14 mil páginas são insuficientes para garantir a transmissão da herança digital

AutorKarina Nunes Fritz
Páginas97-98
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14 MIL PÁGINAS SÃO INSUFICIENTES
PARA GARANTIR A TRANSMISSÃO
DA HERANÇA DIGITAL
O conglomerado digital de Mark Zuckerberg não tem tido vida fácil na Alemanha.
Não bastasse o Bundesgerichtshof ter prolatado em 2018 a paradigmática decisão sobre
herança digital, ordenando o Facebook a liberar aos pais o acesso à página da adolescente
falecida no metrô de Berlim, há pouco o conglomerado enfrentou dif‌iculdades com o
cumprimento da decisão2.
Relembrando a lide: os pais de uma adolescente, falecida em circunstâncias misterio-
sas no metrô em Berlim, tentaram acessar o perf‌il da menina no Facebook para encontrar
pistas que levassem ao esclarecimento de sua morte. Embora possuíssem todos os dados
de acesso, o Facebook bloqueou a conta, vedando o acesso da família, tão logo soube da
morte da garota por um contato anônimo.
Os pais processaram a plataforma digital e ganharam em última instância quando o
BGH, esclarecendo a questão, estabeleceu como regra a transmissibilidade aos herdeiros
da chamada herança digital, exceto se o falecido, em vida, dispôs em sentido contrário, em
testamento ou qualquer meio inequívoco. O julgado virou o leading case do tema na Europa
e teve repercussões imediatas, afastando a tese minoritária de que apenas o “conteúdo patri-
monial” da conta seria transmissível com a morte, enquanto o “conteúdo existencial” não.
Alguns meses atrás, a novela teve mais um capítulo. Os pais da menina pediram
judicialmente, perante o Landgericht Berlin, uma multa de 10 mil euros por descum-
primento da sentença que ordenava a liberação do perf‌il da garota, porque o Facebook
não colocou de forma adequada o conteúdo digital à disposição dos pais, herdeiros da
falecida. Segundo o advogado da família, Christian Pfaff, o Facebook não estava cum-
prindo a determinação judicial de conceder acesso pleno e irrestrito à conta da usuária,
pois os pais ainda não conseguiam acessar a conta.
Eles receberam, ao invés disso, um USB-Stick com um documento em PDF com 14
mil páginas de fotos, mensagens, conversas e postagens feitas pela garota em vida. Para
o Facebook, a decisão fora cumprida, pois todas as informações da conta da adolescente
foram repassadas à família. Segundo a plataforma, seria tecnicamente impossível liberar a
conta em “modo passivo”, permitindo o acesso da pessoa ao conteúdo, mas impedindo a
comunicação. E, uma vez liberado o acesso no “modo ativo”, o próprio perf‌il já se encarre-
gava de ativar a conta, enviando automaticamente mensagens e lembranças aos contatos.
Mas, ao que parece, depois das astreintes o acesso ao perf‌il foi liberado para os pais
da garota de Berlim. Mas o caso permanece exceção. O Facebook até mudou, em 2019,
as regras aplicáveis em caso de falecimento do usuário, mas ainda é necessária a indi-
2. Artigo publicado na coluna German Report, em 01.09.2019.
EBOOK JURIS COMENTADA TRIBUNAIS ALEMAES.indb 97EBOOK JURIS COMENTADA TRIBUNAIS ALEMAES.indb 97 01/07/2021 15:58:3901/07/2021 15:58:39

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