Apple deve liberar acesso dos herdeiros ao icloud

AutorKarina Nunes Fritz
Páginas99-100
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APPLE DEVE LIBERAR ACESSO
DOS HERDEIROS AO ICLOUD
A decisão do Bundesgerichtshof sobre a transmissibilidade da herança digital produ-
ziu efeitos imediatos na Justiça alemã, onde começaram a surgir decisões condenando
os grandes conglomerados digitais a liberar à família o acesso aos dados dos familiares
mortos, armazenados na nuvem. Uma das primeiras decisões a seguir o entendimento
do BGH foi a decisão do Juízo da Comarca de Münster, que condenou a Apple a permitir
que os familiares herdeiros tivessem acesso à conta do iCloud de um usuário falecido.
O usuário havia celebrado um contrato de utilização (Nutzungsvertrag) de espaço
na nuvem com a Apple, em razão da qual ele possuía a conta no iCloud, utilizada até
sua morte em 14.07.2018. Após seu falecimento, a família tentou, sem sucesso, acessar
a conta do iCloud do falecido e, por isso, entrou em contato com a Apple solicitando a
liberação do acesso à conta e aos arquivos lá armazenados.
A empresa se recusou a liberar o acesso dos familiares herdeiros, razão pela qual
esses pleitearam judicialmente o reconhecimento da pretensão de acessar todo o con-
teúdo armazenado na conta do iCloud do de cujus. A ação foi protocolada na Comarca
de Münster, no Estado de Nordrhein-Westfalen ou Renânia do Norte-Vestfália, onde
residia o de cujus.
A Apple não contestou a ação e, talvez por conta disso, a decisão de primeira ins-
tância foi bem sucinta, limitando-se a fazer referência ao importante precedente da Corte
infraconstitucional, aqui já comentado: BGH AZ III ZR 183/17, julgado em 12.07.2018.
No leading case restou reconhecido o direito dos herdeiros de ter acesso à conta do usu-
ário falecido, bem como a todo o conteúdo lá armazenado, independentemente desse
conteúdo possuir cunho patrimonial ou existencial.
O conteúdo patrimonial já é automaticamente transmitido, por força do § 1.922 BGB,
que consagra o princípio da sucessão universal e ninguém a isso se opõe. Discutível seria
apenas se o conteúdo existencial do acervo digital, amealhado em vida pelo falecido, também
seria transmissível aos herdeiros, ao que se opõe uma corrente majoritária no direito alemão.
O Landgericht Münster, entretanto, seguindo a orientação do Bundesgerichtshof,
aplicou o § 1.922 BGB a f‌im de af‌irmar que todo o acervo digital – denominado de
“herança digital” – do falecido deve ser transmitido automaticamente aos herdeiros no
momento da morte do usuário. Esse acervo fora construído com base em um contrato
de uso da plataforma digital, o qual é sucessível como os demais contratos obrigacionais.
Com base nisso, a Apple foi condenada a liberar o acesso à conta e a todo o conteúdo
lá existente aos familiares herdeiros. Trata-se do processo LG Münster 14 O 565/18,
julgado em 16.04.2019.
No Brasil, o tema é polêmico. Diante de (suposta) lacuna legal, o Judiciário vem
sendo vacilante, ora tutelando os herdeiros, ora favorecendo os conglomerados digitais,
EBOOK JURIS COMENTADA TRIBUNAIS ALEMAES.indb 99EBOOK JURIS COMENTADA TRIBUNAIS ALEMAES.indb 99 01/07/2021 15:58:4001/07/2021 15:58:40

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