Normas constitucionais com relevância para o processo civil

AutorCleyson de Moraes Mello
Ocupação do AutorVice-Diretor da Faculdade de Direito da UERJ. Professor do PPGD da UERJ e UVA. Advogado. Membro do Instituto dos Advogados do Brasil ? IAB
Páginas31-69
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Capítulo 1
NORMAS CONSTITUCIONAIS COM RELEVÂNCIA
PARA O PROCESSO CIVIL
O processo civil busca a pacificação dos conflitos com
justiça. Ele é ordenado, disciplinado e interpretado conforme os
valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da
República Federativa do Brasil (artigo 1º, CPC). Dessa maneira, as
normas processuais estão subordinadas à Constituição da
República.
1.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A análise da construção histórica da dignidade humana se
impõe como necessário, pois existe uma distinção entre dignidade
(a dignitas romana ou expressões gregas) como valor, honra e
apreço e a expressão dignidade da pessoa humana como inerente à
própria condição humana. Aquela é condicional, transitória,
inigualitária e contingente; esta é universal e incondicional. A
dignidade como valor, honra e apreço se refere a uma postura
pessoal objetivamente apreciada pela sociedade; já a dignidade
referida a condição humana possui caráter polissêmico e aberto
encontrando-se em estado permanente de mutação e
desenvolvimento ao longo do tempo e do espaço que está em
constante concretização e delimitação pela práxis constitucional.1
Daí a importância da distinção, pois ambas andam de mãos dadas
nos dias atuais: ora a expressão dignidade pode ser utilizada como
1 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana
e a exclusão social. In: Revista interesse público. Belo Horizonte. n. 4. 1999. p.
24.
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qualidade, apreço ou status social; ora pode ser entendida como
ideia de igual dignidade inerente a todo e qualquer ser humano,
especialmente, incorporada nos diplomas jurídico-constitucionais
do segundo pós-guerra.
Na Roma antiga, a expressão dignitas estava relacionada ao
status social do indivíduo na sociedade, tais como honra, respeito,
deferência e consideração social até mesmo pela função pública
que o sujeito exercia na comunidade. Era uma espécie de status
privilegiado particular que o indivíduo ostentava no seio da sua
comunidade.
De acordo com Ingo Sarlet, “no pensamento filosófico e
político da antiguidade clássica, verificava-se que a dignidade
(dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social
ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos
demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma
quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a
existência pessoas mais dignas ou menos dignas. Por outro lado, já
no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que,
por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas,
no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma
dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente
ligada à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo (o homem
como ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem
como a ideia de que todos os seres humanos, no que diz com a sua
natureza, são iguais em dignidade. Com efeito, de acordo com o
jurisconsulto político e filósofo romano Marco Túlio Cícero, é a
natureza quem descreve que o homem deve levar em conta os
interesses de seus semelhantes, pelo simples fato de também serem
homens, razão pela qual todos estão sujeitos às mesmas leis
naturais, de acordo com as quais é proibido que uns prejudiquem
aos outros, passagem na qual (como, de resto, encontrada em
outros autores da época) se percebe a vinculação da noção de
dignidade com a pretensão de respeito e consideração a que faz jus
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todo ser humano. Assim, especialmente em relação a Roma
notadamente a partir das formulações de Cícero, que desenvolveu
uma compreensão da dignidade desvinculada do cargo ou posição
social é possível reconhecer a coexistência de um sentido moral
(seja no que diz às virtudes pessoais do mérito, integridade,
lealdade, entre outras, seja na acepção estóica referida) e o
sociopolítico de dignidade (aqui no sentido da posição social e
política ocupada pelo indivíduo).”2
Dessa maneira, é possível afirmar que os primórdios da
dignidade da pessoa humana encontram-se na antiguidade clássica
e o seu sentido e alcance estava relacionado à posição que cada
indivíduo ocupava na sociedade. Como dito acima, a palavra
dignidade provém do latim dignus que representa aquela pessoa
que merece estima e honra , ou seja, aquela pessoa que é importante
em um grupo social.
No período medieval, a dignidade da pessoa humana
passou a entrelaçar-se aos valores inerentes à filosofia cristã.
Melhor dizendo: a ideia de dignidade passa a ficar vinculada a cada
indivíduo, lastreada no pensamento cristão em que o homem é
criação de Deus sendo salvo de sua natureza originária por Ele e
possuindo livre arbítrio para a tomada de suas decisões. Severino
Boécio (480-524) é o divisor de águas de dois tempos: a
antiguidade e o medievo. Boécio é, pois, o precursor da definição
filosófica de pessoa (humana), embora seu desenvolvimento pleno
tenha se dado na metade do século XIII. O seu contributo foi situar
a pessoa humana no horizonte da racionalidade a partir de sua
condição de singularidade. A partir de Boécio, a noção de pessoa
como substância individual e racional elevou o ser humano a uma
nova esfera de dignidade e responsabilidade, implicando em nova
perspectiva de ser e estar no mundo.
2 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria
geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto
Alegre: Livraria dos Advogados; 2011, p. 34-36.

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