Princípios Processuais

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas35-101

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Seção I - Generalidades
1. Conceito de princípio

Conquanto o vocábulo princípio (do latim principiu) seja polissêmico, interessa-nos, em particular, o seu significado nos domínios da ciência jurídica.

Para Miguel Reale, princípios são “verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis” (Lições Preliminares de Direito, 7. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 229).

Eduardo Couture, por sua vez, conceitua o princípio como “o enunciado lógico, extraído de ordenação sistemática e coerente de diversas normas de procedimento, de modo a outorgar à solução constante destas o caráter de uma regra de validade geral” (Vocabulário Jurídico, Montevidéu: Depalma, 1950. p. 489).

A nosso ver, princípios são formulações genéricas, de caráter normativo, destinados não apenas a tornar logicamente compreensível a ordem jurídica e a justificar ideologicamente essa mesma ordem, como também a servir de fundamento para a interpretação ou para a própria criação de normas legais próprias. Sem prejuízo destas considerações, devemos acrescentar que os princípios também podem ser invocados para motivar a sentença, quando houver uma lacuna da lei quanto ao ponto a ser apreciado pelo juiz; é o que dispõe o art. 126, do CPC: não havendo norma legal, cumprirá ao julgador decidir com base na analogia, nos costumes ou nos princípios gerais de direito.

Assim, os princípios traduzem preceitos de caráter genérico, mas dotados de certa carga de normatividade, cuja finalidade é múltipla: tornar compreensível o ordenamento jurídico; justificar, sob o aspecto ideológico, a razão de ser desse ordenamento; servir como sucedâneo para a interpretação de normas legais ou para a criação dessas normas, bem como de fundamento da sentença; neste último caso, atuam no vazio legislativo, com o escopo de regular as situações que, acaso, tenham ficado fora da previsão do legislador.

Tal é a relevância dos princípios, na ordem jurídica, que a própria Constituição da República declara, no § 2.º do art. 5.º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (...)”. Destacamos.

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Não se admite, todavia, a formulação de princípios contra a lei (contra legem), embora sejam tolerados os princípios que visem a interpretar a norma legal à luz das transformações da realidade e das novas exigências sociais.

Inexistem, contudo, princípios jurídicos eternos: eles podem ser substituídos por outros, ou mesmo eliminados, como quando ocorrer modificação da matriz legislativa ou dos fatos em que se inspiraram.

Sob outro aspecto, a “autoridade” (normatividade) dos princípios decorre de sua aceitação pela generalidade (ou, quando menos, pela grande maioria) dos juristas e dos operadores do Direito. Essa aceitação geral, aliás, atribui-lhes em certo caráter de axioma.

2. Princípios e características

Princípio e característica não são vocábulos sinônimos, ainda que, vulgarmente, costumem ser confundidos entre si.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que o princípio tem o atributo da generalidade, ao passo que a característica, como a própria palavra indica, diz respeito a algo particular. Em segundo, enquanto o princípio é dotado de uma acentuada carga de normatividade, a característica contém pouca ou nenhuma carga dessa natureza. Em terceiro, a função do princípio, como vimos, é a de permitir a interpretação, a compreensão e a justificação do ordenamento jurídico ou a criação de normas legais; a da característica não vai além de revelar a particularidade de alguma coisa, para desassemelhá-la de outra (exemplo: a resposta em audiência, seja oral ou escrita, é uma singularidade do procedimento trabalhista, não um seu princípio). Em quarto, o princípio, por sua eventual relevância (política, jurídica), pode ter natureza institucional; a característica, jamais.

Os princípios também não devem ser confundidos com os brocardos. Estes, sinônimos de máxima, aforismo, anexim, rifão, adágio, são ditos sentenciosos que valem como simples preceitos. A propósito, a palavra brocardo é originária do latim brocardu. Brocardus, por outro lado, foi autor de um compêndio de máximas. O Bispo de Woms (século XI) também elaborou uma coletânea de aforismos, a que deu o nome de Decretum Burchardi, cujas máximas foram chamadas de Burcardos.

