Direito desportivo penal

AutorMauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
Páginas15-29

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Concurso de Pessoas e Corrupção no Desporto
Resumo do Tema Introdução

O presente artigo foi elaborado e apresentado durante o segundo período letivo do Mestrado realizado na Universidade Autônoma de Lisboa durante o ano de 2017. O seu objetivo foi o de fazer uma análise comparativa do instituto da comparticipação em Portugal e no Brasil, bem como apresentar exemplos práticos de sua aplicação no campo do Direito do Desporto.

Já na década de 1960, alertava Serrano Neves1 que com o incentivo estatal para a prática generalizada do desporto, a ciência penal adquiriu novos rumos, razão pela qual os regulamentos desportivos, através da construção jurisprudencial gradual, passaram a complementar as regras escritas do direito, numa triunfal adaptação desse ao fato, e, portanto, à vida.

O direito internacional do desporto é uma realidade em franco desenvolvimento, profundamente influenciada pelo cruzamento de diferentes tendências que marcam o direito internacional, o direito constitucional e o direito penal.

Diante desse espetáculo de globalização é imprescindível a presença de mecanismos que coíbam a corrupção no desporto, com a finalidade primordial de se preservar a verdade desportiva, quer no âmbito criminal quer na questão disciplinar.

O autor de um crime pode ser definido como o agente que tiver dado causa à sua realização. Contudo, tal definição não contempla a punição das pessoas que colaboraram com o ato criminoso, sem, todavia, o executar.

A participação tem natureza acessória, derivando a sua criminalidade do alargamento da punição do fato principal, razão pela qual exige-se que, para se punir o cúmplice ou o instigador, que o executor tenha praticado um fato punível (acessoriedade rigorosa), ou apenas um fato típico e ilícito (acessoriedade limitada) ou, quando menos, um fato típico (acessoriedade mínima).

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A verdade desportiva é tão importante que deve ser regida pelo Direito Penal. Contudo, convém não confundir o direito penal com o direito disciplinar, conforme será demonstrado.

Conceito de autor

A mais antiga concepção sobre a relação do sujeito com o fato é a teoria unitária de autor, na lição de Juarez Cirino dos Santos, que, ao citar Roxin define autor como aquele que “produz qualquer contribuição causal para a realização do tipo injusto”2.

A fórmula primitiva da teoria unitária de autor não faz distinção entre autor e partícipe. De acordo com o autor supracitado, “as diferenças objetivas e subjetivas de contribuição dos autores não são matéria do tipo de injusto, mas problema da aplicação da pena, como medida da culpabilidade individual.”

Logo, percebe-se que essa teoria trata todos como autores, pois se todas as contribuições causais para o resultado típico são equivalentes, todos são autores do fato punível. Porém, tal conceito é alvo de críticas e vem sendo abandado pelos ordenamentos jurídicos, na medida em que simplifica a atuação do Direito Penal.

A primeira tentativa científica de se distinguir autor de partícipe, com base no critério objetivo formal da ação típica foi feito com o conceito restritivo de autor. O partícipe realiza ação de instigação ou de ajuda extratípica para a realização do tipo de injusto, punível por extensão da punibilidade da ação típica.

Ainda de acordo com Cirino dos Santos, “o mérito do conceito restritivo de autor reside em fundamentar a distinção de autor e partícipe na produção do fato típico — um critério formal rigoroso em todas as hipóteses de autoria direta do tipo de injusto —, mas tem o defeito de não explicar as hipóteses de autoria mediata.3

Autoria Direta, Autoria Mediata e Autoria Cole va

As formas de autoria podem ser classificadas em autoria direta, autoria mediata e autoria coletiva.

A autoria direta define a realização pessoal do tipo delituoso pelo autor, mediante atividade do próprio corpo, que detém, de forma exclusiva, o

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domínio do fato. A questão da autoria se reduz ao problema criminalístico de identificação da pessoa física do autor, resolvida integralmente pelo conceito restritivo de autor, absorvido pela teoria do domínio do fato, conforme lição de Cirino dos Santos.4

Já a autoria mediata, de acordo com o autor brasileiro acima citado, define a realização do tipo de injusto com o domínio da vontade de outrem, utilizado como instrumento, que realiza o fato em posição subordinada ao controle do autor. Portanto, não há que se falar em autoria mediata quando:

  1. o terceiro não é instrumento nas mãos do autor mediato, mas (co)autor plenamente responsável; b) nos tipos especiais próprios, que exigem autores com qualificação especial; c) nos tipos de mão própria, que exigem realização corporal da ação típica pelo autor; e d) nos tipos de imprudência, por ausência de vontade construtora do acontecimento — e, portanto, por ausência de domínio do fato.”5

