivas de qualquer natureza vinculadas a entidades organizadas, sendo explorada pela Caixa Econômica Federal. A justificativa do veto foi o fato da criação de loteria por cota fixa exigir uma regulamentação mais abrangente, de modo a garantir maior segurança jurídica e econômica à modalidade, níveis adequados de controle de fraude e evasão de divisas. Além disso, a medida não continha previsão de mecanismo para prevenção de eventual impacto social negativo.

2) O art. 38 inseria o inciso VII ao...

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