Abuso de acordos de bitributação na jurisprudência do CARF: o que os estados contratantes acordaram?

AutorLuís Eduardo Schoueri e Raphael Assef Lavez
Páginas297-316
ABUSO DE ACORDOS DE BITRIBUTAÇÃO
NA JURISPRUDÊNCIA DO CARF:
O QUE OS ESTADOS CONTRATANTES
ACORDARAM?
Luís Eduardo Schoueri
Professor Titular de Direito Tributário e ex-Chefe do Departamento de Direito Econô-
mico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado em São Paulo/SP.
Raphael Assef Lavez
Doutorando e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário e Bacharel em
Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Tributário Internacional
pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Professor de cursos de pós-graduação.
Advogado em São Paulo/SP.
Sumário: 1. Introdução – 2. “Abuso de acordos de bitributação” na jurisprudência administrativa:
dois caminhos; 2.1 O problema: tributação dos lucros de controladas indiretas e interposição de
sociedade holding em jurisdição abrangida por acordo de bitributação; 2.2 Primeiro caminho: ênfase
nas disposições acordadas pelos Estados contratantes; 2.3 Segundo caminho: ênfase nas nalidades
dos Estados contratantes e construção de requisitos adicionais para acesso aos benefícios dos acordos
de bitributação – 3. Abuso de acordos de bitributação a partir da especicidade de cada tratado
e a importância daquilo acordado pelos estados contratantes; 3.1 Especicidades dos acordos de
bitributação brasileiros em matéria de abuso; 3.2 A importância das disposições acordadas pelos
Estados contratantes – 4. Conclusões – 5. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
A despeito da crescente presença de temas afeitos à tributação internacional
nos tribunais judiciais e administrativos, o problema do abuso dos acordos de bitri-
butação ainda não foi objeto de decisões em número tal que permitam concluir que
a jurisprudência caminha neste ou naquele sentido. O tema não é novo em nossa
Academia1. Encontramos escassos casos apreciados pelo Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais (CARF), mas não se veem manifestações do Judiciário sobre a
matéria. De todo modo, decisões administrativas já apresentam certos indicativos
os quais, justamente pela incipiência do atual estágio da jurisprudência na matéria,
convém avaliar. Esse é o objetivo do presente artigo: a partir de cinco casos levados
àquele órgão administrativo, dos quais três já foram submetidos à Câmara Superior
1. Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento Fiscal através de Acordos de Bitributação: Treaty Shopping. São
Paulo: Revista dos Tribunais. 1995, passim.
LUÍS EDUARDO SCHOUERI E RAPHAEL ASSEF LAVEZ
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de Recursos Fiscais (CSRF)2, pretende-se identif‌icar tais indicativos para, então,
reavaliar a sua correção à luz do direito dos acordos de bitributação, inclusive com
relação aos direitos dos contribuintes.
Para tanto, o artigo divide-se em duas partes. Na primeira parte, serão expostos
os casos selecionados, o problema que enfrentam e, então, os diferentes caminhos
argumentativos pelos quais as decisões se orientaram. Como se verá adiante, o pano
de fundo dos casos em que se discute o abuso de acordo de bitributação é bastante
semelhante: trata-se da interposição, em país com o qual o Brasil possua acordo de
bitributação, de sociedade holding (pura ou não) que, por sua vez, detém investi-
mentos em sociedades sediadas em terceiros países. Inexistindo questionamento
quanto ao enquadramento objetivo da referida sociedade no âmbito do acordo de
bitributação, surge a discussão, nem sempre transparente, quanto ao caráter abusivo
da intermediação. Procura-se, por meios os mais diversos, afastar o direito assegurado
em disposições convencionais que impedem a tributação automática dos lucros da
controlada (e das controladas indiretas).
Na segunda parte, será demonstrada a importância, para f‌ins da resolução de
conf‌litos entre f‌isco e contribuinte decorrentes da acusação de abuso de acordos de
bitributação, do quanto acordado entre Estados contratantes. Essa perspectiva não
apenas se revela condizente com o direito internacional público, especialmente a
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (CVDT), mas também com os
direitos dos contribuintes que, a partir dos acordos de bitributação vigentes, estru-
turaram seus negócios e modos de atuação no âmbito internacional.
2. “ABUSO DE ACORDOS DE BITRIBUTAÇÃO” NA JURISPRUDÊNCIA
ADMINISTRATIVA: DOIS CAMINHOS
2.1 O problema: tributação dos lucros de controladas indiretas e
interposição de sociedade holding em jurisdição abrangida por acordo
de bitributação
Os cinco casos selecionados para análise apresentam o pano de fundo comum da
compatibilidade da legislação brasileira relativa aos lucros de controladas e coligadas
no exterior e os acordos de bitributação celebrados pelo Brasil, todos eles com referên-
cia a fatos jurídicos tributários sob a égide da Medida Provisória (MP) 2.158-35/01.
A incompatibilidade entre aquele regime e os acordos de bitributação brasileiros, já
2. Caso Eagle 2 (1º Conselho de Contribuintes, Acórdão 101-97.070, Redator designado Cons. Valmir Sandri,
sessão de 17/12/2008; CSRF, Acórdão 9101-002.589, Relator Cons. André Mendes de Moura, sessão de
14/03/2017); caso Eagle 3 (CARF, Acórdão 1302-001.947, Relator Cons. Luiz Tadeu Matosinho Machado,
sessão de 09/08/2016); caso Gerdau (CARF, Acórdão 1101-000.811, Redator designado Cons. Carlos Eduardo
de Almeida Guerreiro, sessão de 02/10/2012; CSRF, Acórdão 9101-002.590, Relator Cons. Rafael Vidal de
Araújo, sessão de 14/03/2017); caso Marselha Holdings (CARF, Acórdão 1402-002.321, Relator Cons. Fer-
nando Brasil de Oliveira Pinto, sessão de 04/10/2016; CSRF, Acórdão 9101-003.169, Relator Cons. André
Mendes de Moura, sessão de 07/11/2017); e caso JBS (CARF, Acórdão 1302-002.014, Redator designado
Cons. Alberto Pinto Souza Junior, sessão de 25/01/2017).

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