Cidades inteligentes e sustentáveis: desafios conceituais e o papel do tribunal de contas do estado de São Paulo
Autor | Wilson Levy e José Renato Nalini |
Ocupação do Autor | Advogado. Doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP, com pós-doutoramento em Urbanismo pela Mackenzie e em Direito da Cidade pela UERJ. Diretor e professor permanente do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE. / Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo. Foi corregedor geral da Justiça ... |
Páginas | 245-260 |
CIDADES INTELIGENTES E SUSTENTÁVEIS:
DESAFIOS CONCEITUAIS E O PAPEL
DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
DE SÃO PAULO
Wilson Levy
Advogado. Doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP, com pós-doutoramento em
Urbanismo pela Mackenzie e em Direito da Cidade pela UERJ. Diretor e professor
permanente do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis
da UNINOVE. E-mail: wilsonlevy@gmail.com.
José Renato Nalini
Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo. Foi corregedor geral
da Justiça (2012-13), presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (2014-15)
e secretário de Estado da Educação de São Paulo (2016-18). Professor permanente do
programa de pós-graduação em Direito da UNINOVE. E-mail: jose-nalini@uol.com.br.
SUMÁRIO: 1. Cidades inteligentes e sustentáveis: um conceito em construção? – 2. E quanto à
sustentabilidade? – 3. O direito urbanístico: cenários e perspectivas para a regulação das cidades
inteligentes e sustentáveis – 4. A experiência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – 5.
Considerações nais – 6. Referências.
O tema “cidades inteligentes e sustentáveis” (em inglês, smart and sustainable
cities) está no topo da agenda pública de debates sobre planejamento urbano. Trata-se,
com segurança, de uma expressão que condensa uma multiplicidade de sentidos e
que tangencia as atuais fronteiras, partindo do horizonte reflexivo da área. É, também,
fortemente influenciado pelas demandas atuais das cidades do mundo – não apenas
das cidades globais, ou das grandes megalópoles, mas também de uma quantidade
crescente de cidades grandes e médias do mundo.
Nada obstante, o tema ainda não apresenta univocidade conceitual e tampou-
co foi adequadamente incorporado pela regulação. Uma série de fatores contribui
para que este status seja mantido, e não caberia fazer uma lista exaustiva de seus
motivos. O fato é que a força semântica da expressão parece perdida entre muitas
abordagens superficiais e pouca preocupação dos aparatos regulatórios do Estado
em incorporar essa nova gramática no interior dos processos formais de disciplina
normativa.
WILSON LEVY E JOSÉ RENATO NALINI
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Sabe-se que a materialização de cidades inteligentes e sustentáveis não prescinde de
um aparato considerável de aplicativos e componentes tecnológicos. O desafio repousa
justamente na formulação de um desenho conceitual e num entendimento mais homo-
gêneo do que se está falando e do que se pretende com essa nova visão sobre a cidade.
Dito de outro modo, o entrave é entender o que se quer com a ideia de cidades
inteligentes e sustentáveis, e que caminhos precisam ser percorridos para se chegar
a esse desenho ideal. Sem um aparato conceitual sólido, persiste um risco significa-
tivo de se levar “gato por lebre”, na célebre expressão popular. Afinal, ante a vagueza
conceitual, mais simples se torna a tarefa de quem pretende vender, principalmente
ao Poder Público, produtos de enorme valor agregado e pouca eficiência sistêmica,
ou mesmo pouca utilidade prática. Evidente que o problema não está na venda em si:
mesmo leituras superficiais associam a ideia de smart cities a aplicativos e soluções que
ampliam a conectividade e conferem mais eficiência aos processos e à gestão urbana.
Nada há de errado nisso. Pelo contrário, start ups, labs e outros espaços de produção
de inovação crescem e geram quantidades significativas de recursos a cada ano.
Além disso, o tema tem ganhado grande repercussão em razão da (bem-vinda)
utilização de dados e evidências como suporte à tomada de decisão no âmbito da
gestão pública. O papel dos tribunais de contas, órgãos de controle externo ligados ao
Poder Legislativo, é fundamental nesse sentido, e podem fornecer pistas importantes
sobre a abrangência da ideia de cidades inteligentes no Brasil.
Para tanto, este texto será dividido em quatro partes. A primeira discorrerá
sobre os desafios conceituais do tema, tentando identificar as vozes e os discursos
por trás da ideia de “cidades inteligentes e sustentáveis”. Este primeiro item tentará
responder à pergunta: é possível, hoje, extrair uma unidade conceitual mínima em
torno dessa ideia? Qual?
Em seguida, o foco recairá sobre o direito urbanístico, espaço privilegiado para
o desenvolvimento de instrumentos normativos hábeis para disciplinar a matéria.
Aqui, se procurará responder à pergunta: o estado teórico do direito urbanístico, no
âmbito da legislação e, principalmente, das construções teóricas e doutrinárias, é
suficiente para dar conta do desafio regulatório relacionado às cidades inteligentes e
sustentáveis? Ademais, se buscará identificar qual o fundamento normativo básico
para o desenvolvimento desse aparato legal.
Por fim, será abordada a experiência do Tribunal de Contas do Estado de São
Paulo neste particular, como um caso concreto de uso da tecnologia, de dados e de
evidências para apoiar o aperfeiçoamento da gestão pública, na chave da indução e
da orientação, no âmbito dos municípios.
1. CIDADES INTELIGENTES E SUSTENTÁVEIS: UM CONCEITO EM
CONSTRUÇÃO?
Como dito na introdução, há pouca ou nenhuma unidade acerca do conceito
de “cidades inteligentes e sustentáveis”.
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