Tipicidade

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10.1 CONCEITO FUNDAMENTAL
O Tipo Penal, primeiro elemento integrante do conceito de crime, em palavras sim-
ples pode ser definido como mera descrição na Lei de uma conduta humana considerada
proibida, para a qual se estabelece uma sanção, ou seja, é o próprio artigo de Lei que prevê
no plano abstrato o crime.
Porém, essa é simplesmente a definição daquilo que chamamos de Tipo Formal, e
que traduz a imposição do famoso princípio da Legalidade, ou reserva legal, presente no
O termo Tipo é usado na língua portuguesa como tradução do vocábulo Tatbestand
utilizado originariamente no Código Penal Alemão de 1871 (§ 59), entretanto, antes de
adentramos nas diversas acepções do conceito de Tipo, seus elementos e funções, preci-
samos compreender o real significado dessa expressão tão largamente utilizada em nossa
doutrina e jurisprudência.
Seguindo a ideia inicial do conceito formal de Tipo, como dissemos corolário do
princípio da reserva legal, podemos simplificar o significado do termo entendendo que ao
se dizer que um fato é típico é porque o legislador resolveu através de uma previsão legal
vinculá-lo do Direito Penal, tornar determinada conduta humana inerente ao ordenamen-
to jurídico penal, fazendo como passe a ser pertinente para este ramo do Direito.
É extremamente esclarecedora a seguinte metáfora: O acarajé é uma comida típica da
Bahia, assim como matar alguém é um fato típico do Direito Penal. Ora, deixar de pagar o
aluguel, por uma escolha do legislador, não é um fato típico, inerente, pertinente ao Direi-
to Penal, mas sim, um fato típico do Direito Civil, embora os civilistas não utilizem esta
terminologia.
Essa decisão de tipificar ou não uma conduta, trazendo-a para o âmbito jurídico
penal terá suas bases ligadas a outros princípios orientadores como o da Intervenção mí-
nima, Subsidiariedade, Fragmentariedade, Adequação Social, e pelo menos num plano de
ideal democrático, da própria Lesividade.
No plano conceitual, nos resta ainda fazer uma indagação: Se o Tipo Penal, em seu
aspecto formal, nada mais é do que o próprio artigo de Lei, e um fato típico é todo com-
portamento humano que se tornou inerente ao Direito Penal em face dessa previsão legal,
o que significa a tão famosa Tipicidade?
A Tipicidade nada mais é do que uma qualidade atribuída a um fato humano que,
por escolha do legislador, foi previsto na Lei como crime, e para o qual se atribuiu uma
sanção, ou seja, é uma característica inerente a certas condutas que, por se adequarem a
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uma expressa previsão legal após o chamado juízo de tipicidade, passam a integrar um fato
típico.
Podemos fazer uso de outra metáfora para ilustrar o conceito de Tipicidade, dizendo:
Se uma pessoa é honesta, possui honestidade, se um fato é típico possui Tipicidade.
Nos dizeres do Prof. Alvaro Mayrink da Costa: “O Tipo outorga relevância penal a
condutas presumidamente reprováveis, individualizando-as. Sucede, porém, que não se con-
funde com a tipicidade de uma conduta, nem com o juízo de tipicidade. O Tipo é uma cons-
trução imaginaria; resulta da imaginação do legislador, ao passo que o juízo de tipicidade é a
avaliação de uma conduta e a tipicidade, a consequência positiva da avaliação.1
Não concordamos com parte da doutrina nacional2 que considera a Tipicidade
como um elemento integrante dos Tipos Penais, já que esta não se encaixa em nenhuma
das espécies de elementos que compõe os Tipos, e na verdade representa apenas uma
qualidade atribuída a uma conduta humana que possui adequação com um modelo tí-
pico incriminador.
O fundamento dessa posição doutrinária, com a qual discordamos, parece estar na
ideia de que a tipicidade seria um atributo da conduta humana que se subsumiu ao modelo
típico previsto em Lei, e por isso, por fazer parte da própria conduta seria um elemento
implícito dos tipos penais.
Na verdade, a tipicidade não é um atributo da conduta abstratamente prevista no
Tipo, mas sim uma qualidade, característica presente na conduta concretamente realizada
por uma agente, que encontra adequação ao modelo previsto no texto de lei. Não há tipi-
cidade no verbo formalmente previsto na norma, mas tão somente na ação praticada no
mundo concreto pelo autor, quando esta, após passar pelo juízo de adequação típica, nas
bases do modelo previsto abstratamente na Lei, receberá o atributo da Tipicidade.
A Teoria da Norma separa os tipos penais em duas grandes espécies, quais sejam,
Tipos Penais Incriminadores e Tipos Penais Não Incriminadores, para depois principalmen-
te no que tange ao segundo grupo, dividi-lo em subespécies, de acordo com as diversas
características e funções que possuam.
