A perspectiva da prot eção de dados pessoais em face dos direitos das criança e adolescentes no sistema normativo brasileiro

AutorAna Paula Motta Costa e Gabrielle Bezerra Sales Sarlet
Páginas159-177
A PERSPECTIVA DA PROTEÇÃO
DE DADOS PESSOAIS EM FACE DOS DIREITOS
DAS CRIANÇA E ADOLESCENTES NO SISTEMA
NORMATIVO BRASILEIRO
Ana Paula Motta Costa
Pós-doutora em Criminologia e Justiça Juvenil junto ao Center for the Study of Law and
Society (Berkeley Law) da Universidade da Califórnia. Doutora em Direito (PUC/RS).
Mestre em Ciências Criminais (PUC/RS). Professora da Faculdade de Direito da UFRGS,
com atuação na Graduação, Mestrado e Doutorado. E-mail: anapaulamottacosta@
gmail; Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/4819150909009593;
ORCID ID https://orcid.org/0000-0002-4512-1776.
Gabrielle Bezerra Sales Sarlet
Pós-doutora em Direito pela Universidade de Hamburgo-Alemanha. Pós-doutora em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora
em Direito pela Universidade de Augsburg – Alemanha. Mestre e graduada em Direito
pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Ex-bolsista do MPI – Max Planck Institute
Hamburg-Alemanha. Professora do curso de graduação e de pós-graduação em Direito
na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em
Neurociências e comportamento na PUC-RS. E-mail: gabriellebezerrasales@gmail.
com. Currículo: http://lattes.cnpq.br/9638814642817946. ORCID ID –https://orcid.
org/0000-0003-3628-0852.
Sumário: 1. Apontamentos introdutórios. 2. Os direitos das crianças e adolescentes no contexto
pós-88. 3. Da proteção de dados pessoais no sistema normativo brasileiro. 4. Sínteses conclusivas.
5. Referências.
1. APONTAMENTOS INTRODUTÓRIOS
A Constituição Federal Brasileira (doravante CF/88), assim como a maioria das
constituições dos países ocidentais identif‌icados com o constitucionalismo contem-
porâneo, reconhece a pluralidade de sujeitos de direitos. Entre seus objetivos está a
perspectiva inclusiva, mas, igualmente, o respeito à equidade ou, em melhor estilo,
às diferenças que constituem a realidade social brasileira, enquanto expressão de
origem, de raça, de sexo, de cor e de idade.
O projeto de sociedade expresso na CF/88 af‌irma a opção por um Estado De-
mocrático de Direito de caráter horizontalizado, com ênfase na redução de desigual-
dades, desde o reconhecimento das diferenças e das especif‌icidades até a concreta
efetividade do direito à antidiscriminação. Trata-se, de fato, de uma opção essencial
pela inclusão e, consequentemente, pela centralidade da pessoa humana, acarretan-
do na af‌irmação de uma paleta de direitos, de deveres e de garantias fundamentais
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que entrelaçam a todos em conjugações responsáveis e solidárias, exercendo papel
nuclear e diretivo na vida nacional.
Por outro lado, a realidade foi radicalmente alterada ao longo dos últimos anos
e, na medida da passagem dos tempos, foi se formando um panorama tanto complexo
quanto arriscado para a mera aplicação das categorias usuais que perfazem o sistema
jurídico, implicando em uma necessária composição de medidas de adequação e de atu-
alização, em especial quando se analisa o uso contínuo de tecnologias sutis e pervasivas.
Em verdade, o contexto atual passou a ser delineado com a aplicação cada vez
mais frequente das chamadas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs),
vulgarmente conhecidas como novas tecnologias ou tecnologias do futuro, das quais
emergiu o hodierno cotidiano informacional e algoritmizado. No que se refere ao
uso e aos seus efeitos, impende destacar que há na atualidade uma sistemática pro-
dução de novos sentidos que modularam o tempo, o espaço, gerando novas formas
de subjetivação e, em vista disso, novas formas de commodities que, em suma, são
os dados pessoais.
Oportuno reaf‌irmar que, na medida em que os dados pessoais passaram a f‌igu-
rar na lista das principais commodities, a contemporaneidade assistiu a emergência
de novas condições de agravos à pessoa humana, vez que a mesma se encontra
completamente inserida em um novo contexto pós-panóptico, ou seja, um cenário
opressivo, discriminatório e exploratório forjado pelo capitalismo de vigilância bem
como situado a partir e com base na economia da atenção.
Interessante sublinhar que há um panorama de afetações que não se restringem
apenas à esfera da privacidade comumente tratada com ênfase pela comunidade
jurídica desde o século passado, em especial no que toca aos chamados vulneráveis,
em que alguns danos já podem ser reconhecidos e, portanto, abre-se um vasto ter-
reno para uma arquitetura legislativa composta por novas hipóteses legais e para as
medidas de proteção em conformidade com o disposto, à guisa de exemplo, na Lei
Geral de Proteção de Dados (doravante LGPD).
Contudo, deve-se mencionar que ainda há muito a ser desvelado em termos de
danos e de violações e, desta feita, ref‌lexões lúcidas e factíveis urgem para a estruturação
de novos parâmetros condizentes com o traço civilizatório alcançado até o presente
momento, com os desdobramentos do catálogo de direitos e de garantias nacionalmente
assegurado e com as conquistas sociais, culturais e políticas do f‌inal do século XX.
Em face desse novo contexto, intenta-se uma ref‌lexão eminentemente dialogada
acerca do sistema normativo brasileiro reconf‌igurado a partir da entrada em vigor da
LGPD e demais documentos que formatam a proteção de dados pessoais no Brasil
tendo em vista a preexistência de uma não menos relevante composição de direitos
e de garantias voltadas para a proteção de crianças e de adolescentes.
Para tanto, empregando o método hipotético-dedutivo mediante uma investi-
gação bibliográf‌ica e exploratória embasada na perspectiva constitucional e com o

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