Da transação

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33. 1 Conceito e finalidade

Analisemos a seguinte situação publicada pelo Revista dos Tribunais, vol. 473, pág. 78: Por escritura pública, uma única herdeira cede e transfere parcialmente os direitos hereditários à concubina do falecido. Trata-se de autêntica transação, para evitar os inconvenientes e os dissabores de um pleito judicial, prevenindo, portanto, o litígio com a cessão de alguns dos bens da herança para a concubina, visando à satisfação de quanto esta se julga com direito de receber, como companheira que fora do de cujus e como contribuinte que fora no crescimento do patrimônio deste. Na escritura, lê-se que a concubina se dá por inteiramente paga e plenamente satisfeita, pelo que outorga irrevogável quitação, desistindo, transigindo e renunciando, de modo expresso e irretratável, a qualquer outro direito, além daquele, e prometendo nada mais pretender ou reclamar, em qualquer tempo, da cedente, de seus herdeiros ou de quem quer que seja, com fundamento no fato de haver vivido maritalmente com o finado, por longo espaço de tempo e de haver prestado efetiva cooperação no crescimento de seu patrimônio. Esse ato, esse acordo de vontade, que pode se dar antes de iniciado o processo judicial ou quando este já estiver em curso, chama-se transação. Através dele as partes se compõem, por vontade própria, com o fim de evitar o pleito ou excluir a solução jurisdicional. É um acordo de vontade entre as partes, um negócio jurídico bilateral (contrato), através do qual pessoas declaram ou reconhecem direitos, prevenindo ou

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terminando litígios, mediante concessões mútuas. Como assevera Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça, a transação é um negócio jurídico bilateral em que, mediante mútuas concessões, cuidam os interessados de prevenir ou terminar litígio, extinguindo obrigações duvidosas.311A transação, tendo o "caráter eminentemente contratual, impede que o juiz se manifeste quanto à sua substância, modificando o que as partes livremente pactuaram, impondo restrições não estabelecidas, o que, ao contrário, resultaria infirmada a sua função pacificadora" (in RT 663/206).

A transação, portanto, evita o processo ou encerra-o por meio de concessões recíprocas, solucionando, prévia ou posterior demanda. Ensina, a propósito, Coelho da Rocha: "E o contrato pelo qual duas ou mais pessoas decidem por meio de concessões recíprocas uma contestação, sobre que disputam, ou receiam disputar".312Ou como determina o art. 840 do CC: "É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas".

33. 2 Objeto da transação

O objeto da transação é limitado aos direitos patrimoniais de caráter privado. É o que se extrai da dicção textual do art. 841 do Código Civil, in verbis:

"Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação".

Vale dizer, se os direitos são de caráter público, a transação é inoperante e não será admitida. "É de se acolher os embargos opostos no curso da ação de desapropriação, envolvendo direitos patrimoniais de direito público, ofensiva à restrição estabelecida no art. 1.035 (novo, art. 841) da Lei Substantiva Civil, pois a desapropriação não é motivo de direito privado, mas exclusivamente de direito público" (in RT 679/170). "É nula a transação, e a consequente sentença homologatória, que envolva direitos obrigacionais de caráter público, por isso que somente quanto a direitos patrimoniais de caráter privado é que a lei admite a transação" (in RT 692/131).

Carvalho Santos ensina e exemplifica: "Não podem ser objeto de transação: a) os direitos colocados fora do comércio, como, por exemplo, os que dizem respeito ao pátrio poder; b) os direitos sobre a qualidade constitutiva do estado das pessoas, como, por exemplo, a nacionalidade, sobre filiação legítima ou natural, sobre capacidade. Mas, é lícito transacionar sobre os interesses pecuniários que

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podem decorrer de uma questão de estado, como, por exemplo, sobre os direitos hereditários (cf. Demolanbe, Paul Pont e Aubry et Rau); c) as questões que interessam à ordem pública. Não podem, por isso, transacionar os cônjuges sobre as questões de validade ou nulidade do casamento, sobre as suas relações pessoais, assim como não é possível a transação sobre o regime das sucessões".313

33. 3 Capacidade para transigir

Por ser a transação um acordo liberatório da obrigação, uma forma de extinção de obrigações, exige-se ainda que as partes sejam capazes. Esta capacidade abrange, além da capacidade genérica para a vida civil, a mesma capacidade para se obrigar; quem não puder fazer alguma coisa, não poderá transigir. Se uma pessoa, por exemplo, depender do consentimento alheio, dele também dependerá para transigir; se o mandatário não tiver poderes especiais e expressos, também não poderá transigir (CC, art. 1.295 - novo, art. 661, § 1.º e CPC, art. 38).

