A amortização fiscal do ágio gerado em operações de compra alavancada de participações societárias

AutorCarlos Augusto Daniel Neto
Páginas61-79
A AMORTIZAÇÃO FISCAL DO ÁGIO GERADO
EM OPERAÇÕES DE COMPRA ALAVANCADA
DE PARTICIPÕES SOCIETÁRIAS
Carlos Augusto Daniel Neto
Pós-Doutorando em Direito Tributário na Universidade do Riode Janeiro; Doutor em
Direito Tributário pela Universidade de São Paulo; Mestre em Direito Tributário pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Ex-Conselheiro Titular da 1ª e 3ª Seções
do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF; Professor do mestrado do
CEDES e da pós-graduação do IBDT; Pesquisador do NUPEM/IBDT e do NEF/FGV;
Sócio do Daniel & Diniz Sociedade de Advogados.
E-mail: carlos.daniel@ddtax.com.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. Breve panorama das condições de amortização scal do ágio – 3. As
operações de compra alavancada de participações societárias – 4. O LBO e seu ponto de contato
com a controvérsia da amortização scal do ágio – 5. A amortização do ágio em operações de LBO
na jurisprudência do CARF – 6. Conclusão – 7. Bibliograa.
1. INTRODUÇÃO
O ano de 2021 se destacou negativamente por muitas coisas no campo da saúde,
meio ambiente, política, condições sociais etc. Não obstante, positivamente o ano
despontou como o ano de recorde no mercado de private equity, com a perspectiva de
superar um trilhão de dólares em negócios mundialmente1. A tendência é que o Brasil
acompanhe esse crescimento de investimento externo, impulsionado não apenas pelo
impulso mundial, mas também pela desvalorização cambial, que favorece o emprego
de dólares no país.
Naturalmente, essas operações envolvem complexos arranjos societários,
que trazem a reboque ref‌lexos no campo tributário. Um ref‌lexo, em especial, é
altamente discutido no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
CARF: a validade da amortização f‌iscal do ágio pago na aquisição de participações
societárias.
No contexto dessas operações no mercado de private equity, optamos por ana-
lisar especif‌icamente as compras alavancadas (leveraged buyouts), que consistem,
em apertadíssima síntese, na aquisição de participação societária utilizando-se
apenas parcialmente de capital próprio, obtendo o restante do preço por meio de
1. STILLE, Patrícia. “Mercado global de private equity vive um boom em 2021”, disponível em: https://
www.spacemoney.com.br/colunistas/patricia_stille/mercado-global-de-private-equity-vive-um-boom-
-em-2021/145490/, com acesso em 07 nov. 2021.
CARLOS AUGUSTO DANIEL NETO
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f‌inanciamento, que será quitado ao f‌inal com as receitas geradas pela investida/
empresa-alvo2.
Examinaremos os fundamentos econômicos e negociais relacionados à criação
de uma empresa-veículo para aquisição da empresa-alvo no país, como forma de
enfrentar a validade jurídica da amortização f‌iscal do ágio pago nessa operação, na
hipótese de uma posterior incorporação reversa ocorrida entre adquirente e adquirida.
Para tanto, exporemos, de forma sucinta, o regime jurídico tributário do ágio
pago nas operações de aquisição de investimentos e as condições de sua amortização,
para, a partir daí, traçar um panorama acerca das operações de compra alavancada,
ressaltando suas particularidades e lógica subjacente.
Ao f‌inal, apresentaremos as convergências temáticas, e que ponto da operação
gera controvérsias, avaliando, de forma crítica, como a jurisprudência do CARF tem
enfrentado esse tipo de modelo de negócios, esperando poder contribuir para uma
melhor compreensão do tratamento f‌iscal desse tipo de negócio.
2. BREVE PANORAMA DAS CONDIÇÕES DE AMORTIZAÇÃO FISCAL DO ÁGIO
O ponto de partida de nossa exposição deve ser, necessariamente, a apresen-
tação, ainda que panorâmica, do aproveitamento f‌iscal do ágio pago na aquisição
de investimentos em coligadas ou controladas. Antes disso, entretanto, é preciso
compreender como o ágio passa a ser reconhecido nos balanços contábeis3.
O art. 243 da Lei 6.404/76 (Lei das S/A) estabelece um tratamento contábil
especial para os investimentos em coligadas, a partir do conceito de inf‌luência signif‌i-
cativa4, e em controladas, pela existência de preponderância nas deliberações sociais,
imputando-lhes um regime de mensuração pelo método de equivalência patrimonial
(MEP)5, def‌inido pelo Pronunciamento CPC 18 (R2) – Investimento em Coligada, em
Controlada e em Empreendimento Controlado em Conjunto6.
2. O tema foi por nós enfrentado, de maneira absolutamente breve, em outra oportunidade: DANIEL NETO,
Carlos Augusto. “A amortização f‌iscal do ágio em operações envolvendo compras alavancadas”. In: PINTO,
A.E. et al. Direto do CARF: escritos analíticos sobre a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais. São Paulo: Amanuense Editora, 2020, p. 82-88.
3. Para uma apresentação da legislação pré e pós-Lei 12.973/2014 a respeito do aproveitamento f‌iscal do ágio,
cf. DANIEL NETO, Carlos Augusto; SANTIAGO, Igor Mauler. “Ref‌lexões sobre a amortização f‌iscal do ágio
no novo Regulamento do Imposto de Renda”. In: Jimir Doniak Jr.. (Org.). Novo RIR: Aspectos Jurídicos
Relevantes do Imposto de Renda 2018. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 499-516.
4. O conceito de inf‌luência signif‌icativa, central para f‌ins de classif‌icação dos investimentos, é aquele oriundo
do art. 243, § 4º da Lei 6.404/76, com base em dois critérios: (i) a investidora, através de sua participação,
deter ou exercer o poder de participar nas decisões f‌inanceiras e operacionais da investida, sem controlá-la;
e (ii) a investidora ser titular de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem contro-
lá-la, hipótese em que se presume a inf‌luência signif‌icativa.
5. Dispõe o art. 248 da Lei das S/A:
Art. 248. No balanço patrimonial da companhia, os investimentos em coligadas ou em controladas e em
outras sociedades que façam parte de um mesmo grupo ou estejam sob controle comum serão avaliados
pelo método da equivalência patrimonial, de acordo com as seguintes normas: (...).
6. “Método da equivalência patrimonial é o método de contabilização por meio do qual o investimento é
inicialmente reconhecido pelo custo e, a partir daí, é ajustado para ref‌letir a alteração pós-aquisição na

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