Alistamento eleitoral

AutorEdson De Resende Castro
Ocupação do AutorPromotor de Justiça
Páginas105-146
Capítulo I
Alistamento Eleitoral
Como se sabe, a soberania popular é princípio estruturante do Estado Democrático
de Direito, pois a Constituição Federal reconhece que todo poder pertence ao povo.
Esse poder será exercitado, ou manifestado, segundo o modelo de democracia adotado,
conhecendo-se as democracias direta e indireta. A primeira, que consiste no exercício
do poder diretamente pelo cidadão, exige sua deliberação a cada ato a ser praticado pelo
Estado. É evidentemente impraticável quando esse Estado assume proporções maiores.
A segunda, a democracia indireta, aquela em que o povo exerce o seu poder por meio de
representantes por ele escolhidos previamente, apresenta-se como o modelo mais viável.
É a chamada “democracia representativa.
Para o exercício dessa representação popular, o voto do cidadão, escolhendo seus
parlamentares e seus administradores, é fundamental para a legitimidade do poder.
O primeiro desao da democracia representativa, portanto, é organizar seu corpo
eleitoral, denindo regras pertinentes à capacidade eleitoral ativa. Ou seja: quem, dentre
os que vivem numa determinada circunscrição, terá o poder de manifestar sua vontade
no momento em que se escolhem os governantes. Quem terá o direito de votar. Isso
porque, se é verdade que o poder pertence ao povo, não menos verdade é que nem
todos do povo podem votar. Exclui-se, por necessidade mesmo de um melhor exercício
do poder de escolha, uma parcela da população que, por suas condições pessoais, não
se apresenta apta ao voto. São os chamados inalistáveis97; os que não têm acesso ao
alistamento.
97 Aos índios, que não saiba m se expressar na l íngua nacional , o Código Eleitoral, a rt. 5º, II, vedava o
alistamento eleitor al, norma que não foi recepcionada pela CF/88: “Alistamento eleitora l. Exigências.
São aplicáveis aos indígen as integrados, reconhecidos no pleno exerc ício dos direitos civis, nos termos
da legislação es pecial (Estatuto do Índ io), as exigências impostas para o a listamento eleitoral, i nclusive
de comprovação de quitação do se rviço militar ou de cu mprimento de prestação alternati va.” (Res. nº
20.806, de 15.5.2001, rel. Garcia Vieira.). A Res. TSE n. 23.659, de 26.outubro.2021, novo regulamento
do Cadastro de Eleit ores, consigna a gara ntia de acesso das p essoas indígenas a o alistamento
eleitoral, sem dist inções entre “integrad as” e “não integradas”, “aldeadas” e “não aldeadas”, etc.,
  
indígenas o uso de su as línguas maternas e pro cessos próprios de aprendi zagem” (art. 13, §§ 2º e 3º).
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EDSON DE RESENDE CASTRO
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1. Pressuposto objetivo do exercício do voto
O alistamento eleitoral, por conseguinte, é o procedimento administrativo eleitoral
em que se verica se o requerente tem capacidade eleitoral ativa e se pode exercê-la nas
urnas. Sem o alistamento regularmente deferido, não há como exercer o direito de voto,
até porque o nome do pretendente ao voto não constará do “caderno de votações” (e
nem da urna eletrônica). Então, “o alistamento eleitoral é o pressuposto objetivo do
exercício do voto e a viabilização do exercício efetivo da soberania popular”98 (destaque).
Para a mencionada Procuradora Regional Eleitoral gaúcha, “o alistamento eleitoral
consiste no reconhecimento da condição de eleitor, que, por sua vez, corresponde à
aquisição da cidadania e integra o indivíduo no universo de eleitores.99
A Res. TSE n. 23.659, de 26.outubro.2021, atual regulamento do Cadastro de
Eleitores e que revogou a Res. TSE n. 21.538/2003, estabelece que “os direitos políticos
são adquiridos mediante o alistamento eleitoral” (art. 11, caput), que é assegurado a
todas as pessoas brasileiras que tenham atingido a idade mínima (16 anos), salvo os
conscritos (inciso I) e às pessoas portuguesas que tenham adquirido o gozo dos direitos
políticos no Brasil (inciso II).
Tal resolução inova ao permitir o alistamento até mesmo das pessoas que estejam
com suspensão dos direitos políticos. Neste caso, o referido impedimento ao exercício
dos direitos de votar e ser votado deve ser lançado logo na sequência (art. 11, § 2º).
