Crimes eleitorais e processo penal eleitoral

AutorEdson De Resende Castro
Ocupação do AutorPromotor de Justiça
Páginas691-723
Capítulo X
CRIMES ELEITORAIS E
PROCESSO PENAL ELEITORAL
Não era propósito inicial deste trabalho o enfrentamento das questões criminais
eleitorais, principalmente em capítulo à parte. Entretanto, partindo do reconhecimento
de que há uma incidência signicativa de crimes eleitorais antes e durante as campanhas,
a abordagem passou a ser quase que uma exigência. E isso porque a obra tem como
pretensão constituir-se num “manual para as eleições”, no qual o prossional do
Direito poderá encontrar a abordagem de tudo quanto frequentemente acontece num
processo eleitoral.
Algumas condutas tipicadas pela legislação eleitoral já foram aqui estudadas e
seu enfoque está inserido nos capítulos relativos ao momento em que se vericam. Cabe
agora repetir algumas considerações e acrescentar outras, sistematizando o estudo.
De qualquer forma, não há compromisso com o aprofundamento434 do estudo dos
fenômenos criminais eleitorais.
1. Pena mínima: art. 284 679
Já bem no início, salienta-se que o Código Eleitoral tem a particularidade de não
prever, ao pé de cada tipo legal, a pena mínima cominada à conduta típica. Preferiu o
Código xar a regra geral do art. 284, segundo a qual será de 15 dias a pena mínima para
a detenção e 1 ano para a reclusão, sempre que não houver indicação diversa. Então, será
sempre necessário lembrar-se disso, quando da análise dos crimes eleitorais.
2. Declaração falsa de domicílio eleitoral: art. 289
Durante o alistamento eleitoral, acontece, com alguma frequência, declaração falsa
de domicílio eleitoral. A conduta, segundo a jurisprudência, pode caracterizar o crime
do art. 289 do Código Eleitoral, já que a falsidade teve como objetivo, como nalidade,
a inscrição eleitoral. Se o crime é descoberto posteriormente ao deferimento da
inscrição, terá ele se consumado. Do contrário, quando evidenciado durante o processo
de inscrição, naquela fase em que o Juiz pode converter o julgamento em diligência e
434 Para tanto, recomendável a obra de A lessandro Ga rcia, Tutela Penal Eleitoral, Aspec tos Teóricos e
Práticos, Editor a Arraes, 2012, e a de Rodrigo López Zí lio, Crimes Eleitorais, Editora Jus Pod ium, 4ª
edição, 2020.
BOOK-DireitoEleitoral-11ED.2022.indb 691BOOK-DireitoEleitoral-11ED.2022.indb 691 28/04/22 09:2628/04/22 09:26
EDSON DE RESENDE CASTRO
692
determinar a constatação in loco, a falsidade conduzirá o pedido ao indeferimento, daí
que o alistando terá apenas tentado inscrever-se fraudulentamente. Neste caso, incide a
regra do art. 14, II, do Código Penal. No entanto, a jurisprudência eleitoral já entendeu
que essa declaração falsa de endereço, perante a Justiça Eleitoral, caracteriza sim o
crime do art. 350 do Código Eleitoral, que é a falsidade ideológica eleitoral: “inserir ou
fazer inserir em documento público ou particular declaração falsa ou diversa da que
devia ser escrita, para ns eleitorais”. O acompanhamento atento dos procedimentos
de alistamento e transferência possibilita o descobrimento desse crime e sua punição se
constitui em medida exemplar, p ara evitar sua reprodução.
Essa falsidade ideológica eleitoral (art. 350) poderá ocorrer sempre que o
candidato emitir declaração falsa à Justiça Eleitoral, sobre fato relevante para o processo
eleitoral. No pedido de registro, p. ex., o candidato presta diversas informações, sobre
se é servidor público (porque daí há necessidade de desincompatibilização), sobre seu
grau de instrução (porque o analfabetismo é causa de inelegibilidade) e sobre seus
bens (porque protege-se a probidade administrativa desde a eleição e porque constitui
informação importante à tomada de decisão do eleitor).
[...] 13. A declaração de bens prevista no art. 11, § 1º, inciso IV, da L ei nº 9.504/1997
é autossuciente para preencher a nalidade de instruir o pedido de registro, não
havendo dever legal de que o juiz eleitoral conrme ou verique a propriedade dos
bens declarados pelo requerente.
14. Os eleitores e a sociedade são os destinatários diretos da declaração de bens
apresentada pelo candidato, sendo que no caso concreto existem indícios que
demonstram o potencial da declaração falsa para enganar os destinatários. Os fatos
narrados no acórdão apresentam indícios de que a declaração de bens foi utilizada
como prova do patrimônio do candidato perante o eleitorado, sendo supostamente
apresentada para demonstrar a honestidade e a diminuição patrimonial do acusado.
15. Apresentam-se indícios de que o documento falso foi politicamente utilizado para
forjar relação política entre o candidato e seus eleitores, o que indicaria, em momento