Enfim, a lei, em alguns casos, impede a transação feita pelo incapaz. Este para transigir necessita da complementação de vontade do representante e autorização judicial.

33. 4 Espécies e formas de transação

A transação visa evitar a lide, transformando, assim, em estado jurídico certo, o que era inseguro. Existem, pois, duas espécies de transação quanto à forma: judicial e extrajudicial. A primeira se dá durante o curso de uma demanda e enseja sentença homologatória dando conteúdo a um título executivo judiciário; a segunda é instrumentada fora do processo e levada a efeito antes de uma demanda iminente, justamente com a finalidade de evitá-la. Não é, portanto, suscetível de homologação judicial e, portanto, não dá conteúdo a um título executivo judiciário.

  1. TRANSAÇÃO JUDICIAL

Se a lide estiver pendente em juízo e existirem direitos contestados, a transação pode ser realizada por escritura pública, ou através de termo nos autos.

Por escritura pública - A transação deve ser encarada como um contrato e, quando existe lide contestada, ela pode ser realizada fora do processo

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através de escrito público, perante o Tabelião de Notas. É necessário que a escritura pública venha aos autos para o juiz encerrar o processo.

Por termo nos autos - A transação se dá dentro do processo, perante o juiz, geralmente na audiência, ocasião em que o magistrado retrata os pormenores da transação e a homologa. A homologação, portanto, é um ato sentencial considerado uma espécie de atividade de jurisdição voluntária, que tem por fim confirmar a composição das partes a respeito de seus direitos materiais, encerrando o processo (instância).

Portanto, a homologação faz cessar a instância, confirmando o acordo das partes. É uma formalidade de efeitos posteriores, ou seja, a transação e a homologação são dois atos distintos: a primeira representa a conjugação da vontade das partes e a segunda, uma formalidade posterior. Veja a lição de Afonso Fraga: "a sentença homologatória não aumenta a eficácia da transação, somente a dota de um título de execução aparelhada, sem o qual é juridicamente impossível dá-la à execução". Continua: "Daí a vantagem de se requerer sempre ao juiz, que a homo-logue por sentença, e ao juiz não é lícito deixar de fazê-lo".314B) TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL

O acordo extrajudicial, para evitar uma demanda iminente, pode ser feito por instrumento público ou particular. Será realizado por escritura pública, quando a lei o exigir, pois há direitos em que, por lei, a escritura pública é da essência do ato, como, por exemplo, quando a transação envolve imóveis. A transação extrajudicial será realizada por escritura particular quando a lei não exigir o instrumento público. Regula a situação a primeira parte do art. 842 do CC: "A transação far-se-á por escritura pública, nas obrigações em que a lei o exige, ou por instrumento particular, nas em que ela o admite;...".

O acordo extrajudicial, para evitar uma demanda iminente, deve ser feito por instrumento público ou particular; se realizado por escrito público ou particular, independe de homologação, que tem o efeito de cassar a instância. "É admissível a homologação judicial de acordo celebrado extrajudicialmente sem a intervenção de advogado, quando a transação versar tão-somente sobre direito patrimonial e for manifestamente inequívoca a vontade de transigir" (in RT 755/325). A única observação a ser feita diz respeito à forma especial que é determinada pela lei. A forma particular só é possível, quando a lei não prescreve forma especial para a escritura pública do ato. "A transação feita por escrito público ou particular independe de ser tomada por termo nos autos" (in RT 541/181). "A transação para redução do valor locatício, - decidiu o tribunal - em se tratando de contrato de lo-

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cação escrito, deverá ser feita também sob a forma escrita, por força do art. 1.093 (anterior) do CC, sob pena de, em sendo verbal, caracterizar tão-somente uma concessão, pois ausente a formalização adequada, não sendo, assim, hábil para comprovar a alegada alteração contratual" (in RT 778/314).

33. 5 Requisitos

Para a consecução da transação, são imprescindíveis alguns requisitos, a saber:

  1. acordo entre os interessados;

  2. concessões recíprocas;

  3. prevenção ou extinção de obrigações litigiosas ou duvidosas.

  4. ACORDO ENTRE OS INTERESSADOS

Sendo a transação um negócio jurídico bilateral (contrato), a manifestação voluntária de ambos é, pois, necessária. Para tanto, não devemos esquecer a exigência sobre a disponibilidade dos direitos sobre os quais incide a capacidade para...

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