2. Nome e Identidade de Gênero
Esse procedimento administrativo eleitoral (alistamento) pressupõe o preenchi-
mento do RAE (requerimento de alistamento eleitoral) e a apresentação dos documen-
tos enumerados no art. 44 do Código Eleitoral e nos arts. 34 e 42 da Resolução, basica-
mente prova da identidade e do domicílio eleitoral do alistando e o Juiz Eleitoral defere
ou indefere o pedido do alistando (atividade administrativa do Juiz). A partir do defe-
rimento, o cidadão está inscrito no corpo eleitoral daquela circunscrição (municipal,
para os efeitos das eleições municipais; estadual, para as eleições gerais; e nacional, para
as eleições presidenciais), alcançando o status de eleitor. Adquiriu, via de consequência,
meios para o exercício de sua capacidade eleitoral ativa, ou seja, do direito de votar.
Questão atual e importante diz respeito à identidade de gênero e seu reexo
imediato no alistamento eleitoral. Não obstante o fato de o art. 10, § 3º, da Lei n.
9.504/97, utilizar-se da expressão “cada sexo” para xação dos percentuais mínimo e
máximo de candidatos às eleições proporcionais, o TSE, em 1º.3.2018, respondendo à
Consulta n. 060405458, consignou que a dita expressão refere-se ao gênero, e não ao sexo
biológico da pessoa. E na Res. TSE n. 23.562, de 22.março.2018, o Tribunal entende ser
necessário levar em conta, já no alistamento eleitoral, a forma como a pessoa se relaciona
98 MICHELS, Vera Maria Nunes . Direito eleitoral – Análise pa norâmica de acordo com a Lei n. 9.50 4/97.
Porto Alegre: Liv raria do Advogado, p. 14.
99 MICHELS, Vera Maria Nunes . Direito eleitoral – Análise panorâm ica de acordo com a Lei n. 9.504/97,
p. 13.
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TÍTULO II – O PROCESSO ELEITORAL
CAPÍTULO I – ALISTAMENTO ELEITORAL
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com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua
prática social, mesmo sem guardar necessária relação com o sexo biológico atribuído no
nascimento. Por isso, acrescentou à Res. TSE n. 21.538/2003 os arts. 9-A, 9-B, 9-C e 9-D
e deu nova redação ao seu art. 29, § 3º, garantindo à pessoa travesti ou transexual levar
para o seu cadastro eleitoral o seu nome social (que não pode se confundir com apelido)
e a sua identidade de gênero. Essas regras foram mantidas na Res. TSE n. 23.659/2021:
Art. 16. É direito fundamental da pessoa transgênera, preservados os dados do registro
civil, fazer constar do Cadastro Eleitoral seu nome social e sua identidade de gênero.
§ 1º Considera-se nome social a designação pela qual a pessoa transgênera se
identica e é socialmente reconhecida.
§ 2º Considera-se identidade de gênero a atitude individual que diz respeito à
forma como cada pessoa se percebe e se relaciona com as representações sociais
de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem
guardar necessária relação com o sexo biológico atribuído no nascimento.
§ 3º É vedada a inclusão de alcunhas ou apelidos no campo destinado ao nome social
no Cadastro Eleitoral.
§ 4º A Justiça Eleitoral não divulgará o nome civil da pessoa quando for ela identicada
por nome social constante do Cadastro Eleitoral, salvo:
I - as hipóteses em que for legalmente exigido o compartilhamento do dado; ou
II - para atendimento de solicitação formulada pelo(a) titular dos dados.
§ 5º O disposto no § 4º deste artigo não impede a inclusão do nome civil em
batimentos, relatórios e documentos utilizados pela Justiça Eleitoral, quando
justicada a necessidade
3. Res. TSE n. 21.538/2003, atualizada até a Res. TSE n. 23.596/2019:
nome social e identidade de gênero
Os dados que o cidadão leva para o seu alistamento eleitoral, cam protegidos em
face de quem quer que seja (ressalvado acesso para efeito de recurso), e só podiam, na
vigência da Resolução n. 20.132/98, ser obtidos por meio de requisição do Juiz Criminal,
exatamente para instruir investigações ou processos criminais. Era o que dispunha o seu
art. 26:
Art. 26. As informações constantes dos cadastros eleitorais, em meio magnético,
serão acessíveis às instituições públicas e privadas e às pessoas físicas, nos termos
desta Resolução.
§ 1º No interesse do resguardo da privacidade do cidadão, não se fornecerão
informações constantes dos cadastros eleitorais, de caráter personalizado.
§ 2º Consideram-se, para os efeitos deste artigo, como informações personalizadas,
relações de eleitores acompanhadas de dados pessoais (liação, data de nascimento,
prossão, estado civil, escolaridade, endereço, outros).
§ 3º Excluem-se da proibição de que cuida o artigo os pedidos relativos a procedimento
previsto na legislação eleitoral e os formulados: a) pelo eleitor sobre seus dados
pessoais; e b) por autoridade judiciária criminal.
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