Por fim, Cirino dos Santos esclarece que autoria coletiva, também denominada de coautoria, é definida pelo domínio comum do tipo de injusto mediante divisão do trabalho entre os coautores: a) subjetivamente, decisão comum de realizar (com consciência e vontade) tipo de injusto determinado, que fundamenta a responsabilidade de cada coautor pelo fato típico comum integral; b) objetivamente, realização comum do tipo de injusto, mediante contribuições parciais no domínio comum do fato típico. A convergência subjetiva e objetiva dos coautores exprime acordo de vontades, expresso ou tácito, para realizar tipo de injusto determinado.6

CoAutoria

Coautoria pode ser definida como a realização conjunta, por mais de uma pessoa, de uma mesma infração penal.

Trata-se da atuação consciente de estar contribuindo na realização comum de uma infração penal. Tal consciência constitui o liame psicológico que une a ação de todos, dando a característica de crime único.

A coautoria fundamenta-se no princípio da “divisão do trabalho”, em que todos tomam parte, atuando de forma conjunta na execução da ação principal, de uma tal maneira que cada um dos agentes possa ser chamado de autor.

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Com efeito, na coautoria não há relação de acessoriedade, mas a imediata imputação recíproca, na medida em que cada um tem um papel essencial na consumação do objetivo comum.

Concurso de Pessoas

É com frequência que a ação delituosa apareça como produto da concorrência de várias condutas praticadas por sujeitos distintos. Na lição de Cezar Bitencourt7, essa reunião de pessoas no cometimento de uma infração penal dá origem ao chamado concursus delinquentium. A cooperação na realização do fato típico pode ocorrer desde a elaboração intelectual até a consumação do delito. Irão responder pelo ilícito: a) o que ajudou a planeja-lo; b) o que forneceu os meios materiais para a execução; c) o que intervém na execução; e d) os que colaboram na consumação do ilícito.

Portanto, podem existir diversas modalidades de delinquência coletiva que podem se apresentar em forma de concurso necessário, autoria colateral, coautoria e participação. Podem existir dificuldades de diferenciação das diversas modalidades que, no entanto, somente se apresentam no chamado concurso eventual de pessoas, em que pode haver a participação de terceiros até o momento da consumação do crime.

Julio Fabbrini Mirabete8 afirma que o concurso de pessoas é a ciente e voluntária participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal.

Podem ser citadas 3 teorias sobre o concurso de pessoas: a pluralística, a dualística e a monística (também conhecida como unitária).

De acordo com a Teoria Pluralística, a cada participante corresponde uma conduta própria, um elemento psicológico próprio e um resultado igualmente particular. Com efeito, a participação de cada concorrente não constitui atividade autônoma, mas converge para uma ação única, com objetivo e resultado comuns.

Já a Teoria Dualística contempla a existência de dois crimes: um para os autores e outro para os partícipes, que não realizam a conduta nuclear descrita no tipo penal.

A Teoria Monística (ou unitária) não faz qualquer distinção entre o autor e o partícipe, instigação e cumplicidade. Portanto, todo aquele que concorre para o crime causa-o em sua totalidade e por ele responde de forma integral. O crime é o resultado da conduta de cada um e de todos, de forma indistinta.

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Tal concepção parte da teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado. Contudo, o fundamento maior dessa teoria é político--criminal, que prefere punir de forma igual todos os participantes da infração penal.

O art. 29 e parágrafos do Código Penal Brasileiro9 determinam a punibilidade diferenciada da participação, aproximando, desta forma, a teoria monística e a teoria dualística.

Para o aperfeiçoamento do concurso de pessoas é fundamental a presença de elementos de natureza objetiva e subjetiva. Contudo, é também necessária a presença de outros requisitos, como, por exemplo, a pluralidade de participantes e de condutas, a relevância causal de cada conduta, o vínculo subjetivo entre os participantes, e a identidade de infração penal.

Teoria do Domínio do Fato

A teoria do domínio do fato é uma elaboração superior às teorias até então conhecidas, que distingue de forma cristalina o autor e o executor, admitindo com facilidade a figura do autor mediato, além de possibilitar uma compreensão mais ampla da coautoria. De acordo com Cezar Bitencourt10, essa teoria surgiu em 1939 com o finalismo de Welzel e sua tese de que nos crimes dolosos é autor quem tem o controle final do fato.

A teoria do domínio do fato...

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