Uma revisão da gênese do direito do trabalho e da constitucionalização dos direitos dos trabalhadores para a crítica da reforma trabalhista

AutorRogério Viola Coelho
Ocupação do AutorAdvogado
Páginas28-43
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Uma revisão da gênese do direito do trabalho e da constitucionalização
dos direitos dos trabalhadores para a crítica da Reforma Trabalhista
Rogério Viola Coelho
Advogado, graduado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 1968.
Assessorou entidades sindicais, como FASUBRA e ANDES-SN. Teve publicado o
livro A Relação de Trabalho com o Estado, pela LTr Editora.
1. Introdução
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE, consagrado ao lado do PRINCÍPIO DA LI-
BERDADE na fundação da democracia moderna, assegurava de início a igualdade de todos
perante a lei — a denominada igualdade formal — , decretando o fim das discriminações.
Do princípio da liberdade, decorria a liberdade contratual, fundada na autonomia da vontade
individual e na universalização do direito de propriedade; direito este estendido a todos
com o reconhecimento da propriedade sobre o próprio corpo, viabilizando a circulação da
mercadoria-força de trabalho.
E o projeto de sociedade assim fundado propagava a crença de que as razões con-
correntes, mas iguais em liberdade, ensejariam o equilíbrio dos interesses confrontados no
contrato, anunciando a prosperidade geral. Orlando Gomes sintetiza bem os efeitos desta
crença, dizendo que
[...] o princípio da igualdade de todos perante a lei conduziu logicamente à indi-
ferença da ordem jurídica pela situação das partes de qualquer contrato. No pres-
suposto dessa igualdade meramente teórica presumia-se que os interessados em
contratar precediam o contrato, qualquer que fosse, de livre discussão, na qual seus
interesses divergentes encontravam, afinal, denominador comum.(1)
(1) GOMES, Orlando. Contratos.
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A realidade concreta, no entanto, evidenciou que havia uma disparidade crescente entre
as vontades individuais confrontadas, em face da enorme diferença de poder entre os contra-
tantes, cedo frustrando a promessa de realização da igualdade por meio das relações negociais.
Assevera então o mesmo autor que “a desigualdade real entre os contratantes favorece o abuso do
mais forte. Procura-se corrigi-la, compensando-se a inferioridade econômica ou circunstancial de
uma das partes com uma superioridade jurídica”.(2)
A situação de profunda desigualdade constatada ensejou movimentos de resistência dos
trabalhadores assalariados em busca da intervenção normativa do Estado, para suprir a vontade
das partes contratantes, impondo cláusulas legais obrigatórias, com o declínio do reino da
autonomia da vontade individual. A tutela legal prestada à parte submetida ao poder privado
dos tomadores de trabalho, surgia assim, não para compensar um déficit de conhecimento
dos ofertantes de trabalho, mas em consideração ao efeito dessa relação de poder, produtora
da inibição de sua vontade real.
Paralelamente surgia, fora do controle do Estado e desafiando sua autoridade, a ação
coletiva de autodefesa das categorias profissionais, com enfrentamento direto ao poder privado
dos demandantes de trabalho, impondo a elevação do preço da força de trabalho, classificada
por ofícios, em negociações forçadas pela paralisação da produção. Nascia assim a autonomia
coletiva dos trabalhadores, cujo exercício acabou sendo assimilado e regulado pelo Estado, em
busca de sua limitação, formando o denominado Direito Coletivo do Trabalho.
A resistência prolongada e crescente dos trabalhadores constituiu a fonte material da
emergência do Direito do Trabalho. Essa insurgência dos trabalhadores, além de ensejar na
virada do século um Direito do Trabalho diferenciado do direito comum, inicialmente à
margem do ordenamento geral, gerou gradativamente no imaginário social a ideia de que o
princípio da igualdade deveria abranger o postulado da redução das desigualdades; a igualdade
passaria a ser mais a finalidade que o direito há de perseguir do que o suposto da igualdade
entre os homens.
Além da propagação da ideia da igualdade como finalidade que o direito deve perseguir
nas relações contratuais, prosperou a ideia de que a pessoa do trabalhador dependente, ao
alienar a disponibilidade de sua força de trabalho em busca dos meios de sobrevivência, era
submetida a uma exploração predatória. Para superar a exploração existente, que consumia
tempos de vida, seria necessária uma tutela legal. Tutela que começou pela fixação de idade
mínima para as crianças entrarem no mercado de trabalho e pelas limitações impostas ao
trabalho da mulher, prosseguindo com a redução das jornadas exaurientes.
2. O princípio da igualdade e o princípio da proteção na origem do Direito do Trabalho
2.1 Nas palavras de Oscar Ermida Uriarte,
[...] la igualdad es el valor inicial que da fundamento a todo el Derecho del trabajo
y al resto de sus princípios”. O jurista uruguaio vai além, dizendo que “...la igualdad
que orienta al Derecho laboral, no es la igualdad formal y abstracta del liberalismo,
(2) Idem, ibidem.

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