Vício de causa de negócios jurídicos e a exigência majorada do IRRF decorrente de pagamentos a terceiro

AutorFredy José Gomes de Albuquerque
Páginas181-208
VÍCIO DE CAUSA DE NEGÓCIOS JURÍDICOS
E A EXIGÊNCIA MAJORADA DO IRRF
DECORRENTE DE PAGAMENTOS A TERCEIRO
Fredy José Gomes de Albuquerque
Conselheiro Titular da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Mestrando em Direito Constitucional e
Especialista em Direito e Processo Tributários pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
MBA em Gestão de Tributos pela Trevisan. Ex-Conselheiro Titular do Contencioso Admi-
nistrativo Tributário do Estado do Ceará (CONAT). Membro da Academia Cearense de
Letras Jurídicas, da International Association of Tax Judges (IATJ), do Instituto Brasileiro
de Direito Tributário (IBDT), da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e
da International Fiscal Association (IFA). Advogado licenciado e professor convidado
de cursos de Pós-Graduação em Direito, Processo e Planejamento Tributários.
Email: fredymobile@gmail.com
Sumário: 1. Contextualização – 2. Análise teleológica do art. 61 e § 1º da Lei 8.981/95: O IRRF
é sanção de ato ilícito? O princípio “pecunia non olet” e a conjuntura do 118 do CTN – 3. Teoria
das causas jurídicas. Relatividade do formalismo causal atribuído pelos particulares aos negócios
jurídicos. Autonomia de requalicação do direito tributário – 4. A interpretação da norma tributária
e a teoria da consideração econômica: reexos da racionalidade econômica do negócio jurídico
sobre a exigência do IRRF em operações com vício de causa – 5. O “buraco do real” e incompletude
do sistema jurídico. Indeterminação da linguagem e força anunciativa (expressiva) da interpretação
jurídica – 6. Proposta hermenêutica para identicação de vícios de causa que exigem ou repelem a
retenção do IR-Fonte. Análise de precedentes do CARF – 7. Referências bibliográcas.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
A retenção do Imposto de Renda é tema que afeta a maioria dos negócios ju-
rídicos praticados e repercute na apuração de tributos, na recuperação do indébito
f‌iscal e na atribuição de responsabilidades, uma vez que a legislação impõe à fonte
pagadora o ônus de reter, porquanto tributável, uma parcela dos haveres devidos ao
destinatário e remeter ao f‌isco os respectivos valores.
Esse mecanismo de triangulação tributária é complexo, pois envolve terceiro que
não é parte direta da relação jurídica obrigacional da qual decorre o dever de pagar o
tributo, porém, a lei pode lhe atribuir responsabilidade adicional pelo recolhimento
da exação devida pelo contribuinte. É dizer, a terceira pessoa pode ser responsável pelo
tributo do qual não é devedor, assumindo esse ônus em caráter supletivo, total ou par-
cialmente1, quando estiver vinculada ao fato gerador da obrigação tributária de outrem.
1. Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade
pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a
responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou
parcial da referida obrigação.
FREDy JOSÉ GOMES DE ALBUQUERQUE
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Assim, o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) é exigido por força de
dispositivo legal2 que impõe ao pagador de haveres o ônus de reter uma parcela do
tributo devido pelo terceiro benef‌iciário, com alíquotas diferentes para cada caso.
Nessas circunstâncias, parte-se da constatação de que o destinatário do pagamento
é conhecido (identif‌icado) e há causa jurídica e econômica que justif‌ica a realização
do pagamento.
Não obstante, há situações onde o pagamento é questionado pela administração
tributária, seja porque a transferência de valores a terceiros é realizada sem a respec-
tiva escrituração e sem qualquer identif‌icação do destinatário, muitas vezes, mas
nem sempre, com a intenção de ocultar o rastreamento do benef‌iciário e impedir seu
conhecimento pelo f‌isco, seja porque o pagamento é realizado mediante a formaliza-
ção prévia de negócio jurídico aparentemente lícito, muitas vezes, mas nem sempre,
escriturado, porém, realizado de forma artif‌icial, com a intenção de escamotear a real
intenção ilícita dos interessados (por exemplo, lavagem de dinheiro ou distribuição
de propina), ou seja, sem causa justif‌icável, mediante abuso da autonomia privada
e fraude à lei.
Sob o aspecto tributário, a legislação dá tratamento diferente aos casos em
que são realizados pagamentos a destinatário não identif‌icado ou que decorram de
operações sem causa, exigindo retenções de IR sob a alíquota de 35%, em ambos os
casos, bastante superior às retenções regulares3. Assim, a Lei 8.981/95 expressamente
disciplina a matéria:
Art. 61. Fica sujeito à incidência do Imposto de Renda exclusivamente na fonte, à alíquota de trinta
e cinco por cento, todo pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a beneciário não identicado,
ressalvado o disposto em normas especiais.
§ 1º A incidência prevista no caput aplica-se, também, aos pagamentos efetuados ou aos recur-
sos entregues a terceiros ou sócios, acionistas ou titular, contabilizados ou não, quando não for
comprovada a operação ou a sua causa, bem como à hipótese de que trata o§ 2º, do art. 74 da
Porquanto o dispositivo contempla conceito aberto, sua interpretação costu-
ma gerar diversos questionamentos e controvérsias submetidos à análise e julga-
mento do Conselho de Recursos Administrativos Fiscais (CARF), uma vez que o
entendimento da administração tributária costuma divergir da do sujeito passivo.
Assim, impõe questionar: (a) o pagamento não escriturado por equívoco do con-
tribuinte, mas cujo destinatário é possível identif‌icar tardiamente, decorrente de
negócio jurídico adjacente válido, justif‌ica a exigência majorada do IR-fonte? (b)
Qual o alcance da expressão operação não comprovada ou sem causa? (c) Quais os
2. O Regulamento do Imposto de Renda (RIR), objeto do Decreto 9.580/2018, disciplina os casos de retenção
do IR-fonte, sendo a condensação normativa de leis espaças que tratam de retenções sobre atividades di-
versas, tanto em relação a pagamentos para pessoas físicas quanto jurídicas (vide Livro III, que trata sobre
Tributação na Fonte e sobre Operações Financeiras).
3. O menor percentual de retenção do IR-fonte, em operações normais, é de 1,5%, conforme determina o
Regulamento do Imposto de Renda, previsto no Decreto 9.580/18.

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