Como a união europeia procura proteger os cidadãos-consumidores em tempos de big data

AutorManuel David Masseno
Páginas495-514
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COMO A UNIÃO EUROPEIA PROCURA
PROTEGER OS CIDADÃOS-CONSUMIDORES
EM TEMPOS DE BIG DATA 1-2
Manuel David Masseno
Sumário: 1 A Big Data e a defesa dos consumidores: identicação e caraterização breves. 2
As Consequências Normativas. 2.1 No que se refere ao Direito do Consumidor, em sentido
estrito. 2.2 Em matéria de Proteção de Dados Pessoais. Posfácio. Referências.
1. A BIG DATA E A DEFESA DOS CONSUMIDORES: IDENTIFICAÇÃO E
CARATERIZAÇÃO BREVES
Com crescente frequência, mesmo na Comunicação Social generalista, as referências
à Big Data e suas implicações para a vida das pessoas têm-se multiplicado, embora nem
sempre em termos rigorosos. Por esse motivo e antes de quaisquer outras considera-
ções, é necessária uma aproximação aos textos of‌iciais da União Europeia, de maneira a
delimitar a respetiva noção e, consequentemente, o nosso objeto de estudo. Assim, em
termos sintéticos:
O termo “Megadados refere-se ao aumento exponencial da disponibilidade e da utilização automatizada
de informações: refere-se a conjuntos de dados digitais gigantescos detidos por empresas, governos
e outras organizações de grandes dimensões, que são depois extensivamente analisados (daí o nome
‘analítica’) com recurso a algoritmos informáticos”3
E, de um modo mais detalhado:
1. Atendendo à origem e à f‌inalidade deste texto, referirei apenas trabalhos de Autores portugueses, publicados
no último lustro. Além de os mesmos incorporarem referências aos estudos anteriores, incluindo as obras mais
relevantes de outros espaços jusculturais, esta opção tem por objetivo instigar os estudiosos brasileiros no sentido
de utilizarem mais a Doutrina em Língua Portuguesa, não se limitando às em Inglês, Espanhol ou até em Francês
ou Italiano, com os problemas de transposição de terminologias que frequentemente resultam de tais práticas,
muito para além dos “anglicismos bárbaros”, que continuam sendo muito mais comuns que o devido, mormente
agora, na iminência da aplicabilidade da LGPD.
2. Tendo por título Protegendo os cidadãos-consumidores em tempos de big data: uma perspectiva desde o direito da
União Europeia, este estudo foi, inicialmente, realizado no âmbito do Projeto I+D “Big Data, Cloud Computing y
otros retos jurídicos planteados por las tecnologías emergentes; en particular, su incidencia en el sector turístico” -
DER2015- 63595 (MINECO/FEDER), coordenado pela Universitat de les Illes Balears, Espanha, ativo entre 2016 e
2019 e no qual fui Investigador. Foi publicado pela Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo. Curitiba. ISSN
2237-1168, 27 (2017), p. 37-60, e selecionado para a BDJur - Biblioteca Digital Jurídica do Superior Tribunal de
Justiça, do Brasil.
3. Assim, o Parecer 3/2013 do Grupo de Trabalho do Artigo 29.º para a Proteção dos Dados, sobre a “limitação de
f‌inalidade”, de 2 de abril de 2013.
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“O termo ‘grandes volumes de dados’ refere-se a grandes quantidades de dados de diferentes tipos pro-
duzidos em grande velocidade a partir de um elevado número de diferentes tipos de fontes. Para lidar
com os conjuntos de dados altamente variáveis e em tempo real gerados hoje em dia, são necessários
novos métodos e ferramentas, como, por exemplo, processadores, software e algoritmos de grande
potência. Que vão além das tradicionais ferramentas de ‘exploração de dados’ (mining) concebidas
para lidar principalmente com conjuntos de dados estáticos, de pequena escala e baixa variedade,
muitas vezes manualmente.”4
Simplif‌icando, a Big Data resulta da conf‌luência de três avanços tecnológicos, de
origem diferente, mas que se reforçaram entre si. Designadamente, decorre da Computação
em Nuvem, a qual passou a possibilitar o armazenamento de volumes crescentes de dados,
com disponibilidade permanente e uma f‌iabilidade assegurada pela redundância, tudo
isto com custos cada vez menores. A que se juntaram as comunicações de banda muito
larga, em f‌ibra ótica e ponto a ponto, com velocidades de acesso tais que deixaram deixou
de ser necessário manter centros de dados próprios, também com custos decrescentes.
A ambas, acresceram algoritmos de análise assentes em Inteligência Artif‌icial, mais do
que em força bruta computacional, ainda que distribuída, pelo menos na pendência da
computação quântica, os quais vieram acrescentar a viabilidade de gerir pacotes cada vez
maiores de dados, em tempo real. Finalmente, a proliferação de sensores interligados, a
que se tem dado o nome de Internet das Coisas, ou de Tudo, conduziu ao multiplicar da
informação disponível, a qual respeita sempre e em def‌initiva aos cidadãos-consumidores.
Desta maneira, a Big Data constitui a nova fronteira para a criação de valor, com
um aumento radical da ef‌iciência nos processos e na alocação de recursos, como o WEF
– Fórum Económico Mundial (Davos) de 2012, pela primeira vez apontou5.
Isto porque as analíticas subjacentes à Big Data viabilizam a detecção de microten-
dências, indo além dos métodos assentes em amostragens de base estatística, incluindo
a data mining, por terem como objeto todos os dados, de todas as origens e naturezas, e
não apenas amostragens pré-selecionadas, o que multiplica exponencialmente as cor-
relações que passam a ser passíveis de serem inferidas.
No que se refere às relações de consumo, estas ferramentas têm sido sobretudo
utilizadas em matéria de Marketing Direto e de OBA – Publicidade Comportamental Em-Li-
nha, embora sejam igualmente de referir as Análises de Rede e as Informações de Crédito.
Concretizando nas operações com consumidores, além de facultar um muito melhor
apoio à decisão nas empresas, com um enorme acréscimo de ef‌iciência organizacional,
a Big Data releva essencialmente na estruturação da oferta. Com efeito, a mesma tornou
concretizável uma segmentação capilar, focalizada nas aspirações de cada cliente, e já
não em conjuntos de pessoas arrumadas por tipos, o que deixara de ser compatível ou
necessário atendendo à massif‌icação dos comportamentos e dos gostos que caracterizou
a Sociedade Industrial. Essas abordagem passaram a ser viáveis em termos generalizados
4. Tal como consta da Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e
Social Europeu e ao Comité das Regiões, “Para uma economia dos dados próspera” (COM(2014) 442 f‌inal, de 2
de julho de 2014).
5. Assim e por todos, o Relatório de Síntese: Big Data, Big Impact: New Possibilities for International Development.
Para mais referências de estudos, designadamente das Grandes Consultoras internacionais, além do meu artigo
sobre o tema (2016), são de atender os desenvolvimentos de Ana Alves LEAL (2017).
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