Direito fundamental à proteção de dados pessoais

AutorLucia Maria Teixeira Ferreira
Ocupação do AutorDoutoranda em Direito Constitucional no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP). Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde concluiu a Graduação em Direito. Pós-Graduada em Sociologia Urbana pelo Departamento de Ciências Sociais da UERJ. Procuradora de Justiça aposentada do ...
Páginas241-256
DIREITO FUNDAMENTAL
À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS1
Lucia Maria Teixeira Ferreira
Doutoranda em Direito Constitucional no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvi-
mento e Pesquisa (IDP). Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), onde concluiu a Graduação em Direito. Pós-Graduada em Sociologia
Urbana pelo Departamento de Ciências Sociais da UERJ. Procuradora de Justiça apo-
sentada do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Possui a Certicação CIPP/
Europe da International Association of Privacy Professionals (IAPP). Coordenadora de
Estudos, Pareceres e Ações Educativas da Comissão de Proteção de Dados e Privacidade
da OAB/RJ (biênio 2019-2021). Associada ao Instituto Brasileiro de Governança Corpo-
rativa (IBGC) e à IAPP. Advogada especializada em Privacidade e Proteção de Dados.
Sumário: 1. A proteção da pessoa humana na sociedade da informação – 2. Da privacidade à pro-
teção de dados pessoais – 3. O reconhecimento do direito fundamental e autônomo à proteção de
dados pessoais na constituição brasileira – 4. A lei geral de proteção de dados pessoais (LGPD) – 5.
Considerações nais – 6. Referências.
1. A PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
No século XXI, o processamento de dados alcançou proporções e escala jamais
vistas em razão dos avanços tecnológicos, que resultaram em inegáveis benefícios
para diversos setores da sociedade, mas também passaram a representar novos riscos
e ameaças a direitos e liberdades fundamentais.
Com o aumento da capacidade computacional e o incremento das novas mo-
dalidades de processamento das informações – cada vez mais presentes no ambiente
digital – experimenta-se hoje o surgimento de novos riscos estreitamente associados
ao tratamento de dados pessoais, o que levou ao surgimento de um novo conceito
de privacidade: a privacidade informacional, ou o direito à autodeterminação infor-
mativa, que traduz o direito de a pessoa ter o efetivo controle sobre o f‌luxo das suas
informações. Isso porque, com o progresso das técnicas de tratamento de dados,
especialmente em virtude do Big Data e do Big Data Analytics, verif‌icou-se um avanço
exponencial quanto à maneira pela qual se opera o tratamento dos dados pessoais, os
quais, por sua vez, revelam hoje uma verdadeira projeção da personalidade do indivíduo.
No contexto da economia movida a dados, relevantes estudos vêm investigando
alterações nos processos econômicos com graves infrações aos direitos à privacidade
1. Destaca-se, em caráter de disclaimer, que o presente texto foi encerrado e enviado à editora em 05 de no-
vembro de 2021, tendo sido atualizado apenas em fevereiro de 2022 com a inclusão Emenda Constitucional
115/2022, razão pela qual somente foi considerado o que fora produzido até outubro de 2021, especialmente
em matéria de marco jurisprudencial.
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LUCIA MARIA TEIXEIRA FERREIRA
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e à proteção de dados. Tais investigações igualmente apontam para um alarmante
fenômeno: a digitalização de tudo está fornecendo às empresas de tecnologia um imen-
so poder econômico, social e político, bem como condições de reestruturar o mundo que
conhecíamos (ZUBOFF, 2019).
Ademais, inúmeras denúncias descreveram graves situações em que os algo-
ritmos – alimentados com os dados dos indivíduos – têm sido um instrumento para
aumentar as desigualdades socioeconômicas inerentes aos sistemas capitalistas,
reforçar a discriminação social derivada da raça e da classe social, bem como para
ameaçar a democracia (O’NEIL, 2016).
Em 2013, quando o norte-americano Edward Snowden divulgou informações
altamente conf‌idenciais da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) – reve-
lando que os serviços de inteligência dos EUA estavam coletando dados de cidadãos
de várias nacionalidades em todo o mundo, por meio de empresas como a Microsoft,
Google e Facebook (NICOLÁS, 2020) – estas notícias trouxeram tamanho impacto
que ampliaram o debate público sobre as questões de privacidade e proteção de dados,
bem como auxiliaram na aprovação do Regulamento Geral de Proteção de Dados da
União Europeia (GDPR), que atualizou e substituiu a Diretiva de Proteção de Dados
de 1995 (Diretiva 46/95/CE).2
Alguns anos depois, as denúncias do escândalo Facebook-Cambridge Analytica
demonstraram o uso abusivo e ilícito de dados pessoais em razão de interesses de agentes
do mercado e para f‌ins políticos suspeitos (BBC, 2018). O uso indevido de informações
privadas de cerca de 87 milhões de usuários do Facebook gerou inúmeras críticas e
protestos, bem como a abertura de investigações e processos contra o gigante da tec-
nologia nos EUA e em outros países. Tais acontecimentos tiveram forte inf‌luência nos
debates para a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no Brasil.
Tendo em vista a “amplitude e importância da proteção de dados pessoais, este
direito é tido em diversos ordenamentos jurídicos como um instrumento essencial
para a proteção da pessoa humana e é considerado um direito fundamental” (DO-
NEDA, 2016, P. 36), notadamente com a constatação de que a proteção das pessoas
na Sociedade da Informação passou a depender “diretamente do controle destas
sobre seus próprios dados pessoais, o que acabou vinculando a matéria aos direitos
fundamentais” (DONEDA, 2019, p. 40).
2. DA PRIVACIDADE À PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
A concepção atual de privacidade tem o seu marco a partir da segunda metade
do século XIX, com a publicação do artigo “The Right to Privacy”, escrito por Samuel
2. O General Data Protection Regulation (GDPR) – Regulamento 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho
Europeu, de 27 de abril de 2016 – é a regulação de proteção de dados do direito comunitário europeu (da
União Europeia) que disciplina a proteção dos dados pessoais e estabelece normas para que as empresas e
os Estados promovam a livre circulação de dados conforme as f‌inalidades da lei. A GDPR entrou em vigor
em maio de 2018 e substituiu a Diretiva de Proteção de Dados Pessoais 95/46/CE.
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