Estado: órgãos de relação externa
Autor | Carlos Roberto Husek |
Ocupação do Autor | Desembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo |
Páginas | 179-195 |
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Ensina Belfort de Mattos, citando o Barão Szilassy, quanto à origem do termo “diplomacia”: do grego diplos, que signiica “falso”, “imbuído de duplicidade”. Outros entendem vir da palavra helênica diploma, “ato dobrado”, referência às credenciais dobradas ao meio125.
A carreira diplomática surgiu em ins do século XVI na Europa — Ocidente Europeu —, com a multiplicação das embaixadas. Antes eram apenas os enviados extraordinários. No entanto, pelas funções que exerciam, os procuradores dos reis romanos junto à Cúria Romana — procuratores in Romanam Curiam —, gozando de imunidades e com representação permanente, podem ser considerados os antecessores dos diplomatas.
Quanto aos cônsules, o que se tem na História é um signiicado diverso em relação ao termo, porque assim eram tratados os chefes de Estado na Roma republicana; porém, como são entendidos hoje, os cônsules têm seu ancestral histórico nos prostates na Grécia, que eram pessoas escolhidas pelos estrangeiros residentes em uma cidade grega para intermediar as relações destes com o governo da cidade.
Também havia os proxenos, embora com aspectos mais políticos, para fazer a intermediação. Alguns airmam que essas iguras eram apenas criações internas da Administração local para proteger os estrangeiros, e que a instituição surgiu no período medieval. Como veremos, desde aquelas épocas as atividades exercidas por tais pessoas eram técnico-administrativas e de intermediação, e não de representação do seu governo ou de seu Estado.
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No Brasil, a preocupação com os relacionamentos externos vieram desde as primeiras Constituições: nomeação de embaixadores, agentes diplomáticos e comerciais, pelo Executivo (1824); a partir da República as funções relativas à política externa passaram a ser do Senado e na atual Constituição Federal de 1988 a atribuição é exclusiva da União e de competência privativa do presidente da República com o auxílio de seu Ministério.
Fala-se em espécies de diplomacia: diplomacia secreta; diplomacia bilateral; diplomacia multilateral; diplomacia de cúpula; diplomacia econômica e comercial; e diplomacia do Estado empresário, entre outras, conforme lição de Guido Soares, no livro Órgãos do Estado nas Relações Internacionais, Rio de Janeiro: Forense, 2001.
Diplomacia que se notabilizou no inal do século XIX e início do século XX, com a feitura de alianças militares, sem que os representantes legítimos dos Parlamentos soubessem o que estava se passando. A esse tipo de diplomacia houve reação por parte dos EUA, pelo presidente Wilson que, numa mensagem mandada ao Congresso justiicando a entrada americana na Guerra de 1914-1918, desenvolveu tese contrária à diplomacia secreta.
É a diplomacia feita nas relações bilaterais, isto é, a relação entre dois sujeitos de Direito Internacional — Estados e/ou organismos internacionais — recebendo e enviando diplomatas. Desenvolve-se por intermédio das Missões Diplomáticas, Missões Especiais, etc.
Desenvolveu-se mais no século XX, com a atuação de vários Estados nos foros internacionais com decisões coletivas, resultantes de negociações entre vários partícipes da comunidade internacional, envolvendo, inclusive, Estados que podem eventualmente estar em posições econômicas e políticas opostas. Tal diplomacia pode resultar na composição de blocos regionais, tratados multilaterais sobre diversas matérias, defesa de interesses momentaneamente comuns. Desenvolve-se nos Congressos e Conferências Internacionais.
É uma diplomacia que se desenvolve fora dos parâmetros oiciais — funções do chefe do Executivo e/ou do ministro das Relações Exteriores,
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traduzindo-se na condução pessoal de assuntos de política externa, sem seguir as regras conhecidas, mantendo uma comunicação mais intensa com o Legislativo e a opinião pública. A utilização dos meios de comunicação e o aproveitamento das ocasiões especiais, encontro de chefes de Estados, aberturas de eventos, como a abertura da Assembleia da ONU, e reuniões em outras organizações internacionais.
