Disgorgement algorítmico: técnicas de pro cessamento de dados e a gestão auto matizada dos ilícito s lucrativos na internet

AutorNelson Rosenvald e José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Páginas327-355
DISGORGEMENT ALGORÍTMICO”:
TÉCNICAS DE PROCESSAMENTO DE DADOS
E A GESTÃO AUTOMATIZADA DOS ILÍCITOS
LUCRATIVOS NA INTERNET
Nelson Rosenvald
Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Procurador de
Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-Doutor em Direito Civil na Università
Roma Tre (IT-2011). Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra
(PO-2017). Visiting Academic Oxford University (UK-2016/17). Professor Visitante na
Universidade Carlos III (ES-2018). Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Presidente do Instituto Brasileiro de
Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC.
José Luiz de Moura Faleiros Júnior
Doutorando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo – USP/Largo de
São Francisco. Doutorando em Direito, na área de estudo ‘Direito, Tecnologia e
Inovação’, pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Mestre em Direito
pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. Especialista em Direito Digital, com
extensão universitária na Universidade de Chicago. Associado Fundador do Instituto
Avançado de Proteção de Dados – IAPD. Membro do Instituto Brasileiro de Estudos
de Responsabilidade Civil – IBERC. Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. Responsabilidade civil e algoritmos. 3. O enriquecimento sem causa:
bases estruturantes de uma responsabilização que transcende o dano. 4. Novas nuances concernentes
ao disgorgement e à sua (i)licitude quando levado a efeito de modo automatizado. 5. O disgorgement
algorítmico: reexões sobre uma nova sistemática para o enforcement obrigacional na Internet. 6.
Considerações nais. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O ritmo da inovação tecnológica caminha em verdadeiro descompasso com a
capacidade do Estado de prover soluções jurídicas adequadas às inúmeras contin-
gências geradas pela exploração de novas modelagens das atividades econômicas,
especialmente daquelas exploradas na Internet, posto que algoritmos de Inteligência
Artif‌icial, em decorrência da evolução das técnicas de machine e deep learning, têm
produzido impactos jurídicos variados.
Se, por um lado, surge uma ‘corrida’ pelos algoritmos mais ef‌icazes e capazes de
f‌iltrar os mais variados acervos de dados para propiciar vantagens nas mais diversas
atividades econômicas, por outro, o direito responde, regulando as maneiras pelas
quais se pode viabilizar essa nova dinâmica jurídica, especialmente para otimizar o
cumprimento obrigacional e para a garantia da responsabilização civil.
NELSON ROSENVALD E JOSÉ LUIZ DE MOURA FALEIROS JÚNIOR
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Na responsabilidade contratual, uma dessas possibilidades é o implemento dos
contratos inteligentes (smart contracts) como uma espécie de “protocolo” executá-
vel a partir de computadores e com o potencial de levar a efeito, automaticamente,
os termos de um contrato. Sua operação se dá, usual e preferencialmente, pela rede
blockchain, contando com elevado potencial, ao mesmo tempo em que traz grande
complexidade.
Na responsabilidade extracontratual, não se pode deixar de mencionar que já
existem exemplos de algoritmos que realizam a f‌iscalização de ilícitos geradores
lucros indevidos e, ao identif‌icá-los, procedem automaticamente à retenção de va-
lores e ao bloqueio de funcionalidades para garantir, a quem de direito, a reparação
devida. Fala-se em digital rights management (DRM), desmonetização, dentre outros
efeitos. Todo o monitoramento de ilícitos e de eventuais abusos de direito quanto ao
chamado fair use nos direitos de autor é feito por algoritmos e pelo implemento de
decisões automatizadas.
Quando são analisados os impactos dos algoritmos de Inteligência Artif‌icial
sobre a Ciência do Direito, o debate transcende a f‌icção científ‌ica, não se cogitando
de uma distopia como as da literatura ou do cinema, marcadas pela emancipação de
robôs. Em verdade, urge revisitar algumas clássicas formulações, para que eventuais
mudanças sejam acomodadas nesse novo contexto.
A responsabilidade civil, por óbvio, não deixa de apresentar suas particularidades
quando analisada sob o prisma tecnológico e, não por outra razão, se desvela a pos-
sibilidade de utilização da reparação civil baseada no ilícito lucrativo, em verdadeira
mudança de escopo da responsabilização tradicional para a efetivação do disgorgement.
Basicamente, busca-se identif‌icar o lucro indevido (e não mais o dano) para que
a reparação atinja o patamar adequado frente ao ilícito praticado. É lógica atualíssi-
ma, pertinente e adequada ao ordenamento brasileiro, e que vai além do tradicional
direito de danos por permitir outros nortes para a reparação civil. Em resumo, o
tema-problema pode ser sintetizado a partir de um questionamento: a utilização do
disgorgement, de forma automatizada e a partir de algoritmos, se convola em autotutela
e, por isso, demanda sistematização própria e adequada à gestão de ilícitos lucrativos
na Internet? É esse o tema que o presente trabalho analisará.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL E ALGORITMOS
A atual era comunicacional, chamada pela doutrina de ‘web 4.0’ ou ‘web semân-
tica’, foi inaugurada pela efetiva presença da Internet na sociedade em rede – em
necessária remissão aos conceitos desenvolvidos por Manuel Castells1 –, não se
1. A trilogia “The Information Age”, magnum opus do sociólogo espanhol, descreve o papel da informação na so-
ciedade contemporânea, a partir da mudança de uma sociedade industrial para uma sociedade informacional,
que começou na década de 1970 e culminou na formação de uma sociedade estruturada em torno de redes,
substituindo os atores individuais. Castells enfatiza a inter-relação das características sociais, econômicas
e políticas da sociedade, e argumenta que a ‘rede’ é a característica que marca a época atual. Conferir, para

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