O duplo grau de jurisdição no contencioso administrativo no brasil e nos países da OCDE

AutorRicardo Fagundes da Silveira
Páginas691-709
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1 Normas gerais de prevenção de litígios, consensualidade e processo
administrativo tributário e código de defesa dos contribuintes
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO NO
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
NO BRASIL E NOS PAÍSES DA OCDE
Ricardo Fagundes da Silveira995
sumário:
1. Introdução; 2. A Grande Anomalia Do Contencioso
Fiscal Brasileiro; 2.1. Perguntas Ao Artigo 21; 2.2. A Ocde, O Carf E
As Incômodas Respostas Ao Artigo 21; 2.3. Perguntas Ao Artigo 20;
2.4. Perguntas Ao Artigo 19; 2.5. Medindo Os Efeitos Deste Sistema;
3. A História Do Carf E Do Voto De Qualidade; 4. Quem São, De Fato,
Os Contribuintes?; 5. Quais Contribuintes Precisam De Garantias E
Direitos?; 6. Conclusões
“Tornamos o nosso mundo signif‌icativo pela coragem de nossas
perguntas e pela profundidade de nossas respostas.”
(Carl Sagan, Cosmos, 1980)
1. INTRODUÇÃO
Para o autor de diversas obras clássicas como “O mundo assombrado
pelos demônios: a ciência vista como uma vela no escuro”, as perguntas
são pontos de partida fundamentais para a ciência, o progresso e a
experiência humana. Perguntas necessárias, muitas vezes simples, se
respondidas em bases científ‌icas podem nos levar a respostas inespe-
radas e até mesmo desconcertantes. E perguntas não faltam quando
pensamos a realidade brasileira, a sociedade, o Estado e nestes, especi-
f‌icamente, a tributação.
995 Mestre em Sociologia Política pela UFSC, Conselheiro do Instituto Justiça Fiscal
e Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil desde 1994. Atualmente trabalha no
Serviço de Fiscalização dos Maiores Contribuintes da 9ª Região Fiscal (Paraná e
Santa Catarina).
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administrativo tributário e código de defesa dos contribuintes
O convite posto pelos idealizadores da coletânea A Reforma do Pro-
cesso Tributário Brasileiro indicam como título e objeto específ‌ico, uma
análise do artigo 19 do Projeto de Lei Complementar N° 125/2022.
Dada a atipicidade no funcionamento dos órgãos de julgamento do
contencioso f‌iscal brasileiro, principalmente no estágio da revisão ad-
ministrativa, é inevitável que as ref‌lexões sobre o mesmo não se li-
mitem à uma análise estéril, focada apenas em aspectos formais da
aplicação hipotética do texto legislativo proposto.
Assim, nossa pretensão é estender a análise do artigo 19 ao conjunto
das proposições para o Código de Defesa dos Contribuintes, o PLP
125/22. Este, por sua vez, se comunica com as propostas de Normas
Gerais para Prevenção de Litígios (PLP 124/2022), de Consulta Tribu-
tária (PL 2484/22), de Mediação Tributária (PL 2485/22) e de Arbitra-
gem (PL 2486/22), que tramitam no Senado Federal.
Todos estes projetos propõem alterações no Código Tributário Na-
cional e, por este motivo, dialogam intensamente com o papel da tri-
butação no Estado contemporâneo e o futuro do Brasil. Todas essas
propostas se encontram envoltas num mesmo espírito, numa mesma
lógica de pensamento e estão, inevitavelmente, associadas a contradi-
ções sociais e econômicas do nosso tempo que pretendemos abordar
neste artigo.
Importante ressaltar que a temática proposta assume maior relevân-
cia quando a matéria específ‌ica, contida no artigo 19 do PLP 125/22, é
objeto de análise legislativa no Projeto de Lei 2384/2023, que tramita
em regime de urgência no Congresso Nacional. A composição e for-
mas de julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(CARF), especif‌icamente os efeitos do Voto de Qualidade (uma anomalia
brasileira, como veremos) ocupa o centro do debate político atual. Se-
gundo o relator do projeto, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), a maté-
ria será apreciada no início de julho/2023. Poucos dias, portanto, após
a conclusão deste texto.
A relevância do debate pode ser mensurada pelos números. Em mar-
ço de 2016 o estoque de contencioso no CARF alcançava R$590 bi-
lhões, equivalente à 9,42% do PIB à época (IBGE, 2016).996 Em junho de
2022 esse estoque era de R$1,05 trilhão, o que equivale a 11,67 % do
996 Disponível em: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/contas-nacionais/pibvalo-
res-correntes.html. Acesso em: 28 mar. 2019.

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