Nesse capítulo analisaremos apenas as características dos Tipos penais incriminado-
res, ou seja, aqueles criados para definir um comportamento abstratamente considerado
proibido pela Lei, para o qual se estabelece uma sanção, e que com seus inúmeros aspectos
e funções, atendendo ao princípio da Legalidade, ou da reserva legal, através de seus ele-
mentos objetivos e subjetivos, dão origem ao próprio crime.
Nos dizeres do Prof. Juarez Cirino dos Santos: “O estudo da estrutura dos tipos de
injustos dolosos de ação utiliza categorias de tipo objetivo e tipo subjetivo introduzidas pelo
finalismo na moderna sistemática dos fatos puníveis.... Todavia, por que as ações típicas
manifestam sua existência como realidade objetivada, cuja configuração concreta é o ponto
de partida da pesquisa empírica do fato criminoso, o tipo objetivo deve constituir a base do
processo analítico de (re)construção do conceito de crime.”3
1. Mayrink da Costa, Alvaro. Op. cit. vol. 2, p. 770.
2. Neste sentido: Cleber Masson, Direito Penal – Parte geral – 2. ed. – Ed. Metodo – p. 196.
3. Cirino dos Santos, Juarez. Direito Penal – Parte Geral – Ed. Lumen Juris. p. 117.
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10.2 FUNÇÕES DO TIPO PENAL
A doutrina moderna elenca uma série de funções para o Tipo Penal, entretanto nem
sempre segue uma linha metodológica para classificar estas funções de acordo com seus
aspectos fundamentais, embora possamos separar as funções desempenhadas pelos Tipos
Penais em grupos, para simplificar o estudo e sua compreensão:
Quanto aos Princípios Fundamentais:
a) Função de Garantia: atendendo ao princípio da legalidade, e seus princípios de-
correntes, Irretroatividade, Taxatividade e Determinação, delimita que o indivíduo só
poderá ser responsabilizado criminalmente quando seu comportamento se adequar for-
malmente a um modelo típico previsto pela norma.
Com base nessa função pode se dizer que, em Direito Penal, “ tudo aquilo que não
está proibido considera-se permitido, ou seja, o tipo penal tem a função de descrever, taxa-
tiva e formalmente, o comportamento humano considerado proibido pelo ordenamento
jurídico, por isso conforme afirma parte da doutrina, dessa função nasce o conceito de
“Tipo-Garantia”.4
Em sentido contrário ao conceito de “Tipo-Garantia, afirma o ilustre Prof. Heleno
Claudio Fragoso: “não se pode dizer que exista um Tipo de garantia, ou seja, uma espécie
de tipo compreendendo as características validas para o principio nullum crimen” (obs.: o
professor se referiu, amplo senso, à Legalidade). E prossegue dizendo: “Não há um tipo de
garantia. A garantia resulta da função do tipo em face do princípio da reserva legal, pois ele
contém a descrição da conduta incriminada, a que o fato deve necessariamente ajustar-se”. 5
Concordamos com o clássico autor do Direito Penal pátrio que não há que se falar em
uma espécie de tipo penal de garantia, como se estivéssemos falando em uma classificação
de Tipo, pois na verdade, todos os tipos penais desempenham a função de garantir direitos
e impor certos deveres aos cidadãos, o que aliás é muito mais que uma função dos tipos,
mas sim a primeira e mais importante função do próprio Direito Penal em si.
Acreditamos sim, que o princípio da reserva legal (Art. 5º Inc. XXXIX da CF) traz
para o âmbito da tipicidade, as garantias constitucionais da presunção de inocência, do
nullum crime sine culpa (responsabilidade penal subjetiva), bem como as demais garan-
tias inerentes a um ordenamento constitucional democrático, daí por que se falar em uma
função garantidora do tipo penal.
b) Função Fundamentadora: nas bases dos princípios da Intervenção Mínima, e
seus princípios decorrentes, Subsidiariedade e Fragmentariedade, pode-se afirmar que a
tipicidade fundamenta a ilicitude penal de uma determinada conduta.
Na verdade, é praticamente a leitura em contrário senso da função de garantia supra-
mencionada, pois a tipicidade de um comportamento é o fundamento para que este seja
considerado ilícito, ou seja, contrário ao ordenamento jurídico, fundamentando assim o
Jus Puniendi (poder de punir) do Estado.
Sendo assim, a intervenção do Estado estará limitada, e deverá ser fundada na es-
colha pelo legislador de condutas consideradas antijurídicas, que nas bases subsidiárias e
4. Neste sentido: Claus Roxin, Alvaro Mayrink da Costa.
5. Fragoso, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral – 16. ed. – Ed. Forense. p. 191.
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