A ação indutora dos tribunais de contasnapolítica pública da educação: a experiência do TCE-RS

AutorCezar Miola
Ocupação do AutorConselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo - UPF, Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UPF e Especialista em Direito, Políticas Públicas e Controle Externo pela Uninove.
Páginas61-78
A AÇÃO INDUTORA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
NA POLÍTICA PÚBLICA DA EDUCAÇÃO:
A EXPERIÊNCIA DO TCE-RS
Cezar Miola
Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Presidente da
Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, Bacharel em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo – UPF, Pós-graduado em Direito
Processual Civil pela UPF e Especialista em Direito, Políticas Públicas e Controle
Externo pela Uninove.
Sumário: 1. Introdução – 2. Os Tribunais de Contas e o Plano Nacional de Educação – 3. O monito-
ramento pelas cortes de contas como elemento indutor da melhoria na oferta de vagas na educação
infantil: o case do TCE-RS; 3.1 Radiograa da Educação Infantil do TCE-RS: conectando o controle
externo e o controle social; 3.2 O desenvolvimento do software TC educa; 3.3 O perl da educação
pública no RS – 4. Conclusão – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO1
O Brasil possui aproximadamente 1,5 milhão de crianças e adolescentes de 4
a 17 anos fora da escola, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2019, sabendo-se que, nessa idade,
a Constituição estabelece que o ensino é obrigatório e gratuito, conf‌igurando direi-
to público subjetivo. Já na faixa etária de zero a 3 anos, há cerca de 6,5 milhões de
crianças não atendidas em creches. Um estudo do Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef) indica que 20,3% das crianças e dos adolescentes de 4 a 17 anos
têm o direito à educação violado, 13,8% estão em sala de aula, mas são analfabetos
ou estão em atraso escolar, e que 6,5% não frequentam a escola. “O analfabetismo e o
atraso escolar afetam 53% mais meninos do que meninas. E quem vive no quintil mais
pobre da população tem quatro vezes mais privação do que os do quintil mais rico”.2
Mesmo aqueles que conseguem acessar as redes de ensino apresentam níveis
de aprendizagem insatisfatórios. De acordo com dados do Sistema de Avaliação da
Educação Básica3 (Saeb), de 2019, divulgados em setembro de 2020 pelo Ministé-
1. Artigo elaborado a partir da monograf‌ia “A Ação Indutora Dos Tribunais De Contas Na Política Pública
Da Educação: A Experiência Do TCE-RS”, concluída no ano de 2018. Alguns dados foram atualizados em
relação ao que consta na obra original. É o caso, por exemplo, de dados da PNAD/IBGE e do Saeb/INEP,
pesquisas divulgadas periodicamente.
2. UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Pobreza na infância e na adolescência. Brasília: Unicef,
2018, p. 10. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/pt/pobreza_infancia_adolescencia.pdf. Acesso
em: ago. 2018.
3. O Saeb é uma avaliação aplicada pelo MEC e composta por questionários respondidos por professores,
diretores e alunos, além de provas de Português e Matemática aplicadas a estudantes do 5º e 9º anos do
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rio da Educação,4 apenas 36% dos estudantes que concluem o ensino fundamental
são prof‌icientes em Português, enquanto apenas 18% são assim considerados em
Matemática. Em relação aos alunos do Ensino Médio, esses percentuais são ainda
piores: apenas 31% e 5% alcançaram prof‌iciência em Português e em Matemática,
respectivamente.5
Apesar de o Brasil possuir vinculações constitucionais na área da educação6,
elas não têm se mostrado capazes de transformar a realidade. Os dados traduzem um
pouco da situação enfrentada nesse campo e demonstram a premente necessidade de
mobilização de gestores públicos, dos órgãos de controle, da família, da sociedade e
da comunidade escolar, entre outros atores importantes.
Aos Tribunais de Contas (TCs), cabe, mais do que analisar as políticas públicas
na perspectiva da legalidade, monitorar o cumprimento das metas dos planos de
educação e sua compatibilidade com o Plano Nacional, atuando também de forma
pedagógica, contribuindo para a qualif‌icação do planejamento e do gasto em educa-
ção, assim como para o alinhamento das estratégias, cumprindo, dessa forma, papel
indutor decisivo na universalização do acesso e na melhoria da qualidade de ensino.
Se é verdade que não se pode imputar o quadro adverso antes delineado unica-
mente ao controle externo, também não se pode isentá-lo de uma parcela de respon-
sabilidade. E é essa conscientização que tem levado a iniciativas como as que serão
aqui narradas, numa dimensão de caráter prospectivo e fortemente indutor. Assim,
pretende-se demonstrar, a partir do estudo de caso do Tribunal de Contas do Estado
do Rio Grande do Sul (TCE-RS), a ef‌icácia da ação indutora dos órgãos de controle
quanto ao atendimento das metas dos planos de educação.
2. OS TRIBUNAIS DE CONTAS E O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
A Constituição de 1988 prevê a absoluta prioridade ao direito à educação de
crianças e adolescentes (art. 227, caput) e determina o estabelecimento por lei do
Plano Nacional de Educação (PNE), com duração de 10 anos (art. 214). O comando
foi concretizado, de forma inicial, com a Lei Federal 10.172/2001, vigente até 2011.
O primeiro PNE não teve a necessária e imprescindível adesão de boa parte dos Es-
tados e Municípios7, trazendo, como consequência, limitações para a concretização
Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio. A avaliação ocorre a cada dois anos e a última edição
foi aplicada nos dias 21 de outubro e 1º de novembro de 2019, com mais de 5,6 milhões de estudantes
envolvidos em todo o País. (BRASIL, 2020)
4. QEDU é atualizado com dados do Saeb 2019. Portal Iede, fev. 2021. Disponível em:https://www.portaliede.
com.br/qedu-e-atualizado-com-dados-do-saeb-2019/. Acesso em: 18 jun. 2021.
5. BRASIL. MEC – Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira
– Resultados Saeb. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exa-
mes-educacionais/saeb/resultados. Acesso em: 18 jun. 2021.
6. A vinculação de recursos à manutenção e ao desenvolvimento do ensino se iniciou em 1934 e, exceto nas
Cartas de 1937 e 1967/1969, sempre constou das nossas Leis Fundamentais. Tal garantia é tida por pioneira
no mundo, dado, contudo, que não pode ser aqui atestado.
7. À época, apenas cerca de 30% dos Municípios e 12 Estados aprovaram os respectivos planos locais.

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