Evolução epistemológica da dogmática penal
Autor | Pedro H. C. Fonseca |
Páginas | 41-58 |
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EVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA DA
DOGMÁTICA PENAL
Antes de adentrar no estudo da tipicidade, para verificar a linha de evolução desta,
e assim atingir o ponto central do presente trabalho, analisando a ação significativa na
recente estrutura de Tomás Salvador Vives Antón1, em uma abordagem crítica quanto à
tipicidade e ao princípio da legalidade, no Estado Democrático de Direito, é importante
verificar a evolução epistemológica da dogmática penal como um todo.
4.1 POSITIVISMO JURÍDICO
O positivismo2 criminológico de Lombroso, Ferri e Garófalo, conhecido por
Positivismo Científico, Escola Positiva ou Escola Positiva italiana, transformou-se em
Positivismo Jurídico. Vale lembrar que aquele surgiu como reação contra os excessos
formalistas dos clássicos, como Carrara, que acabaram por deduzir seu sistema racional
de alguns princípios apriorísticos naturais e idealismo afastados de uma vertente em-
pírica e real. Contudo, o Positivismo Científico também se equivocou ao incorrer em
excessos quando tentou reduzir o Direito Penal a uma parte da Sociologia Criminal, ao
pretender explicar o crime com o método experimental próprio das ciências naturais.
Desse modo, conclui-se que, tanto a Escola Clássica, quanto a Positiva não tinham
como objeto de estudo o direito positivo, ou seja, aquele imposto e contemplado nas leis.
O positivismo criminológico equiparava o Direito às ciências da natureza, adotando o
método experimental. Já a Escola Clássica construía seus sistemas com base na filosofia.
Diante disso, ocorreu a tentativa de fixar um novo objeto de estudo e uma nova
metodologia para a ciência do Direito Penal, o que veio a ocorrer na Itália, com o tec-
nicismo jurídico, e na Alemanha, com a dogmática, de modo que, tanto o tecnicismo
jurídico, quanto a dogmática representam uma nova linha denominada formalismo
normativista. Diante disso e de acordo com a linha de pensamento exposta, é possível
adotar a ideia de transformação do Positivismo Científico, que parte da análise do crime
e do criminoso segundo as regras das ciências naturais, para o Positivismo Jurídico, que
admite o Direito, tendo como objeto de estudo, o que estiver positivado em leis vigentes.
Trata-se da passagem do Positivismo Científico para o Positivismo Jurídico. O
Positivismo Científico, empírico ou naturalista transformou-se em jurídico com a
1. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del sistema penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2011. p. 219.
2. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral 7. ed.
rev. atual. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 251;267. v.1
DIREITO PENAL & AÇÃO SIGNIFICATIVA • PEDRO H. C. FONSECA
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substituição do objeto da ciência penal, ao procurar nos conceitos jurídicos os dados
imutáveis para a constituição da base da atividade científica. Logicamente, houve clara
influência da codificação. O que importa é perceber que o objetivo é o desenvolvimento
do direito positivo até atingir um sistema lógico e fechado de conceitos que o atenda.
Há que observar que essa transformação do Positivismo Científico para o Positi-
vismo Jurídico não foi uniforme na Itália nem na Alemanha. Na Itália, a transformação
decorreu do direcionamento da Escola Técnico-Jurídica, que, por sua vez, sofreu forte
influência da linha normativista alemã, sem se tratar exatamente da dogmática germâ-
nica. O método técnico-jurídico italiano tem direção em concepções metodológicas de
Arturo Rocco, em discurso de 15 de janeiro de 1910, que criticou ideias do classicismo
e do positivismo criminológico, não admitindo o excesso de ambas.
Arturo Rocco3 afirmou que o objeto de estudo do Direito Penal deve ser o direito
positivo, tendo em vista somente esse direito possuir a viabilidade de pertencer ao núcleo
de uma ciência jurídica, de modo que rejeite valorações metafísicas, jusnaturalísticas
ou empíricas que possam arranhar a natureza jurídica da ciência do Direito. Além disso,
acreditou na ideia de que o método correto ao objeto direito positivo é representado pelo
técnico-jurídico que se desenvolve pelas fases exegética, dogmática e crítica.
A primeira fase, a exegética, busca encontrar dados empíricos para que, somen-
te depois, seja aplicado o método indutivo-dedutivo, a fim de fazer a averiguação do
sentido do direito positivo. Já na fase dogmática, ocorre a elaboração do sistema que,
chegando-se a alguns dogmas, deles são deduzidas consequências para que a lei seja
aplicada. Daí a verificação dos dois momentos, indutivo e dedutivo. Quanto ao ponto
crítico do método técnico-jurídico, é este reduzido ao seu caráter formalista, considerado
moderado. Arturo Rocco buscou uma elaboração realista do direito positivo, levando em
consideração as necessidades da prática, exigindo o equilíbrio entre as fases do método
técnico-jurídico. Por fim, é interessante saber que Binging influenciou Arturo Rocco
na elaboração do seu discurso.
Por outro lado, não existiu, na Alemanha, um positivismo de cunho naturalista
que admitisse o delito como fato exclusivamente real, ligado ao mundo empírico. A
primeira manifestação do positivismo, na Alemanha, foi unicamente jurídica, de forma
a ressaltar o formalismo positivista ou normativista sem juízos de valor ou referências
à realidade metajurídica.
Na década de setenta do século XIX, na Alemanha, apesar de não ser algo privati-
vo de Binging, foi ele quem representou o nome de maior importância no Positivismo
Jurídico, ao contribuir com a obra Die Normen und ihre Ubertretung, que acabou por
significar para a ciência do Direito o ápice normativista. Trata-se, além de tudo, de um
trabalho que exerceu forte influência sobre o tecnicismo jurídico italiano.
Binging escolheu o direito positivo como único objeto da atividade jurídica e cien-
tífica. O pensamento é que o direito positivo se estuda separado do resto da realidade,
3. ROCCO apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva,
2014. p. 110.
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