A União Europeia. Aspectos gerais
Autor | Carlos Roberto Husek |
Ocupação do Autor | Desembargador do TRT da 2ª Região - Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo |
Páginas | 240-255 |
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A civilização europeia, berço do mundo moderno, é o resultado, como já se disse, das instituições jurídicas e sociais romanas, do espólio helênico e do ideário judaico-cristão.
João Ameal cita, na História da Europa — XXIV, frase de Didier Lazrd, in L’Occident — quel Occident, que aqui se reproduz: “Hoje, as três correntes estão mais visíveis do que nunca: o nosso individualismo radical é ateniense; as nossas leis e as nossas instituições impregnadas de espírito aristocrático são romanas; a nossa paixão da justiça social é cristã.”
Apesar de suas diferenças, os diversos povos europeus, ou por tendência natural ou por veleidade dos conquistadores da época, sempre tentaram a uniicação.
Primeiro foi Roma, depois o Cristianismo, por intermédio do Papa, tentando impor uma unidade espiritual e política. Carlos Magno surge nesse cenário e também as Cruzadas, como objetivo comum aos povos estabelecidos na região.
Napoleão e Hitler tentaram conquistá-la pela força; mas, nos tempos modernos ela se une pela necessidade e pelo bom senso.
A transformação que ocorreu na Europa é consequência de fatores históricos e da escolha natural pelo diálogo entre os povos, com base no desenvolvimento, além de conjunturas políticas e um certo receio de ver sua unidade territorial quebrada pelo domínio de países estranhos, como o expansionismo russo do pós-guerra.
A análise política e histórica é necessária como pré-conhecimento das instituições que o Direito cria, principalmente o Direito Internacional. Interessa-nos o fenômeno jurídico que é a Comunidade Europeia, consagrando o devaneio Hugoniano: “No século XX haverá uma nação extraordinária ... esta Nação terá por capital Paris, mas não se chamará França — chamar-se-á Europa”.
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Premonitório o discurso de Churchill na Universidade de Zurique, em
19.9.1946: “Eu pretendo falar-vos hoje da Europa ... Se a Europa se unisse um dia para partilhar a sua herança comum, não haveria limites à felicidade, à prosperidade e à glória de que poderia gozar a sua população de 300 ou 400 milhões de almas”.
O Tratado de Roma de 1957 veio consagrar essas palavras. É, em nosso entender, talvez um dos fatos jurídicos mais importantes deste século e vem demonstrar que o Direito Internacional, como sistema, é possível desde que a cooperação supere o conceito de soberania.
A necessidade de defesa ditou as regras iniciais, com o Tratado de Bruxelas, de 1948, que instituiu uma organização composta da Grã-Bretanha, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, e que mais tarde tornar-se-ia a União da Europa Ocidental — UEO —, comportando o compromisso de assistência automática em caso de agressão armada na Europa.
Depois de receber ajuda americana, foi realizado o Tratado do Atlântico Norte — OTAN —, em 4.4.1949. Paralelamente, e a partir daí, foram surgindo, no campo econômico e político, vários acordos, como o da Organização Europeia de Cooperação Econômica — OECE, em 15.4.1948, a substituição desta pela OCDE — Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em 14.12.1968. Em 5.5.1949, foi criado o Conselho da Europa, com sede em Estrasburgo, tendo por Estados componentes: França, Grã--Bretanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Irlanda, Itália, Dinamarca, Suécia e Noruega.
Seu objetivo era a “união mais estreita entre os membros, a im de salvaguardar e promover os ideais e princípios que são seu patrimônio comum e de favorecer o respectivo progresso econômico e social” (art. 1º da Convenção de Londres).
Em 18.4.1951, veio a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço — CECA —, pelo Tratado de Paris, entrando em vigor em 1952. Elegeu-se o setor siderúrgico para o início do processo de integração política.
Essa Comunidade foi o passo mais signiicativo para a Comunidade Euro-peia, porque os Estados iam abdicando de parte de sua soberania para a instituição comunitária e criando bases comuns de desenvolvimento para diversos setores econômicos, além de contribuir para o aumento do emprego e do nível de vida, com um mercado comum.
Essa instituição fundiu-se com a Comunidade Econômica Europeia, apresentando por escopo um exército europeu subordinado à OTAN. Nasceu a CED — Comunidade Europeia Ocidental, em 1954, que, após a queda do Muro de Berlim e a desintegração do bloco soviético, voltou a ser repensada.
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Temos, inalmente, a EURATOM (CEEA), Comunidade Europeia de Energia Atômica, 1957, que, juntamente com a CEE, tem por inalidade o desenvolvimento da indústria nuclear.
