Inconstitucionalidade da multa isolada por compensação não homologada e a macrolitigância fiscal

AutorLucas Bevilacqua e Michell Przepiorka
Páginas277-296
INCONSTITUCIONALIDADE DA MULTA ISOLADA
POR COMPENSAÇÃO NÃO HOMOLOGADA
E A MACROLITIGÂNCIA FISCAL
Lucas Bevilacqua
Doutor e mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário (USP). Professor de
Pós-graduação e Coordenador do Observatório da Macrolitigância Fiscal/IDP; ex-Con-
selheiro Titular da 1ª Secção (CARF) e Assessor de Ministro (STF).
E-mail: lucas.bevilacqua@gmail.com.
Michell Przepiorka
Mestre em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário
(IBDT). Pesquisador do Observatório da Macrolitigância Fiscal (IDP). Juiz do Conselho
Municipal de Tributos de São Paulo (CMT/SP). Advogado.
E-mail: przepiorka@tpa.adv.br
Sumário: 1. Introdução – 2. Compensação de tributos no ordenamento jurídico brasileiro – 3. Multa
isolada pela não homologação de pedidos de compensação: fundamentos – 4. Inconstitucionalidade
e efeitos no processo administrativo federal: tema 736 da repercussão geral – 5. Conclusões – 6.
Referências.
1. INTRODUÇÃO
Historicamente, a compensação é das matérias tributárias circunscritas por
elevado grau de litigiosidade, com ao menos 5 súmulas emitidos pelo Superior
Tribunal de Justiça e outros tantos julgamentos sujeitos à técnica de efeitos repe-
titivos e repercussão geral1. Não é possível identif‌icar um único motivo ensejador
desta macrolitigância, mas se fosse necessário elencar apenas um, escolher-se-ia a
complexidade legislativa2, posto que esta, ao mesmo tempo em que impede a correta
determinação da base de cálculo do débito tributário, ensejando indébitos tributá-
rios; enseja conf‌litos de interpretação que retroalimenta a insegurança jurídica e os
conf‌litos existentes.
Como supra indicando, as dif‌iculdades cotidianas na apuração do imposto
devido, podem acarretar o pagamento de tributos indevidamente, e, portanto, um
1. COSTA, Regina Helena. Código Tributário Nacional Comentado: Em sua Moldura Constitucional. Rio de
Janeiro: Forense, 2021, comentários ao art. 170.
2. No mesmo sentido HONDA, Helcio. O contencioso tributário no Brasil e novas perspectivas. In. MENDES,
Gilmar Ferreira; MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça e Segurança. Anais do VII Fórum Jurídico de Lisboa,
2020. Lisboa: FGV projetos, 2020, p. 121.
LUCAS BEVILACQUA E MICHELL PRZEPIORKA
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crédito tributário do contribuinte face aos órgãos da administração, haja vista que,
nos termos da Constituição Federal, não se paga tributo por liberalidade, mas em
virtude e nos termos da lei. Qualquer pagamento que ultrapasse essa monta, perde
essa natureza jurídica.
Não à toa, possuindo o contribuinte um crédito contra a administração tributá-
ria, nada mais adequado que a sua restituição ou sua compensação, a f‌im de evitar o
enriquecimento ilícito do Estado. Para a Professora Misabel Derzi, a regulamentação
da compensação como meio de alternativa a restituição de crédito tributário em es-
pécie encontra respaldo em diversos princípios jurídicos, especialmente a segurança
jurídica e a praticidade.3
Note-se que, no cotidiano das atividades empresariais, normalmente os con-
tribuintes optam pela compensação até como meio de alívio do caixa da entidade,
em outras palavras, trata-se de mero planejamento f‌inanceiro. Não obstante, são
múltiplas as dif‌iculdades que podem ocorrer no processo de compensação que
impossibilitem sua homologação, normalmente em razão da ausência de provas
idôneas e suf‌icientes para comprovar o direito creditório pleiteado – sem adentrar
no mérito do crédito em si.
Neste contexto, é relevante o estudo da validade da multa prevista no § 17 do
art. 74 da Lei n. 9.430/1996 que introduziu a possibilidade de incidência de multa
isolada no patamar de 50% do valor do crédito pleiteado, no caso de declaração de
compensação não homologada, independentemente do emprego de dolo ou de es-
tar prevista em uma das hipóteses vedadas por lei4. Releva ainda mais o tema a sua
repercussão no contencioso administrativo e judicial5.
3. Segundo ela: A estabilidade das relações jurídicas com a pacif‌icação dos conf‌litos e a satisfação de credores
representam aspectos relevantes da segurança, assim como a utilidade, a rapidez, o desafogo das repartições
administrativas e judiciais e a economia processual são pontos signif‌icativos de praticidade, que norteiam a
ordem jurídica em vigor (DERZI, Misabel Abreu Machado. Nota de Atualização. In. BALEEIRO, Aliomar.
Direito Tributário Brasileiro: CTN comentado, 14. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, art. 170 – A compen-
sação como forma genérica e usual de extinção das obrigações. e-book.
4. Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo
ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimen-
to, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições
administrados por aquele Órgão. (...) § 17. Será aplicada multa isolada de 50% (cinquenta por cento) sobre
o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada, salvo no caso de falsidade da
declaração apresentada pelo sujeito passivo.
5. Segundo Rayanne Ribeiro Gomes e Tarsila Ribeiro Marques Fernandes, em levantamento realizado no
sítio eletrônico do CARF, somente entre o período de 01 de janeiro de 2019 e 31 de agosto de 2020, foram
identif‌icados 167 acórdãos de processos julgados no CARF, a partir dos seguintes critérios de busca: Câ-
maras/Turmas (todas), Data inicial (01/01/2019), Data f‌inal (31/08/2020), Ementa contém (multa isolada.
Compensação não homologada) Acórdãos Encontrados: 156 e Câmaras/Turmas (todas), Data inicial
(01/01/2019), Data f‌inal (31/08/2020), Ementa contém (pedido de ressarcimento. Indeferimento. Multa
isolada). Acórdãos Encontrados: 11 (As Multas por Atraso na Entrega da DCFT e por Não Homologação de
Pedido de Compensação. In: BEVILACQUA, Lucas; CECCONELLO, Vanessa (Coords.); PRZEPIORKA,
Michell (Org.). Tributação federal: jurisprudência do CARF em debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020, p.
119).

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