Notas sobre o direito à prot eção de dados e a (in)constitucionalidade do capitalismo de vigilância

AutorPlínio Melgaré
Páginas275-300
NOTAS SOBRE O DIREITO À PROTEÇÃO
DE DADOS E A (IN)CONSTITUCIONALIDADE
DO CAPITALISMO DE VIGILÂNCIA
Plínio Melgaré
Mestre em Ciências Jurídico-Filosócas – Universidade de Coimbra. Professor da Escola
de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e da Faculdade
de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Palestrante da Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul. Pales-
trante da Escola Superior da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. O conteúdo do direito fundamental à proteção de dados. 2.1 O direito
à proteção de dados e o direito à privacidade: conexão e não confusão. 2.2 Proteção de dados:
direitos de seus titulares e autodeterminação informacional. 2.3 A raiz constitucional do direito
fundamental à proteção de dados. 3. A proteção de dados no cenário do capitalismo de vigilância.
3.1 Riscos da tecnologia: algoritmos x democracia? 3.2 Capitalismo de vigilância: (in)compatível
com o Estado de direito? 4. Considerações nais. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é considerar aspectos referentes ao direito fundamental
à proteção de dados. O tema ganha relevância a partir da vigência da Lei 13.709/2018,
a denominada Lei Geral de Proteção de Dados, doravante tratada como LGPD, e do
seu reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Inicialmente, delineia-se o conteúdo de tal direito. Em especial, importa demar-
car sua distinção em relação a outros direitos, em especial o direito à privacidade.
Além da pesquisa doutrinária, dialoga-se com decisões do Tribunal Constitucional
de Portugal, país que, de modo precursor, reconheceu, em seu texto constitucional,
o direito objeto deste artigo. Ainda, são abordados os direitos dos titulares de dados,
bem como os deveres a eles correlatos.
Em uma segunda parte, como um ponto de inf‌lexão, avança-se para o tema do
capitalismo de vigilância e sua implicação com os dados e sua proteção. Af‌irma-se
a dimensão coletiva do direito à proteção dos dados, assim como a sua inserção em
uma economia digital. Preocupações com a proteção da pessoa humana e com a estru-
tura democrática densif‌icam o estudo aqui apresentado. Nesse sentido, pretende-se
evidenciar o descompasso entre esse novo modelo de capitalismo com os valores da
ordem constitucional.
Decerto que é devido, desde as notas introdutórias, reconhecer a complexidade
do tema, e, desde logo, af‌irmar que este texto está longe de ser conclusivo. Preten-
de-se ainda, lançar algumas interrogantes sobre o contexto da proteção dos dados e
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invocar o direito como instância crítica de validade da atuação dos poderes – públicos
ou privados – em uma sociedade de vigilância.
2. O CONTEÚDO DO DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO DE DADOS
A partir do reconhecimento pelo STF do direito fundamental à proteção de
dados,1 observa-se a def‌inição substantiva de seu conteúdo: Qual o conteúdo desse
direito fundamental?
Certamente a plasticidade do direito constitucional, em especial sua intenciona-
lidade de salvaguarda da pessoa humana e dos valores democráticos que a formam,
há de se conformar aos tempos de uma vida marcada pelo universo cibernético. A
dinâmica da inovação tecnológica, embora mais veloz que as alterações legislativas,
não pode ser desconsiderada pela normatividade jurídica.
Considerando-se a experiência que traz a vida humana até o século 21, diante
dos avanços tecnológicos, com sua racionalidade própria, haverá de se pensar sobre
o papel do direito. Se a tecnologia descortina um horizonte em que as possibilidades
são – assim parece – inesgotáveis, cumpre ao direito, com sua intencionalidade e
sentido próprios, af‌irmar-se como uma sempre possível alternativa de preservação
da dignidade humana, ainda que, para tanto, se proponha a difícil tarefa de confor-
mar o uso da tecnologia de acordo com os valores que densif‌icam a normatividade
jurídica. Af‌inal, constitui-se como a instância crítica de validade de atuação do poder,
seja público ou privado, tarefa árdua, sobretudo diante das incertezas e dos riscos de
uma sociedade plural e complexa.2
Por certo, nesse contexto, como há muito percebera Francisco Amaral, seja
“necessário rever seus conceitos e categorias clássicas (...) noções instrumentais
que têm papel destacado na análise teórica e na realização prática de qualquer
ramo do direito (...)”.3Af‌inal, se hominum causa omne ius constitutum est, é de se
cogitar não mais se estar diante do homo faber, mas de um homo digitalis, talvez
mais objeto que sujeito, que “em suma, (...) corresponde à imersão do indiví-
duo no mar de f‌luxos e equipamentos digitais que penetram e dominam a nossa
identidade pessoal”.4 É necessário compreender como o direito situa-se diante
dessa complexa realidade.
1. Nesse sentido, ver as Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.390. Disponível em: http://portal.stf.
jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344950276&ext=.pdf.
2. Sobre o tema da complexidade, ver, sobretudo, MORIAN, Edgar, Introdução ao pensamento complexo. Trad.
Eliane Lisboa. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015.
3. AMARAL, Francisco. O direito civil no paradigma da complexidade. Disponível em: http://www.ablj.org.br/
revistas/revista36e37/revista36e37%20FRANCISCO%20AMARAL%20O%20direito%20civil%20no%20
paradigma%20da%20complexidade.pdf. Acesso em: 15.12.2020.
4. Conforme o professor Elísio Estanque, em Homo digitalis. Disponível em: https://www.uc.pt/feuc/ultimo_mes/
docs/2019/julho_agosto/2019_-_08_-_18_-_Publico_-_Homo_digitalis.pdf. Acesso em: 15.12.2020.

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