Extração de dados e o novo colonialismo

AutorSérgio Amadeu da Silveira
Páginas315-325
EXTRAÇÃO DE DADOS
E O NOVO COLONIALISMO
Sérgio Amadeu da Silveira
Doutor em Ciência Política. Pesquisador Produtividade CNPq Nível 2. Professor da
UFABC.
Sumário: 1. Introdução. 2. Estruturas de constrangimento impedem a ecácia do consentimento.
3. O poder econômico e comunicacional das plataformas. 4. Eufemismos juridicamente aceitos.
5. O livre uxo de dados e o novo colonialismo. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A base das legislações de proteção de dados inspirados no regulamento europeu
se ergue sobre a ideia do consentimento individual. Começo esse breve ensaio, pro-
blematizando a noção de indivíduo. Sociologicamente, a partir da modernidade, o
indivíduo adquiriu um status cada vez mais importante e está no centro das teorias
liberais. Esse operador da natureza humana autocentrada e sempre atuante em favor
de maximizar ganhos e minimizar perdas foi crucial para a estruturação do Direito
nas sociedades capitalistas. O indivíduo é o centro do sistema de propriedade e de
apropriação das riquezas produzidas.
A sociologia, desde Durkheim1, investiga o componente individual e demonstra
que suas ações e relações são muitas vezes motivadas por valores ou por pertenci-
mento a grupos e clivagens que condicionam suas vontades. O indivíduo não seria
tão soberano assim. Foi Karl Marx que cravou a estaca na ideia de um indivíduo
independente do grupo social a que pertence2. As classes sociais delimitam as sub-
jetividades e organizam semelhanças de pensamentos e atitudes. Além disso, os
indivíduos portam ideologias que emanariam das relações de produção.
O ideal kantiano3 de um indivíduo independente e autônomo que se governa
com plena autossuf‌iciência parece não se conf‌irmar empiricamente na maioria das
situações. No mundo do trabalho, os indivíduos se aclimatam e se subordinam a
estrutura das empresas porque precisam se manter empregados, mesmo infelizes,
mesmo sem concordar com seus superiores. Entretanto, o liberal convicto dirá que o
indivíduo trabalhador pode abandonar o trabalho e seguir apenas as suas convicções.
1. DURKHEIM, Emile. O que é fato social. In: DURKHEIM E. (Org.). As regras do método sociológico. São
Paulo: Abril Cultural, p. 87-109, 1978.
2. ENGELS, Friedrich; MARX, Karl. A ideologia alemã. 2010.
3. KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos: texto integral. Martin Claret,
2006.

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