Ainda que os brocardos tenham a sua finalidade, e sejam aceitos por muitos, Carlos Maximiliano se dedicou à tarefa de coligir as críticas mais frequentes à aceitação dos brocardos no âmbito jurídico. Conforme o referido jurista, essas críticas eram as seguintes:
a) a fórmula genérica e ampla dos brocardos, não raro, é ilusória, pois muitas vezes são destacados de um determinado contexto, onde possuíam sentido diverso daquele que passaram a ter, quando interpretados isoladamente; b) em certos casos, os brocardos não possuem valor científico, chegando, inclusive, a consagrar princípios falsos; c) o emprego desses brocardos, muitas vezes, ultrapassa o campo de aplicação; d) a multiplicidade de brocardos pode fazer com que sejam encontrados brocardos contraditórios; e) embora sejam expressos em latim, nem sempre ostentam a autoridade do Direito Romano, sendo muitas vezes difícil descobrir-se a sua origem (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961. p. 298).

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Em que pese ao fato de reconhecermos que Paul Léataud tinha uma certa razão ao afirmar não haver “sentenças, máximas, aforismos de que não se possa escrever o contrário”, não podemos deixar de dizer que as críticas feitas à existência de brocardos jurídicos são injustas, pois não se pode negar a utilidade destes, como preceitos destinados a formular regras de conduta ou de bom-senso, a serem adotadas em situações que estejam a reclamar uma solução jurídica. Sob essa perspectiva pragmática, ninguém poderá negar, por certo, a excelência de brocardos, como: Actiones non natae non praescribuntur (As ações não nascidas não prescrevem); Bis de eadem re non sit actio (Não se dê ação duas vezes sobre a mesma coisa); Confessio est probatio omnibus melior (A confissão é a melhor de todas as provas); In dubio pro reo (Na dúvida, em favor do réu); In medio consistit virtus (A virtude está no meio); Lex clara non indiget interpretatione (Lei clara não necessita de interpretação); Judex secundum allegata et probata judicare debet (O juiz deve julgar segundo o alegado e provado); Judex ultra petita condemnare non potest (O juiz não pode condenar além do pedido); Dura lex, sed lex (A lei é dura, mas é a lei); Nemo debet inauditus damnari (Ninguém deve ser condenado sem ser ouvido); Non probandum factum notorium (O fato notório não precisa ser provado); Nulla poena sine lege (Não há pena sem lei), dentre tantos outros que poderiam ser aqui mencionados.

3. Princípios informativos e princípios fundamentais

Desde o século passado (MANCINI-PISANELLI-SCIALOJA. Commentario del codice de procedura civile per gli stati sardi, parte II, Torino: Amministrazione della Società Editrice, 1855. v. I, p. 7), a doutrina classificou os princípios processuais em: a) informativos e b) fundamentais.

Os princípios informativos, por dispensarem demonstrações, são elevados à categoria de axiomas. Têm, por isso, caráter universal. Como observam Cintra, Grinover e Dinamarco, os princípios informativos “não se limitam ao campo da deontologia e perpassam toda a dogmática jurídica, apresentando-se ao estudioso do direito nas suas projeções sobre o espírito e a conformação do direito positivo”(Teoria Geral do Processo, 21. ed, São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 53). Por outro lado, esses princípios se fundam em critérios técnicos e lógicos, sendo praticamente destituídos de conteúdo ideológico. Subdividem-se em: 1. lógico; 2. jurídico; 3. político; 4. econômico.

Lógico. Significa que o processo (e o procedimento) deve ser coerente em sua estrutura. Assim, a petição inicial deve anteceder à resposta do réu, do mesmo modo como as preliminares vêm antes do mérito e a instrução deve ser realizada antes da sentença. Em rigor, essa exigência de “logicidade” não constitui um traço exclusivo do processo...

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