Algumas notas sobre liberdade de expressão e democracia - O caso das assim chamadas 'fake news'

AutorIngo Wolfgang Sarlet e Andressa de Bittencourt Siqueira
Ocupação do AutorPós-Doutor e Doutor em Direito pela Universidade de Munique. Professor Titular da Escola de Direito e do PPGD da PUCRS. Desembargador aposentado do TJRS. Advogado. / Doutoranda (com bolsa CAPES/PROEX) e Mestre no PPGD da PUCRS. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direitos Fundamentais (GEDF/CNPq). Advogada.
Páginas39-60
ALGUMAS NOTAS SOBRE LIBERDADE DE
EXPRESSÃO E DEMOCRACIA – O CASO DAS
ASSIM CHAMADAS “FAKE NEWS”1*
Ingo Wolfgang Sarlet
Pós-Doutor e Doutor em Direito pela Universidade de Munique. Professor Titular da Es-
cola de Direito e do PPGD da PUCRS. Desembargador aposentado do TJRS. Advogado.
Andressa de Bittencourt Siqueira
Doutoranda (com bolsa CAPES/PROEX) e Mestre no PPGD da PUCRS. Integrante do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Direitos Fundamentais (GEDF/CNPq). Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. As assim chamadas fake news e o fenômeno da desinformação: termino-
logia e conceito – 3. Liberdade de expressão e seus novos contornos numa democracia; 3.1 Liberdade
de expressão e de informação, redes sociais e democracia: marco constitucional e jurisprudencial
– 4. Panorama de alteração legislativa: desaos e inadequações – 5. Conclusões – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno do compartilhamento desenfreado de notícias falsas, as assim
chamadas fake news, bem como de técnicas de desinformação, põe em xeque a legi-
timidade e correto andamento do pleito eleitoral, acirra sectarismos, instila a divisão
social, gera níveis preocupantes de instabilidade política e mesmo representa, cada
vez mais, ameaças concretas para a democracia e o funcionamento regular de suas
instituições estruturantes.
Nesse mesmo contexto, verif‌ica-se que os debates em torno de quais os limites
da liberdade de expressão (aqui em sentido amplo), passaram a assumir novos con-
tornos e acionar novos desaf‌ios. Embora o recurso à desinformação e a difusão de
notícias falsas não se constitua uma novidade, numa era marcada pela onipresente
digitalização e em tempos de Big Data, a rápida capacidade de postagem e dissemi-
nação tem levado a consequências impactantes.
Em causa está, ao f‌im e ao cabo, se e como o Direito é (ou não) capaz de responder
de modo ef‌icaz ao fenômeno da desinformação, desencadeado em parte pelas fake
1. O presente texto não é integralmente inédito, correspondendo à versão revista, reorganizada, ajustada e
atualizada de artigo publicado na Revista de Estudos Institucionais, v. 6, n. 2, p. 534-578, maio/ago. 2020,
Liberdade de expressão e seus limites numa Democracia: o caso das assim chamadas “fake news” nas redes
sociais em período eleitoral no Brasil. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
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news, ao mesmo tempo combatendo (mediante prevenção e/ou repressão) o abuso
no exercício da liberdade de expressão (e de informação), de modo a salvaguardar a
funcionalidade do Estado Democrático de Direito, sem contudo, ao mesmo tempo,
a pretexto de proteger a democracia, fragilizá-la por outra via, limitando de modo
desproporcional as liberdades comunicativas e informacionais.
Delimitando o enfoque do trabalho, o objetivo principal é o de identif‌icar e ana-
lisar as novas dimensões da liberdade de expressão numa Democracia, tendo, como
pano de fundo, o cenário jurídico-constitucional brasileiro, de modo a assegurar o
combate àquelas fake news que colocam em risco as instituições democráticas, man-
tendo ao mesmo tempo o necessário equilíbrio proporcional em relação às liberdades
de expressão e de informação de modo a salvaguardar a sua posição preferencial na
arquitetura constitucional brasileira.
2. AS ASSIM CHAMADAS FAKE NEWS E O FENÔMENO DA
DESINFORMAÇÃO: TERMINOLOGIA E CONCEITO
A partir da expansão em escala global da Internet e do uso das assim chamadas
mídias sociais, juntamente com os cada vez mais ref‌inados e ef‌icazes meios de pos-
tagem e compartilhamento de conteúdo, o f‌luxo informacional (aqui compreendido
em sentido amplo) alcançou níveis absolutamente sem precedentes de rapidez e
escalonamento global. Nesse contexto, como já se apontou com precisão, a relação
entre a liberdade de expressão e a tecnologia se revela cada vez mais ambígua.2
Tendo em conta tal cenário, não faltam também pontos altamente alarmantes que
têm se avolumado nas últimas três décadas, e. g. o do abuso das liberdades comuni-
cativas e das suas sequelas, como é o caso do discurso do ódio e das assim chamadas
fake news em particular. Tamanha é a dimensão do fenômeno que há mesmo quem
fale em uma sociedade da desinformação,3 como etapa corrompida da sociedade da
informação, ou de uma era da pós-verdade,4 em que a verdade e cede cada vez mais
espaço ao apelo à irracionalidade e às emoções.5-6
2. SCHREIBER, Anderson. Liberdade de Expressão e Tecnologia. In: SCHREIBER, Anderson; MORAES, Bruno
terra de; TEFFÉ, Chiara Spadaccini de (Coord.). Direito e Mídia. Tecnologia e Liberdade de Expressão. São
Paulo: Editora Foco, 2020.
3. FRANCISCO, Severino. Sociedade da desinformação. Observatório da Sociedade da Informação. Setor de
Comunicação e Informação da UNESCO no Brasil. Brasília, 2004. Disponível em: unesdoc.unesco.org/
images/0015/001540/154058por.pdf. Acesso em: 07 maio 2020.
4. DICE, Mark. The True Story of Fake News: How Mainstream Media Manipulates Millions. The Resistance
Manifesto. 2017.
5. KAKUTANI, Michico. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Tradução: André Czarnobai
e Marcela Duarte. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018. p. 11. Também, ABBOUD, Georges; CAMPOS, Ricardo
Resende. A autorregulação regulada como modelo do Direito proceduralizado - Regulação de redes sociais
e proceduralização. In: ABBOUD, Georges; NERY JR., Nelson; CAMPOS, Ricardo. Fake news e Regulação.
2. ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2020.
6. Calha recordar as palavras de Umberto Eco, no seu texto clássico sobre as características do fascismo – o
que vale, em maior ou menor grau, para os movimentos autoritários e/ou populistas em geral – e sua
“eternidade”, sublinhando-se aqui o apelo ao irracionalismo, no sentido de um culto da ação pela ação, do
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