Supremacia do Negociado em Face do Legislado. A Natureza Bifronte (ou as Faces) da Nova CLT

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Páginas518-529
CAPÍTULO 50
Supremacia do Negociado em Face do Legislado.
A Natureza Bifronte (ou as Faces) da Nova CLT
Enoque Ribeiro dos Santos(1)
(1) Professor Associado da Faculdade de Direito da USP – SP. Desembargador do Trabalho do TRT da 1ª Região – Rio de Janeiro. Mestre (UNESP),
Doutor e Livre-Docente em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP.
(2) A MP n. 808/2017 perdeu a efi cácia em 23.04.2018 pela expiração do prazo constitucional para que o Congresso Nacional deliberasse sobre a maté-
ria por meio de um decreto legislativo. Porém, de acordo com o § 11 do art. 62 da CF/88, se até sessenta dias depois da rejeição ou perda de efi cácia de
medida provisória, ou seja, até 23.06.2018 nada for deliberado, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas. Em outras palavras, se o Congresso Nacional ou o Governo não regularem a matéria da MP n. 808/2017, por meio de
decreto legislativo ou executivo, até 23.06.2018, as relações jurídicas constituídas durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
1. INTRODUÇÃO
O presente escrito tem por finalidade debater alguns
aspectos relevantes da Lei n. 13.467/2017 pertinentes a
um dos eixos centrais da reforma trabalhista no Brasil – a
supremacia do negociado em face da legislação do trabalho
e a percepção doutrinária que a CLT passou a apresentar,
com mais força, uma natureza bifronte (ou bidimensio-
nal), ora refletindo o Direito Individual, ora espelhando o
Direito Coletivo do Trabalho, como demonstraremos nas
próximas linhas.
Como já tinha ocorrido com o microssistema traba-
lhista na Constituição Federal de 1988, os legisladores
brasileiros foram buscar inspiração no Direito do Trabalho
Português, especialmente na recente Reforma Trabalhista
Portuguesa e as respectivas alterações promovidas no Có-
digo do Trabalho Português, em 2003 e, posteriormente,
em 2009, replicando no Brasil virtualmente a maioria dos
institutos implementados naquele país-irmão, inclusive a
adoção da dupla exegese em relação à CLT – Consolidação
das Leis do Trabalho.
2. NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO UM DOS
EIXOS SUBSTANCIAIS DA LEI N. 13.467/2017 E
DA MEDIDA PROVISÓRIA N. 808/2017
Consoante o art. 2º da Convenção n. 154 da Organiza-
ção Internacional do Trabalho (OIT), a convenção coleti-
va de trabalho como o processo que compreende todas as
negociações que tenham lugar entre um empregador, um
grupo de empregadores ou uma organização ou várias or-
ganizações de empregadores, de uma parte, e uma ou vá-
rias organizações de trabalhadores, de outra parte, com o
escopo de: a) fixar as condições de trabalho e emprego; ou
b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores;
ou c) regular as relações entre os empregadores ou suas or-
ganizações e uma ou várias organizações de trabalhadores;
ou d) alcançar todos estes objetivos de uma só vez.
A negociação coletiva de trabalho pode ser conceitua-
da como um processo dialético por meio do qual os traba-
lhadores e as empresas, ou seus representantes, debatem
uma agenda de direitos e deveres, de forma democrática e
transparente, envolvendo as matérias pertinentes às rela-
ções entre trabalho e capital, na busca de um acordo que
possibilite o alcance de uma convivência pacífica, em que
impere o equilíbrio, a boa-fé e a solidariedade.
Podemos sintetizar o conceito de negociação coletiva
de trabalho: processo dialético por meio do qual os seres
coletivos (sindicatos e empresas) discutem uma pauta de
reivindicações, devidamente homologada pela Assem-
bleia Geral respectiva, no sentido de estabelecer novas
condições de trabalho e de remuneração para as respec-
tivas categorias.
No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 foi
a primeira a tratar diretamente da negociação coletiva de
trabalho em vários de seus dispositivos, reconhecendo-a
como direito dos trabalhadores (arts. 7º, inciso XXVI, e 8º,
inciso VI). Antes de sua previsão na Constituição Federal
de 1988, a negociação coletiva de trabalho foi instituída
pelo Decreto n. 21.761, de 23 de agosto de 1932, sendo
posteriormente disciplinada no Decreto-Lei n. 1.237, de 2
de maio de 1939, que também regulamentou a Justiça do
Trabalho e, finalmente, encontrou previsão na Consolida-
ção das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, que a regulou de
modo mais amplo em seus arts. de 611 a 625.
A Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), revista
pela Medida Provisória n. 808(2), de 14.11.2017, adotou
a supremacia dos acordos e convenções coletivas sobre as

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