Inteligência art ificial em softwares que emulam perfis de falecidos e dados pessoais de mortos

AutorCristiano Colombo e Guilherme Damasio Goulart
Páginas95-113
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
EM SOFTWARES QUE EMULAM PERFIS
DE FALECIDOS E DADOS PESSOAIS DE MORTOS
Cristiano Colombo
Pós-Doutor em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Doutor e Mestre em Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor Permanente do Mestrado Prossional
em Direito da Empresa e dos Negócios da UNISINOS; Professor de graduação em
Direito e Relações Internacionais da UNISINOS; Professor de Graduação em Direito
das Faculdades Integradas São Judas Tadeu; e-mail: cristianocolombo@unisinos.br.
Guilherme Damasio Goulart
Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Atua como advogado, professor e consultor em Segurança da Informação e Direito da
Tecnologia. E-mail: guilherme@direitodatecnologia.com.
Sumário: 1. Introdução. 1.1 Inteligência Articial em softwares que emulam pers de falecidos.
1.2 Dados pessoais de mortos. 2. Princípio da centralidade no ser humano e projeção póstuma.
2.1 Princípio da centralidade no ser humano. 2.2 Sua projeção póstuma. 3. Considerações nais.
4. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo se dedica à Inteligência Artif‌icial (IA) empregada em softwares
que emulam perf‌is de falecidos. A possibilidade concreta da IA de imitar comporta-
mentos de falecidos e criar experiências que, fantasiosamente, ligam o mundo dos
vivos aos mortos, geram inúmeras questões de ordem psicológica, médica e jurídica.
Sob o recorte da Ciência Jurídica, buscar-se-á harmonizar recomendações sobre a IA
expedidas no contexto da União Europeia, bem como estudos que desencadearam o
Projeto de Lei sob o n. 21 de 2020, com a disciplina de Proteção de Dados Pessoais. O
problema a ser analisado é: podem os dados pessoais dos mortos ser objeto de trata-
mento em softwares que emulam perf‌is póstumos inteligentes? Adverte-se que não
se trata de investigar a possibilidade da existência de uma personalidade artif‌icial,
ou ainda, do reconhecimento de uma personalidade enquanto sujeito de direitos que
exsurge da inteligência artif‌icial1. Antes disso, o tema aqui investigado envolve o uso
de dados pessoais de falecidos para a criação de perf‌is inteligentes animados pela IA.
1. Tema que foi brilhantemente abordado por CACHAPUZ, Maria Cláudia. O conceito de pessoa e a autonomia
de Data (ou sobre a medida da humanidade em tempos de inteligência artif‌icial). Revista de Direito Civil
Contemporâneo, São Paulo, v. 20, p. 63-65, Jul.-Set./2019.
CRISTIANO COLOMBO E GUILHERME DAMASIO GOULART
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No primeiro capítulo, abordar-se-á a Inteligência Artif‌icial embarcada em
softwares que emulam perf‌is de falecidos, estudando as características da IA, bem
como a existência de aplicativos já desenvolvidos, inclusive, sob forma de chatbots,
permitindo a imaginária comunicação entre vivos e mortos. Mais adiante, apro-
fundar-se-á na temática dos dados pessoais dos mortos e seu tratamento jurídico.
No segundo capítulo, decompor-se-á o princípio da Centralidade no Ser Humano,
ref‌letindo, em sua parte f‌inal, sobre sua projeção póstuma. A metodologia aplicada
passa pela pesquisa teórica, avançando na temática de forma exploratória e descritiva,
aplicando procedimentos técnicos bibliográf‌icos e vídeo fonográf‌icos, consultando
obras f‌iccionais e técnicas.
1.1 Inteligência Articial em softwares que emulam pers de falecidos
A fronteira permeável entre o real e o fantástico encanta aos que experienciam
as novidades oferecidas pela Inteligência Artif‌icial (IA). O fascínio se opera em face
de softwares, engendrados ou não a hardwares2, apresentarem características “tipi-
camente humanas”, como a visão, a percepção de espaço e tempo, desenvolvendo a
capacidade de tomar decisões e responder a estímulos, com certo grau de autonomia.3
Isaac Asimov, em sua obra f‌iccional “Eu, Robô”, projetou instigante preocupação no
então longínquo ano de 2057, referindo-se sobre a necessidade de ser aberta uma
investigação para apurar se o personagem Stephen Byerley seria uma pessoa ou um
robô. O estado da arte alcançado pela tecnologia, naquele futuro longevo, geraria
situações de difícil distinção entre humanos e máquinas. A resposta a este questiona-
mento era importante na medida que Byerley era provável candidato a prefeito, o que
poderia gerar confusão entre os eleitores vindo a sufragar um robô. Os argumentos
apresentados por seu então adversário político se desdobravam no sentido de que
Byerley, esta incógnita do imaginário futurista, que, curiosamente, era operador
do Direito, nunca tinha sido visto comendo, bebendo ou dormindo.4 Os diálogos,
ao longo do texto, também alertavam que, se robô fosse, não poderia ele exercer os
mesmos direitos reconhecidos a um ser humano, inclusive, o direito à privacidade.5
Este afeiçoamento entre softwares, hardwares e seres humanos toma, hoje, níveis
de excelência pela aplicação da Inteligência Artif‌icial (IA), que guarda cinco caracte-
rísticas essenciais que promovem a semelhança entre pessoas e máquinas. A primeira
delas é a capacidade de exploração dos dados das pessoas naturais que inundam os
2. UNIÃO EUROPEIA. Inteligência Artif‌icial para a Europa. Disponível em: https://ec.europa.eu/transparency/
regdoc/rep/1/2018/PT/COM-2018-237-F1-PT-MAIN-PART-1.PDF. Acesso em: 12.03.2021, p.1. “Os sistemas
baseados em inteligência artif‌icial podem ser puramente conf‌inados ao software, atuando no mundo
virtual (por exemplo, assistentes de voz, programas de análise de imagens, motores de busca, sistemas de
reconhecimento facial e de discurso), ou podem ser integrados em dispositivos físicos (por exemplo, robôs
avançados, automóveis autónomos, veículos aéreos não tripulados ou aplicações da Internet das coisas).”
3. MAGLIO, Marco et al. Manuale di diritto alla protezione dei dati personali. Santarcangelo di Romagna:
Maggioli, 2019, p. 871.
4. ASIMOV, Isaac. Eu robô. Trad. Aline Sotoria Pereira. São Paulo: Editora Aleph, 2017, posição 2929-3397.
5. Idem. Ibidem.

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