Três organizações, portanto, compõem a Comunidade Europeia na sua gestação histórica — CECA, CEE e CEEA —, cada uma com objetivos e instituições delineadas, que se fundiram em 1965 pelo Tratado de Bruxelas, que instituiu um Conselho Único e uma Comissão Única das Comunidades.
Importante, ainda, o Ato Único Europeu, que entrou em vigor em 1.7.1987, procedendo à revisão dos três tratados comunitários, e tratou das questões do mercado interno e política comum, estabelecendo progressivamente o referido mercado, com o término programado para 31.12.1992.
Acrescente-se o Tratado de Maastricht de 7.2.1992 (Tratado da União Europeia), que consolidou os Espaços Comunitários e a Política Externa de Segurança Comum (PESC) entre outros pontos; o Tratado de Amsterdã de
18.6.1997, que modiica o Tratado da União; o Tratado de Nice, de 26.2.2001, que contém versões consolidadas do Tratado da União e dos Tratados Constitutivos.
Em 12.2001, encomendou-se um Projeto de Constituição para a Europa que foi aprovado em Roma em 29.10.2004, dando início a um longo processo de ratiicação pelos membros da União.
Há ainda o Tratado de Lisboa de 1.12.2009 que confere à U.E. instituições modernas, altera os Tratados da União Europeia e da Comunidade Europeia, dá maior participação dos parlamentos nacionais, maior relevância aos cidadãos, maior eiciência no processo de tomada de decisões, cria a função de presidente do Conselho, dá mais poderes aos cidadãos, reforça as liberdades política, econômica e social e toma providências para maior transparência e representatividade da U.E.
O mercado interno vem ali conceituado como um espaço sem fronteiras, com livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais.
A Comunidade Europeia é produto de longa evolução, legitimidade que nem sempre as criações normativas internas possuem. Começou com Alemanha, França, Itália, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo, obtendo em 1972 a adesão do Reino Unido, Dinamarca e Irlanda — Tratado de Adesão de Egmont. Em 1979, aderiu a Grécia, e em 1985, Portugal e Espanha. Em janeiro de 1995, aderiram a Áustria, Finlândia e Suécia, num total de quinze países.
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Em 1º.5.2004, entraram os seguintes países: Chipre, Eslováquia, Eslo-vênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Checa.
Em 2007 entraram para a União Europeia a Bulgária e a Romênia. São candidatos a entrar para o bloco a Macedônia, a Croácia e a Turquia.
É uma realidade que passou a desempenhar o papel de grande potência econômica com a previsão de 499,7 milhões de habitantes para janeiro de 2009 com a uniicação alemã, liderando o comércio internacional.
Algumas realizações já ocorreram, a saber: a) livre circulação dos trabalhadores, conseguida em 1968; b) direitos dos trabalhadores e família de entrar e permanecer em outro Estado membro; c) mobilidade proissional; d) acesso à reconversão proissional, subsídio de instalação em novo emprego, mantendo o nível de remuneração quando o emprego for reduzido ou suspenso — desde 1960; e) igualdade na remuneração, acesso ao emprego e formação entre homens e mulheres, em 1975; f) segurança e ambiente de trabalho, em 1978; g) ampliação do papel do CES — Conselho Econômico e Social, como instituição comunitária, no seu caráter consultivo.
Observe-se que a preocupação é grande com o tema social, sendo que, desde 1985, o CES, juntamente com outros órgãos, vem desenvolvendo grandes esforços para dar contorno ao chamado “espaço social europeu”, compreendendo três espaços básicos: o do emprego, o da mobilidade e o da solidariedade (obtenção de recursos).
É preciso dizer que tais espaços, principalmente no que concerne aos dois primeiros, importam a extinção de toda distinção em relação à nacionalidade, o que já vem assegurado no Tratado de Roma:
Art. 48-1. A livre circulação dos trabalhadores deve icar assegurada, na Comunidade, o mais tardar no termo do período de transição.
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A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade entre trabalhadores dos Estados-membros no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.
A livre circulação afeta mais ou menos 5 milhões de pessoas residentes fora de seus Estados e oito milhões de imigrantes de países fora da comunidade161.
O espaço solidário é baseado na coesão econômica e social, com três fundos especíicos, o social, o de orientação à agricultura e o de desenvolvi-
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mento, que obtêm seus recursos do orçamento da Comunidade, em que com maior fatia colaboram os Estados mais desenvolvidos.
Vera Thorstensen menciona ações que têm por alvo populações mais vulneráveis e desfavorecidas, como os jovens, porque o desemprego entre eles, considerados estes os menores de 25 anos, atinge 30% ou mais, as mulheres, porque o...
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