Está voltada para a regulamentação econômica, em foros temáticos, envolvendo preocupações referentes ao planejamento econômico e à melhoria das relações comerciais. São as negociações comerciais multilaterais de vital importância nos dias atuais, como aquelas referentes à Organização Mundial do Comércio, envolvendo organismos econômicos, inanceiros, ban-cos, movimentação de moedas, empréstimos, integrações econômicas.
Diz respeito às relações entre empresas estatais ou controladas por Estados e empresas de outros Estados ou de Direito Privado, envolvendo, também, empresas de cunho mercantil entre Estados para a exploração de determinadas atividades, como se exempliica com a Binacional de Itaipu, entre Brasil e Paraguai. A matéria não se adapta bem nem ao Direito Internacional Público, nem ao Direito Internacional Privado, nem ao Direito do Comércio Internacional. Tal diplomacia não se utiliza apenas de proissionais do Estado — diplomatas — mas de economistas, advogados, políticos, empresários, para o favorecimento do Estado e aperfeiçoamento de suas relações nesse campo.
A representação do Estado pertence ao chefe de Estado — monarca ou presidente da República. Quando o chefe de Estado assume o poder, normalmente comunica aos demais Estados, por intermédio de sua Chancelaria, que está à frente da nação. Esse fato não provoca nenhuma reação diversa na sociedade internacional, sendo normal e esperado que assim ocorra. Entretanto, se aquele que alcançou a cheia suprema da nação o fez por meio de uma revolução, a carta comunicando a assunção do poder aos demais Estados da sociedade internacional será, normalmente, recebida com expectativa, porque importará o reconhecimento do governo, necessitando-se ter certeza de que o governo anterior não mais tem a possibilidade de retomada do poder, para não criar situações internacionais constrangedoras.
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O chefe de Estado goza de privilégios em território estrangeiro, por ser representante máximo do Estado. Tais privilégios são: 1) inviolabilidade de sua pessoa e de sua residência; 2) isenção de impostos diretos; 3) liberdade de comunicar-se com seu Estado, inclusive usando códigos; 4) imunidade de jurisdição, quer civil, quer penal, exceção feita às ações referentes a imóveis a si pertencentes, como simples particular, e quando, de forma voluntária, o chefe de Estado aceitar a jurisdição do Estado em que se encontra.
Ao Direito Interno é que cabe a deinição de quem é o chefe de Estado
— Direito Constitucional e Direito Administrativo. Assim, para o Direito Internacional, será chefe de Estado, não importando o nome que receba, quem o Estado indicar: presidente da República, rei, ditador no exercício efetivo do poder, imperador e outros, porque esse é um problema de competência interna.
A diferença que se costuma fazer entre chefe de Estado e chefe de governo, embora de certa forma irrelevante para o Direito Internacional, tem suas especiicações conhecidas, bastando dizer que, nas repúblicas presidencialistas, como é o caso do Brasil, o chefe de Estado é igualmente chefe do governo, ou seja, governa e administra, ao contrário, por exemplo, da Inglaterra — parlamentarista —, em que a rainha reina, mas não governa, separando-se as iguras do chefe de Estado e do chefe de governo.
Neste último caso, quem administra é o primeiro-ministro. Não signiica que o chefe de governo não tenha as mesmas regalias que o chefe de Estado quando visita países estrangeiros, o que não seria razoável. Assim, sempre que o chefe de governo visitar outros Estados, exercerá o treaty making power, ad referendum do Parlamento. Contudo, o chefe de governo não representará o Estado, pois tal representação cabe ao chefe de Estado, e sim representará — se é que se pode assim dizer — a Administração do Estado, não mais do que isso.
Essas imunidades estendem-se à sua família e às pessoas de sua cortesia.
A Constituição brasileira estabelece as competências privativas do chefe de Estado (art. 84), como: de manter relações com os Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad referendum do Congresso Nacional; declarar a guerra, depois de autorizado pelo Congresso Nacional, ou sem prévia autorização, no caso de agressão estrangeira ocorrida no intervalo das sessões legislativas; fazer a paz, com autorização ou ad referendum do Congresso Nacional; e permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente.
É, todavia, nestes e noutros afazeres, o chefe de Estado auxiliado pelo ministro das Relações Exteriores ou por aquele que detém função equivalente.
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