processual inicial, a potencialidade lesiva da declaração omissa para ludibriar a fé
pública.
(TSE, REspe n. 4931 - MANAUS – AM, Ac. de 27/08/2019, Rel. Min. Edson Fachin)
A declaração de bens é um documento essencial e obrigatório no momento do
registro de candidatura, nos termos do art. 11, § 1º, inciso IV, da Lei n° 9.504/1 997,
e tem como função primordial informar o eleitor acerca da situação patrimonial
atual dos candidatos e, dessa forma, permitir análise e avaliação da situação nanceira
daquele que pretende assumir cargo público eletivo. Assim, aperfeiçoa o processo de
escolha do eleitor e prestigia a liberdade do voto. Eventualmente pode possibilitar
também a percepção da sua evolução patrimonial e nanceira, caso já tenha exercido
outro cargo eletivo ou obtenha êxito na eleição.
Assim, não se pode dizer que o referido documento não tem ns eleitorais, tendo em
vista que exerce a função de ampliar as informações do eleitor e ajudá-lo no processo
de escolha.
BOOK-DireitoEleitoral-11ED.2022.indb 692BOOK-DireitoEleitoral-11ED.2022.indb 692 28/04/22 09:2628/04/22 09:26
TÍTULO II – O PROCESSO ELEITORAL
CAPÍTULO X – CRIMES ELEITORAIS E PROCESSO PENAL ELEITORAL
693
Além disso, certo é que a declaração rmada pelo candidato não tem o condão, por
si só, de fazer prova da existência de todos os bens de propriedade do candidato.
Todavia, considerar irrelevante a falsidade da declaração seria o mesmo que admitir
que é abusiva a exigência desse documento para o registro, visto que inútil.
Igualmente não se mostra válido para o caso o argumento de que posterior averiguação
do conteúdo da declaração afastaria a possibilidade de ocorrer a falsidade ideológica,
porquanto não há averiguação formal prevista no procedimento de registro e tal
análise pela Justiça Eleitoral seria inviável.
(REspe n. 3882654, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE, Tomo 58, de 24/03/2017,
Página 89/90)
3. Caixa 2: art. 350
Também tipica este crime do art. 350 o “caixa 2” de campanha, que pode ser resu-
mido como a movimentação de recursos à margem dos registros contábeis e sem trânsito
pela conta corrente de campanha. Como consequência dessa “informalidade”, a receita e/
ou a despesa custeada com estes recursos não será informada naquele prazo de 72 horas
previsto no art. 28, da Lei n. 9.504/97 e nem lançada na prestação de contas parcial ou
nal. A omissão da informação, de fundamental importância para o eleitor e para o exer-
cício da scalização atribuída à Justiça Eleitoral, é um dos núcleos do tipo em comento.
[...] 9. A fé pública é o bem jurídico transindividual que se refere à conança e à
credibilidade depositada pelos indivíduos nos documentos utilizados para atestar
ou provar relações jurídicas ou sociais. Portanto, o crime de falsidade não lesiona
apenas o destinatário imediato do documento, mas agride a convicção coletiva de que
os documentos utilizados como essenciais à determinada nalidade são verídicos e
conáveis. Portanto, a absolvição sumária só é cabível quando demonstrado de forma
precisa e certeira a absoluta inidoneidade do falso para iludir. (TSE, REspe n. 4931 -
MANAUS – AM, Ac. de 27/08/2019, Rel. Min. Edson Fachin)
HCCrim – AgR-HC n. 060010317 - BRASÍLIA – DF, Ac. de 29/04/2021, Rel. Min.
Sergio Silveira Banhos. [...] SÍNTESE DO CASO [...] 2. Na ação penal imputa–
se a prática dos crimes previstos nos arts. 350 e 353 do Código Eleitoral, pois os
denunciados teriam inserido declaração falsa no recibo eleitoral 01310.06.00000.
DF.000374 (delito de falsidade ideológica para ns eleitorais) e, em seguida, teriam
utilizado o referido recibo na prestação de contasde campanha de candidato a
deputado federal (uso de documento falso), atinente ao pleito eleitoral do ano de
2014, perante o TRE/DF. [...] 8. O entendimento desta Corte é sentido de que, no
         dispensável
que a denúncia descreva de forma minuciosa e individualizada a conduta de
cada acusado, bastando, para tanto, que a exordial narre o fato principal e as
        
nº 24.183/SP)(AgR–HC 671, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 24.3.2010). [...] 13.
Segundo o assente entendimento desta Corte, o trancamento da ação penal na via
estreita do habeas corpus somente é possível, em caráter excepcional, quando se
comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de
causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da
materialidade do delito, hipóteses não vericadas no caso (RHC0600063–47, rel. Min.
BOOK-DireitoEleitoral-11ED.2022.indb 693BOOK-DireitoEleitoral-11ED.2022.indb 693 28/04/22 09:2628/04/22 09:26

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT