Prestação regionalizada dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário - avanços e desafios

AutorLucas Navarro Prado e Denise Nefussi Mandel
Páginas219-240
PRESTAÇÃO REGIONALIZADA DOS SERVIÇOS
PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA
E DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO –
AVANÇOS E DESAFIOS
Lucas Navarro Prado
Graduado em Direito pela USP e pós-graduado em Finanças Corporativas pela
FIA/USP. Foi Assessor da Presidência (2008), Superintendente Jurídico (2009
e 2010) e Conselheiro de Administração (2017 a 2020) da SABESP. Advogado
especialista em infraestrutura (www.navarroprado.com.br).
Denise Nefussi Mandel
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi
Superintendente de Relações Institucionais da Agência Reguladora de Servi-
ços Públicos do Estado de São Paulo – ARSESP. Advogada, atuante na área de
infraestrutura há mais de 20 anos.
Sumário: Introdução – 1. Breve histórico jurídico-institucional da prestação regionalizada a
partir do planasa – 2. A inviabilização da regionalização “de fato” pelas CESBS – 3. As formas de
prestação regionalizada após o novo marco – 4. Diculdades para avançar com a regionalização;
4.1 O requisito do “efetivo compartilhamento”; 4.2 Efeito limitado do incentivo correspondente
ao direito de acesso a recursos federais – 5. Avanços reconhecidos – Conclusões – Referência.
INTRODUÇÃO
A regionalização para a prestação de serviços públicos é, sem dúvida, tema de
extrema relevância, pois o engajamento colaborativo entre os entes da federação
pode auxiliar na viabilidade econômico-nanceira da prestação dos serviços, sem
contar com a compatibilização do planejamento entre diferentes titulares que se
beneciam de recursos naturais comuns.
No campo do saneamento, a regionalização poderá contribuir, ainda, para a
universalização dos serviços, possibilitando a inclusão de munícipios decitários no
âmbito da prestação. Do ponto de vista econômico, em tese, a regionalização permi-
tiria a obtenção de ganhos de escala, tornando mais eciente a prestação dos serviços.
Nos termos do NMSB, a prestação regionalizada é a modalidade de prestação
integrada de um ou mais componentes dos serviços públicos de saneamento básico
em determinada região com a abrangência de mais de um Município.1 São estrutu-
1. Art. 3º, inc. VI.
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ras de regionalização propostas pela Lei atualizada: (i) as regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões; (ii) as unidades regionais de saneamento
básico; e (iii) os blocos de referência. Fala-se, ainda, em conglomerados como a Ride
– Regiões Integradas de Desenvolvimento, que não se limitam às fronteiras estaduais.
Observe-se que a prestação regionalizada não é novidade introduzida pelo
NMSB, o qual, porém, instituiu um regramento mais detalhado sobre o tema
e elevou essa modalidade de prestação ao nível de princípio fundamental do
setor. Além disso, a intenção de estimular a regionalização foi reforçada pelo
estabelecimento de uma condição legal para o acesso a recursos federais, qual
seja, a demonstração de que o projeto esteja contemplado no âmbito de alguma
estruturação regionalizada.
Por outro lado, curiosamente, o NMSB também adotou soluções contraditó-
rias à estratégia de regionalização, na ânsia de incentivar o crescimento da parti-
cipação privada em detrimento das Companhias Estatais de Saneamento Básico
(CESBs). Nesse sentido, inviabilizou a regionalização “de fato” historicamente
promovida por meio das companhias estaduais; além disso, criou um requisito
adicional para o exercício da titularidade conjunta por estado e municípios em
regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, como se verá
mais adiante.2
Além do Resumo e desta Introdução, o presente artigo contém outras 6
seções. Na Seção 3, apresenta-se um breve histórico jurídico-institucional da
prestação regionalizada a partir do PLANASA. A Seção 4 trata da inviabilização
da regionalização “de fato” até então promovida por meio das CESBs. A Seção 5
traz a visão do novo marco de saneamento a respeito das formas de regionalização.
A Seção 6 discute algumas diculdades para a prestação regionalizada. A Seção 7
2. O Supremo Tribunal Federal já analisou diversas questões que esbarram na conguração da titularidade
conjunta estado e municípios. Primeiro, declarou a inconstitucionalidade de dispositivos de Constitui-
ções Estaduais que determinavam a raticação, por meio das Câmaras Municipais, para participação
de município em região metropolitana, aglomeração urbana e microrregião, à luz do disposto no § 3º,
do art. 25, da Constituição Federal, concluindo, por isso, que a participação de munícipios é compul-
sória em tais conglomerados (ADI 1.841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, sobre a CE do Rio de Janeiro,
citando como paradigma a CE do Espírito Santo). Na ADI 1.842/RJ, decidiu que “o interesse comum
e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia munici-
pal”. Por conseguinte, o STF garantiu que, para validar o exercício das funções públicas em matéria
de saneamento, os municípios deveriam participar da divisão, com o estado, das responsabilidades
respectivas. Disse, inclusive, que haveria “reconhecimento do poder concedente e da titularidade do
serviço ao colegiado formado pelos municípios e pelo estado federado” (vide Ementa do Acórdão da
comentada ADI). Dessa forma, embora uma vez instituída o conglomerado pelo estado, os municípios
não poderiam se opor; contudo, em matéria de saneamento, somente se reconheceria a titularidade
dos serviços ao colegiado formado por estado e municípios, onde, ademais, os municípios tivessem
participação efetiva. Isso foi antes do NMSB, que introduziu ainda o requisito do compartilhamento
de infraestruturas operacionais.
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